Correio braziliense, n. 20100, 03/06/2018. Política, p. 2/3

 

Riscos da cartada de Temer na Petrobras

Renato Souza

03/06/2018

 

 

Sem garantias de que o freio nos reajustes do diesel vai manter ânimos sob controle, governo sabe que estará diante de perdas em uma das maiores empresas do país. Entrada de Ivan Monteiro na estatal, porém, deve acalmar os mercados e o Congresso

Na tentativa de acabar com a greve dos caminhoneiros, o governo prometeu à categoria a redução de R$ 0,46 no preço do diesel por 60 dias, a destinação de 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para autônomos e descontos no pedágio. As propostas agradaram e desmobilizaram os manifestantes. Mas o movimento levou à queda de Pedro Parente, então presidente da estatal, e coloca em xeque a política de preços da petrolífera, que hoje é definido com base no que é aplicado pelo mercado internacional.

Sem ter garantia de que o freio nos reajustes do diesel vai manter os ânimos calmos por muito tempo e com perdas bilionárias em uma das maiores empresas do país, o governo pode ter encontrado uma saída bem mais cara do que o previsto. Ontem, o preço da gasolina subiu 2,25% nas refinarias com autorização da Petrobras.

Durante a greve dos caminhoneiros, o mundo acompanhou uma derrocada acentuada das contas da Petrobras. A gigante do setor petrolífero — espécie de vitrine da bolsa de valores brasileira e que representa mais do que um bom negócio no setor econômico — pode definir como serão os últimos meses do governo atual e como será o desempenho da próxima gestão que assumir o comando do país, após as eleições de outubro. Em apenas uma semana de greve dos caminhoneiros, a Petrobras perdeu R$ 162 bilhões em valor de mercado. Isso ocorreu por conta de uma queda de 34% na cotação de suas ações.

A empresa, que ocupava o posto de empresa mais valiosa do Brasil, por conta de um lucro de R$ 6,9 bilhões no primeiro trimestre deste ano, caiu para o quarto lugar. A crise levou a estatal a ser ultrapassada em valor de mercado pela Ambev, Itaú Unibanco e Vale. Na última sexta-feira, no auge da crise, os papéis preferenciais da Petrobras fecharam em baixa de 14,82% na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e os ordinários caíram 14,92%. Amanhã, o mercado abre ainda envolvido na tensão política e diante das incertezas do cenário político e econômico.

Entre os analistas, a avaliação dominante é a de que a greve causou abalo inesperado na empresa e revelou que o envolvimento do governo é um dos entraves na gestão da estatal. O professor Edmar Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que a troca de comando escancarou a interferência política nos negócios. “A maneira e a razão pelas quais Pedro Parente saiu são ruins para a empresa. Isso ficou evidente com a forte reação do mercado. Mas a escolha do Ivan Monteiro para o cargo é a forma de mostrar que não houve uma ruptura no comando. Mas o prejuízo já está criado e a venda de ativos e de refinarias fica prejudicado”, afirma.

Para o especialista, mesmo com o fim da greve, o assunto não está encerrado e deve se estender até as eleições. “Eu acredito que a política de preços da Petrobras, de ajuste diário, dificilmente conseguirá se manter. Há dois anos foi escolhido esse sistema de reajuste. Mas hoje sabemos que deu errado. O ideal seria ter concorrência, ter outras refinarias. Do jeito que está, o preço vai mudar muito e toda vez que subir, poderá ter uma crise. Esse assunto vai dominar as eleições e até lá  tem que ocorrer mudanças nas regras”, completa Edmar. Nos últimos dias, correm pelas redes sociais, principalmente pelo WhatsApp, boatos afirmando que uma nova greve de caminhoneiros pode ter início esta semana.

Reunião

O grupo de Acompanhamento de Normalização do Abastecimento fez mais uma reunião na manhã de ontem, no Palácio do Planalto. O encontro durou pouco mais de meia hora e reuniu o ministro do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen, o ministro substituto da Justiça, Claudenir Brito, o chefe do Estado-maior das Forças Armadas, o almirante Ademir Sobrinho. Apesar de não acreditar em uma nova paralisação, o governo informou que está acompanhando a situação de perto.

Daqui a um período de dois meses, o artigo da medida provisória que concede redução no preço do diesel na bomba deixará de valer. A intenção do governo é reajustar pouco esse valor. Mas  além dos dados matemáticos dessa equação, o fator político também entra na conta. O elevado valor do litro da gasolina, que se aproxima de cinco reais em grande parte dos estados, continua levantando a insatisfação dos brasileiros.

Outros movimentos sociais, e até atos independentes da população, podem se insurgir contra o governo. Para o economista Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e ex-superintendente de Importação e Exportação de petróleo da Agência Nacional do Petróleo (ANP), houve um retrocesso ainda difícil de calcular. “Eu acho que o governo se embaralhou nessa crise. Do ponto de vista do setor de óleo e gás, essas decisões levaram ao retrocesso. A causa da crise é o frete dos caminhoneiros. Isso ocorre por conta de barbeiragens nos governos Lula e Dilma, que subsidiaram a compra de caminhões sem necessidade do mercado”, afirma.

