Correio braziliense, n. 20099, 02/06/2018. Política, p. 2/3

 

Parente sai, crise e incerteza ficam

Rodolfo Costa e Antonio Temóteo

02/06/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS » Depois de uma semana na frigideira, comandante da Petrobras entrega o cargo. Pressão do governo e dos caminhoneiros contra a política de preços do combustível foi o motivo da queda. Dúvidas sobre ação do novo presidente são grandes

Os caminhoneiros conseguiram mais do que reduzir o preço do óleo diesel. A greve iniciada pela categoria, que durou mais de uma semana, provocou a demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobras. A saída era tratada como uma questão de tempo. O agora ex-titular sofria pressão política por capitanear a política de reajuste de preços dos combustíveis e por ser um dos maiores defensores da manutenção deste regime. Tal postura o colocou como pivô da paralisação dos transportadores e também na mira da greve iniciada pelos petroleiros, que cobravam a saída dele. Ele será substituído por Ivan Monteiro, atual diretor-executivo Financeiro e de Relações com Investidores da estatal.

O cenário construído tornou insustentável à permanência de Parente na Petrobras. Ele mesmo admite isso. Em carta de demissão apresentada pessoalmente ontem ao presidente Michel Temer, em reunião pela manhã, ele reconhece que a greve dos caminhoneiros e “suas graves consequências para a vida do país” desencadearam um “intenso e, por vezes, emocional debate” que colocou a política de preços da estatal sob “intenso questionamento”. Ele, no entanto, se defendeu. “Poucos conseguem enxergar que ela reflete choques que alcançaram a economia global”, destacou.

A política de reajustes dos preços dos combustíveis começou a ser adotada em 3 de julho do ano passado. Ela oscila conforme as variações do dólar e do custo do barril de petróleo no mercado externo. O modelo provocou reajustes quase diários no mercado e foi elogiado por agentes do mercado financeiro por garantir mais previsibilidade ao setor. E por permitir que a estatal acompanhe as condições do mercado de enfrentar a concorrência de importadores.

Quando a política de reajustes foi instituída, as ações preferenciais da Petrobras valiam R$ 12,36. O ápice chegou em 16 de maio deste ano — cinco dias antes do início da greve dos caminhoneiros —, valendo R$ 27,39, uma valorização de 121,6%. Apesar dos ganhos aos investidores, o custo dos combustíveis aos consumidores disparou.

Em julho do ano passado, no início da política de reajustes, a gasolina e o diesel eram comercializados na bomba dos postos a uma média de R$ 3,553 e R$ 2,971, respectivamente. Em maio deste ano, os mesmos combustíveis subiram, em média, para R$ 4,308 e R$ 3,623, respectivamente. Ou seja, uma alta de 21,2% da gasolina e de 21,9% do diesel.

A alta dos combustíveis ocorreu devido a variações no mercado externo, justificou Parente na carta. “Movimentos na cotação do petróleo e do câmbio elevaram os preços dos derivados e magnificaram as distorções de tributação no setor”, destacou. Diante de todo o cenário, o ex-presidente da Petrobras reconhece que a permanência “deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente”. “Sendo assim, apresento meu pedido de demissão do cargo em caráter irrevogável e irretratável”, frisou.

Apesar de contestado, o modelo de ajuste dos custos dos combustíveis pode ser mantido. Pelo menos é o que sinalizou Temer ontem, em pronunciamento. Ele agradeceu Parente pela “extraordinária dedicação”, declarou que recomendará a efetivação de Monteiro ao conselho de administração da estatal, e afirmou que o governo continuará com uma “política econômica que, nos últimos dois anos, retirou a empresa do prejuízo e a trouxe novamente para o hall das mais respeitadas no Brasil e exterior”. “Declaro, também, que não haverá qualquer interferência na política de preços da companhia”, disse.

Desconforto

O modelo de ajuste de preços dos combustíveis vinha gerando desgastes no meio político. O desconforto ficou ainda mais evidente na greve dos caminhoneiros. Cresceu um movimento até mesmo dentro do governo para suspender o ajuste diário de combustíveis. O maior crítico era o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. Tanto que ontem mesmo ele instalou um grupo de trabalho para discutir um modelo de correção de preços dos combustíveis para impedir que a volatilidade da cotação internacional do petróleo e da alta do dólar cheguem ao consumidor.

Em nota, o Ministério de Minas e Energia, no entanto, desconversa sobre a possibilidade de o grupo de trabalho mudar a política de preços. A pasta informa que o objetivo é convidar especialistas no assunto para “ajudar a construir uma solução que possibilite, por um lado, a continuidade da prática de preços livres ao produtor e importador e, por outro, o amortecimento dos preços ao consumidor”. Moreira também nega qualquer pressão para que Parente alterasse a política de preços. “Nem eu, nem o ministro Guardia (da Fazenda), nem o presidente Temer. Não tive nenhuma interferência sobre a decisão do Pedro. É uma política de governo não interferir na política de preços das empresas”, informou, em nota.

