Valor econômico, v. 18, n. 4496, 04/05/2018. Finanças, p. C1.

 

Argentina defende peso enquanto moedas de países emergentes caem

Benedict Mander/ Robin Wigglesworth 

04/05/2018

 

 

Câmbio. Depois de vender reservas, BC, argentino eleva juro pela 2ª vez em uma semana

 

 

A Argentina aumentou ontem as taxas de juros pela segunda vez em uma semana, depois que uma intervenção de mais de US$ 5 bilhões do banco central não conseguiu impedir uma queda acentuada do peso, numa medida que mostra o aumento da pressão sobre as moedas dos mercados emergentes nas últimas semanas.

O banco central argentino surpreendeu mais uma vez os mercados ontem ao elevar as taxas de juros em três pontos percentuais, para 33,25%, apenas seis dias depois de ter aumentado as taxas de 27,25% para 30,25%. Mas isso também não foi suficiente para conter a queda do peso, e, assim, a moeda argentina recuou ontem ao seu menor patamar histórico.

"O banco central precisa surpreender o mercado e reconquistar sua confiança", disse Federico Kaune, diretor de dívida de mercados emergentes da UBS Asset Management. "Isso também é gradual, de modo que eles provavelmente terão de realizar outra reunião de emergência muito em breve e aumentar ainda mais as taxas."

Um rali do dólar e a possibilidade de novos aumentos dos juros pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, vêm drenando as moedas de mercados emergentes pelo mundo. O índice FX do J.P. Morgan para mercados emergentes já caiu 6% desde o fim de fevereiro.

Poucas moedas têm sido tão duramente afetadas quanto o peso argentino - que já perdeu cerca de um quarto de seu valor no último ano e rompeu a barreira dos 22 pesos por dólar ontem -, mas o sentimento em relação aos mercados no mundo em desenvolvimento piorou de modo geral em 2018.

Embora muitas das maiores vítimas, como Argentina, Rússia e Turquia, estejam sendo afetadas por fatores particulares, a alta recente dos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA e do dólar pesou sobre ações, bônus e moedas dos mercados emergentes. A taxa Libor de três meses, importante referência de empréstimo de curto prazo, subiu ao maior nível em dez anos (2,36%), dificultando as populares operações de "carry trade" em dólares para investir em moedas emergentes mais rentáveis.

Os países e empresas da América Latina são tomadores particularmente prolíficos de dólares, e, se os rendimentos dos Treasuries e o dólar continuarem subindo, isso poderá forçar mais bancos centrais a aumentar agressivamente as taxas de juros para defender suas moedas, alertou ontem a S&P Global, em um relatório.

"Políticas monetárias domésticas mais restritivas e pressões para a saída de capital sem uma melhora das condições políticas ou econômicas domésticas poderão tirar dos trilhos a recuperação econômica que a maior parte dos países latino-americanos vem experimentando", escreve Elijah OliverosRosen, economista da agência.

O índice de ações FTSE Emerging Index, de papéis de países em desenvolvimento, caiu pelo terceiro dia seguido para o menor nível do ano. O índice EMBI do J.P. Morgan, de bônus de mercados emergentes, perdeu 4% até agora este ano, sendo negociado no menor patamar desde abril de 2017.

O peso argentino é a moeda emergente de pior desempenho no ano, e o bônus de 100 anos que a Argentina emitiu com grande estardalhaço em junho de 2017 caiu mais para o novo patamar de baixa de 86,90 centavos por dólar. O governo do presidente Mauricio Macri já vendeu mais de US$ 100 bilhões em bônus nos mercados internacionais desde que assumiu o poder, há dois anos e meio.

"O banco central está encarregado da situação", disse ontem a jornalistas Marcos Peña, chefe de gabinete. "Situações de volatilidade como esta não deveriam nos amedrontar: elas precisam ser parte do aprendizado na convivência com o câmbio flutuante."

O dólar mais forte tornará mais caro para a Argentina cumprir o serviço da dívida externa, que aumentou bastante com Macri, que financiou um programa econômico "gradualista" para reduzir o grande déficit fiscal do país.

As tentativas "desesperadas" do BC de conter a queda da moeda mostram que o "gradualismo excessivo não está dando o resultado desejado e fez da Argentina um dos mercados emergentes mais frágeis hoje", disse Marcos Casarin, diretor da Oxford Economics para a América Latina, em nota.

Embora a grande queda inicial do peso na semana passada tenha sido desencadeada por investidores estrangeiros desfazendo posições em instrumentos de dívida local, antes da implementação de um novo imposto sobre ganhos de capital, o problema foi agravado por argentinos que correram para trocar suas poupanças por dólar.

"Há uma paranoia natural de que a moeda vai sair do controle em algum momento", disse ontem Walter Stoeppelwerth, diretor da análises do Balanz Capital, banco de investimento. Há apenas 17 anos, o peso estava ao par com o dólar. "Argentinos são mais sensíveis ao risco cambial que em qualquer outra nação da região, com exceção, talvez, da Venezuela."

O nervosismo entre os poupadores argentinos vem sendo exacerbado por uma sensação geral de fadiga do programa do governo voltado para a "normalização" da economia, depois da gestão da ex-presidente Cristina Kirchner.

"As pessoas estão cansadas do ajuste, parece que ele nunca termina", diz o economista Luis Secco, apontando para os contínuos aumentos das tarifas públicas, enquanto o governo tenta anular os subsídios insustentáveis concedidos pela administração anterior.

Ele também critica a incapacidade das autoridades de esclarecer a situação para os mercados. "Há falta de gerenciamento das expectativas. Ninguém sabe muito bem por que o banco central está agindo da maneira como está", acrescenta Secco.