Exemplo

Não é necessário ir muito longe para entender o que ocorre quando o Estado tenta usar uma valorosa empresa pública para satisfazer pretensões políticas. A Petróleos de Venezuela (PDVSA), estatal que é a mina dos olhos do governo do país vizinho, hoje produz 1,5 milhão de barris por dia. É quase metade da quantidade que já produziu em seu auge, em 2005, quando foi catalogada como a terceira maior petrolífera mundial.

A ex-presidente Dilma Rousseff tentou uma política parecida. Obrigada, a Petrobras baixou o valor do combustível na gestão da petista e teve perdas, à época, de U$ 30 bilhões. Tudo isso se somou ao esquema de corrupção investigado na Lava-Jato, que, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), pode ter ocasionado o desvio de R$ 20 bilhões nos cofres da empresa.

Os valores da derrocada

Em dois dias de greve dos caminhoneiros, a Petrobras perdeu R$ 120 bilhões em valor de mercado com a baixa nas ações

Ao final da greve, que durou 11 dias, as perdas chegaram a R$ 162 bilhões. Na sexta-feira, com a troca de comando, foram R$ 40 bilhões no Brasil

A medida provisória editada pelo presidente Michel Temer reduz R$ 0,46 no preço do diesel na bomba

Após o fim do prazo de desconto, o governo promete acabar com os reajustes diários, e ampliar o período de mudanças nos preços do diesel

Não foram anunciadas medidas relativas à gasolina. Ontem, a Petrobras anunciou alta de R$ 2,2% no preço repassado às refinarias

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Fim do gabinete

03/06/2018

 

 

O Planalto começa a desmobilizar o grupo de monitoramento da crise do abastecimento de combustíveis. Dos ministros que compõem a equipe, apenas Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), participou da reunião Eliseu Padilha, Casa Civil, e Carlos Marun, Secretaria de Governo, não compareceram. O presidente Michel Temer ficou no Palácio do Jaburu, residência oficial da Presidência, e também não participou.

A equipe de ministros mais próxima de Temer começa a dar mais foco aos estragos políticos deixados pela paralisação dos caminhoneiros, que custou a saída de Pedro Parente do comando da Petrobras e uma fragilidade ainda maior do governo nos embates no Congresso e nos setores econômico e social.

Uma nova reunião do grupo de monitoramento foi marcada para hoje, às 9h30. Na noite de quinta-feira, Eliseu Padilha disse que o governo apostava na desmobilização do movimento, com o fim dos bloqueios das estradas federais. Pelas últimas avaliações do GSI, de Etchegoyen, os anúncios e convocações de paralisação, nas redes sociais, não eram motivos de preocupação para o governo.

A Polícia Rodoviária Federal informou que continua com o trabalho de monitoramento das estradas e não registrou nenhuma ocorrência incomum. Nos aeroportos, a maioria dos terminais já está com a operação normalizada. O aeroporto de Palmas, último aeroporto sem combustível da Infraero e que deveria ter recebido querosene na madrugada do sábado, esperava o carregamento para o meio da tarde. Nos demais terminais, a operação era normal.

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Temor de fake news

03/06/2018

 

 

O Palácio do Planalto produziu vídeos para redes sociais em que nega a notícia de que haverá novo movimento de paralisação dos caminhoneiros nos próximos dias. O material diz que “caminhoneiros de verdade” voltaram ao trabalho com o acordo fechado com o governo e a suposta mobilização é organizada por radicais que “tentam botar medo nas pessoas espalhando mentiras por aí”.

“É importante que você não acredite em qualquer coisa que chegue para você nos grupos da família ou do trabalho”, diz o vídeo. O governo defende no material que todas as reclamações dos motoristas foram atendidas, como a redução do preço do diesel, a adoção de uma tabela nacional de fretes e a reserva de 30% do transporte da Conab para autônomos.

A estratégia do governo ocorre como uma ação de contrainformação diante de caminhoneiros independentes que estariam se mobilizando para protestar hoje e amanhã em Brasília. Organizadores dizem, nas mesmas redes sociais, que poderiam levar até 50 mil caminhões para a capital federal. Em algumas mensagens, manifestantes sugerem estocar comida e encher o tanque de combustível.

O Planalto diz que há “aproveitadores” se mobilizando “para se promover”. “Não acredite nessas pessoas. E tenha consciência na hora de passar para frente informações. Na dúvida, não passe”, conclui um dos vídeos.

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Fim da greve é teste para Planalto

03/06/2018

 

 

A esperança do governo Michel Temer é que a saída de Pedro Parente do comando da Petrobras dê fôlego ao governo. A queda do executivo da Petrobras abre as portas para mudanças na política de reajuste de preços dos combustíveis. A medida é importante sob a ótica política por dois motivos. Possibilita ao Palácio do Planalto a retomada do diálogo com a Câmara dos Deputados e o Senado. E pode evitar que elevações do custo da gasolina deem motivos para a população ir às ruas manifestar contra o governo.