O presidente nacional do MDB e líder do partido no Senado, Romero Jucá (RR), defende a política de preços, mas entende que o aumento deve ser modulado para “não ter aumento no susto”. Não é apenas o governo que questiona. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), considera o modelo como “equivocado”. A oposição na Casa também é crítica. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentou esta semana pedido para a criação de uma CPI para investigar os ajustes.

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O burocrata que convive com políticos

Antonio Temóteo

02/06/2018

 

 

Ivan Monteiro conhece Brasília como poucos. Coincidência ou não, nasceu no mesmo ano da inauguração capital federal, em 1960. Só que em Manaus. De lá migrou para Minas Gerais, onde se graduou em engenharia eletrônica e telecomunicações. Em 1983 ingressou no Banco do Brasil, onde fez carreira até se aposentar. Quem o conhece o descreve como um executivo capacitado e experiente, sobretudo pela convivência com políticos das mais variadas vertentes.

Monteiro só deixou o Banco do Brasil em 2015, quando o então presidente do banco, Aldemir Bendine, foi convidado pela então presidente Dilma Rousseff para comandar a Petrobras. Bendine, preso em julho de 2017 por suspeita de receber R$ 3 milhões em propina da Odebrecht, foi escolhido para o posto após a saída de Graça Foster. Assim como no BB, Ivan Monteiro foi escolhido pelo antigo chefe para ser diretor financeiro da petroleira e desenhar um plano para recuperar a estatal.

Respeitado pelo mercado, Monteiro foi um dos principais responsáveis pelo processo de reestruturação que resultou na recuperação da Petrobras. “Ele teve condições de realizar um bom trabalho e chegou à Petrobras antes de Pedro Parente. Agora colocará toda a sua credibilidade a prova em um momento de crise. A Petrobras voltará ou não a ser vítima de ingerências políticas? Veremos nas próximas semanas”, disse um ex-dirigente do BB, que conhece o novo presidente da estatal.

No Banco do Brasil, Monteiro passou por diversos cargos. Foi gerente-executivo da diretoria internacional, superintendente comercial, gerente-geral nas agências em Portugal e Nova York, até ser alçado ao posto de diretor comercial em 2009. Ele chegou ao cargo na gestão de Antonio Francisco de Lima Neto, que foi demitido após desobedecer a ordem do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aumentar a oferta de crédito no meio de uma crise global.

Com a chegada de Bendine, o mercado temeu que ele atendesse todas as demandas do governo às custas da rentabilidade do banco. Foi, então, que o presidente do BB escolheu Monteiro para a vice-presidente de finanças, mercado de capitais e relações com investidores, posto que ocupou entre junho de 2009 a fevereiro de 2012.

O então presidente do BB garantiu autonomia a Monteiro para tomar as medidas necessárias e atender o governo, sem penalizar a instituição. Em fevereiro de 2012, assumiu a vice-presidência de Gestão Financeira e de Relações com Investidores do Banco do Brasil até fevereiro de 2015, quando ocupou a diretoria financeira da Petrobras.

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Moreira, o algoz da queda

02/06/2018

 

 

Após dois anos à frente da Petrobras, Pedro Parente deixa a estatal bombardeado de críticas, sobretudo da classe política. Deputados e senadores não pouparam o ex-presidente da estatal e a política de preços da companhia, a quem atribuíram a culpa pela greve dos caminhoneiros. Além de ser torpedeado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), Parente sofreu com o fogo amigo do ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. O chefe da pasta, garantem interlocutores do presidente Michel Temer, trabalhou para derrubar o executivo.

Antes da paralisação dos caminhoneiros afetar todo o país, Moreira Franco cobrou publicamente da Petrobras uma política de preço que fosse “justa” e afirmou que os valores dos combustíveis praticados pela estatal estavam “subindo demais”.“Já tinha conversado anteriormente com o presidente Pedro Parente. É uma questão do governo, mas ela (Petrobras) como elemento importante e fornecedora de um bem fundamental, tem de dar a sua experiência, contribuição e avaliação da realidade para que possamos ter uma política de preço que seja justa”, disse o ministro em 18 de maio, durante um evento no Rio de Janeiro.

Assessores de Temer detalharam que Moreira pressionou Parente, durante a greve dos caminhoneiros, e se queixava da política de preços com reajustes diários. O ministro chegou a admitir, no Congresso, mudanças na política de preços. No mesmo dia, o presidente Temer concedeu uma entrevista à TV Brasil em que sinalizava disposição em mudar o mecanismo que reajusta o valor dos combustíveis. As declarações foram interpretadas por Parente como recado do governo de que mudanças eram necessárias.

Moreira, entretanto, nega que tenha feito qualquer pressão. “Isso é uma bobagem. Da mesma maneira que o governo não interfere na política de preços da Shell, da Esso, não vai interferir na política de preços da Petrobras. Posso garantir que sobre esse tema nenhum tipo de pressão foi feita da minha parte”, disse. (A.T)