Há cinco anos, insatisfações com aumentos nos valores de passagens de transporte coletivo levaram brasileiros às ruas, em junho, num processo que deu início à derrocada da ex-presidente Dilma Rousseff. A situação atual começa a despertar preocupação com o descontentamento da população. Os primeiros sinais do desgaste foram dados com a greve dos caminhoneiros, que contou com apoio de pessoas identificadas com a esquerda e a direita.

Após pronunciamento de anúncio de acordo com a categoria, Temer lidou com os primeiros “panelaços” em bairros nobres de diferentes capitais. Manifestantes tomaram as ruas nos primeiros dias da última semana em protestos com pautas diversas, mas todas envolvendo em comum o apelo pela redução dos combustíveis.   A greve dos caminhoneiros expôs a fragilidade do governo em lidar com a situação. Não apenas sob o ponto de vista negocial com a categoria, mas também sob a ótica do diálogo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE). A sintonia que antes existia entre Planalto e Congresso deu lugar a um distanciamento. Diante das discussões do alto custo do óleo diesel e sobre como reduzi-lo, os presidentes das duas casas do Parlamento criticaram a atual política de reajuste de preços da Petrobras e acenaram com uma trégua apenas para aprovar as medidas de interesse dos transportadores.

Sem Parente na Petrobras, o governo pode, agora, construir uma narrativa que possibilite a retomada do diálogo com o Congresso, avalia o analista político Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB). Uma eventual ingerência sobre a estatal, no entanto, não assegurará plena governabilidade a Temer. Mas pode evitar uma derrocada melancólica e dar fôlego para a pré-candidatura emedebista de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda. “No frigir dos ovos, permitirá que o governo construa um espaço novo de negociação, reforçe acordos, e proponha novas alianças”, analisa.

Interferência

Em pronunciamento na sexta-feira, Temer declarou que não haverá, por parte do governo, “qualquer interferência política de preços” da estatal sob o comando do próximo presidente, Ivan Monteiro. Não foi claro, entretanto, se o modelo atual será mantido. O discurso não convence o economista-chefe da corretora Spinelli, André Perfeito. “Não tenho a menor dúvida que haverá congelamento do custo de combustíveis. A atual gestão está politicamente insustentável e vai colocar a Petrobras para servir o povo”.

Os ganhos políticos que o governo pode acumular com o represamento de preços dos combustíveis, porém, são incertos, adverte Perfeito. Para ele, o congelamento nos combustíveis manterá o dólar subindo e também provocará uma alta da taxa básica de juros (Selic) em outubro. Tal movimento trará efeitos sobre a inflação, obstruirá uma demanda por crédito e freará o consumo das famílias. O efeito prático disso deve, nos cálculos dele, levar o Produto Interno Bruto (PIB) a crescer 1,6%, abaixo da previsão da equipe econômica do governo, de 2,5%. Um crescimento mais baixo, por sua vez, compromete uma geração maior de empregos e renda. “Todo esse cenário deságua em uma desidratação do capital político”, avalia.

Coligação

A lentidão na retomada da economia é uma das variáveis que podem comprometer os bônus políticos com mudanças na política de preços da estatal. Outra é a possibilidade de Temer ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) uma terceira vez, situação que não joga a favor do governo e da pré-candidatura de Meirelles, que poderia absorver os impactos negativos da decisão.

Para o especialista em política brasileira Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não seria uma surpresa o cenário turbulento empurrar de vez o MDB a propor uma coligação com o PSDB. “Se encaminha para isso. E o MDB ainda tem muito a oferecer, como tempo de televisão na propaganda eleitoral gratuita, fundo eleitoral, e a estrutura política nos estados”, analisa.

O ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Marun, avalia a situação política e eleitoral de outra forma. Para ele, o cenário atual não aponta nenhum candidato de centro forte o suficiente para indiscutivelmente atrair as outras pré-candidaturas do espectro político. Por esse motivo, ele não vê motivos para o MDB abandonar a campanha de Meirelles. “Não tem candidato com viabilidade no campo do bom senso. O caminho não é esse, de procurar coligação, mas pode ser o de construção de um projeto”, considera.

A análise eleitoral do governo após a greve dos caminhoneiros ainda está sendo feita. “Obviamente que a crise terá impactos e teremos que fazer uma avaliação. Mas ainda não fiz”, admite Marun. Ele afirma, no entanto, que as manifestações nas ruas recordam mais o período que antecedeu a instauração do regime militar em 1964 do que as manifestações de junho de 2013. “Tivemos há 54 anos gente pedindo nas ruas uma intervenção e a esquerda provocando. Agora, tivemos um lado pedindo (caminhoneiros) e outro provocando (greve dos petroleiros). A diferença agora foi a absoluta observância dos militares à legalidade”, justifica.