O Estado de São Paulo, n. 45513, 28/05/2018. Política, p. A6

 

PGR apura venda de imóvel de Nelson Meurer

Luiz Vassalo e Rafael Moraes Moura

28/05/2018

 

 

Deputado do PP, primeiro réu da Lava Jato julgado no Supremo, está sob suspeita de tentar driblar bloqueio judicial imposto pela Corte

Primeiro réu da Lava Jato a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Nelson Meurer (PP-PR) está sob suspeita de tentar driblar bloqueio judicial imposto pela Corte. O parlamentar foi intimado a prestar esclarecimentos sobre como seu terreno avaliado em R$ 3,1 milhões foi vendido por R$ 1 milhão logo após a Corte aceitar a denúncia contra ele. A empresa compradora funciona no mesmo endereço do escritório do PR de Cascavel.

Meurer é acusado pela Procuradoria Geral da República (PGR) de receber R$ 29,7 milhões dos doleiros Alberto Youssef e Carlos Chater em 99 repasses de R$ 300 mil. Os recursos teriam sido desviados da Petrobrás. Para PGR, ele teria também ajudado o PP receber R$ 357,9 milhões em propinas relativas a contratos da Petrobrás.

A Segunda Turma do Supremo deve retomar o julgamento do deputado amanhã. Na semana passada, a sessão foi suspensa após ministro relator do caso, Edson Fachin, e o decano da Corte, Celso de Mello, votarem pela condenação de Meurer por 31 crimes de corrupção passiva e 8 de lavagem de dinheiro. Ficaram pendentes os votos de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Em maio de 2017, a Procuradoria pediu o bloqueio de R$ 7,3 milhões de Meurer – valor da lavagem de dinheiro atribuída ao deputado pela PGR. A medida foi autorizada pelo relator da Lava Jato na Corte, Edson Fachin, no mesmo mês. Foram tornados indisponíveis três carros, dois imóveis e cotas de um supermercado que somam R$ 5,2 milhões, além da participação em outras quatro empresas cujo valor não foi especificado pela Justiça.

Entre os bens bloqueados, o mais valioso é o Lote Rural nº 46-A, de 4,8 hectares, na cidade de Francisco Beltrão, no Paraná, declarado no valor de R$ 3,1 milhões. O imóvel, contudo, não estava mais disponível para bloqueio. Segundo o cartório do município, o lote havia sido alienado em outubro de 2016, quatro meses depois de Meurer virar réu na Lava Jato.

O lote foi alienado para a empresa AMG Empreendimentos Imobiliários Eireli por R$ 1,1 milhão, cuja sede é no mesmo endereço que escritório do Partido da República (PR), em Cascavel.

Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a venda subfaturada e o fato de a compradora ser sediada no mesmo imóvel do escritório de uma legenda política representam indícios de fraude “na alienação do imóvel”.

Raquel pediu, em novembro do ano passado, a extensão do bloqueio de contas de Meurer, no valor de R$ 1,1 milhão, correspondente à venda do imóvel, com o fim de atingir os R$ 7,3 milhões. Em outubro, Fachin autorizou, mas novamente os valores alienados não foram encontrados pela Justiça. Segundo relatório do Banco Central havia apenas R$ 52 mil nas contas do parlamentar.

No dia 8 de maio, a PGR intimou Meurer para prestar esclarecimentos a respeito da venda do imóvel. De acordo com investigadores, se for confirmada a tentativa de fraude, o parlamentar pode ser denunciado novamente pela Procuradoria.

Doação. A empresa que comprou o imóvel tem ligação com o deputado federal Fernando Giacobo (PR-PR). No endereço dela, além do escritório do PR, também está registrada a Bikaner Empreendimentos e Participações, cujo presidente é Giacobo e o diretor é Gilmar Marcelo, dono da AMG. A empresa doou R$ 86 mil para o parlamentar na eleições de 2014. / COLABOROU CAIO SARTORI

 

“O cara (Nelson Meurer) ofereceu esse terreno para metade da Câmara.”

Fernando Giacobo, deputado (PR-PR)

 

Congresso

Nelson Meurer (PP-PR) acompanha a sessão no plenário da Câmara na quinta-feira passada, dois dias depois de o STF inciar seu julgamento

 

CRONOLOGIA

STF retoma caso amanhã

Março de 2015

Delação

Doleiro Alberto Youssef cita repasses a Nelson Meurer e outros parlamentares do PP.

 

Outubro de 2015

Denúncia

A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresenta denúncia contra o deputado.

 

Junho de 2016

Réu

Segunda Turma do STF acolhe a denúncia e deputado vira réu.

 

Maio de 2018

Julgamento

Amanhã, o Supremo deve retomar o julgamento. Os dois ministros que já votaram foram favoráveis à condenação.

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Peritos acham 2 mil codinomes em sistema de propina da Odebrecht

Fabio Serapião

28/05/2018

 

 

Material do setor de Operações Estruturadas da construtora assusta profissionais experientes da PF pela sofisticação

Os peritos criminais da Polícia Federal em Curitiba identificaram dois mil codinomes em meio a 100 milhões de itens encontrados nos sistemas Drousys e Mywebday, utilizados pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht – chamado por investigadores de “departamento da propina”. As informações estão em HDs com a cópia dos 54 terabytes encontrados em endereços virtuais hospedados em data centers na Suíça e Suécia.

O material contém e-mails de executivos com solicitação de pagamento a políticos e a membros da administração pública identificados pelos codinomes, planilhas com detalhes dos repasses, recibos de depósitos e mensagens entre funcionários da empresa e os operadores de propina responsáveis pelas entregas de valores, entre outras milhares de informações. O material é relacionado a mais de 100 obras em 10 países.

Os sistemas da empreiteira estão sendo analisados por 10 peritos de duas especialidades distintas, informática e contabilidade. O Estado entrevistou dois desses peritos, o especialista em informática Rodrigo Lange e Ricardo Hurtado que atua na área contábil-financeira.

Eles trabalham na sala cofre com cerca de 25 metros quadrados, feita em concreto, com janelas bloqueadas por grades de ferro e porta blindada. O acesso é liberado mediante a confirmação de identidade por biometria e os registros de entrada são auditáveis. A área é monitorada por câmeras e não há qualquer tipo de conexão com redes externas.

Para Hurtado, se fosse criado no Brasil um museu da corrupção os sistemas do departamento de propina da Odebrecht seriam itens em exposição. Atuando em grandes investigações da PF há 11 anos, Lange afirma nunca ter se deparado com uma tecnologia como a utilizada pela empreiteira baiana. “E duvido que algum investigador no Brasil tenha tido contato com algo desse nível de sofisticação.”

Os peritos especializados em informática encontram, desbloqueiam e organizam as informações. O trabalho com a enorme quantidade de dados só é possível com a utilização do Iped, ferramenta desenvolvida pelo perito Luis Nassif para uso na Lava Jato. O programa indexa dados e permite a busca com filtros aos milhões de arquivos.

Os financeiros-contábeis interpretam esses dados catalogados e produzem os laudos para responder às perguntas do juiz, dos investigadores e das defesas. “Nunca tinha visto um sistema de pagamentos indevidos assim, geralmente são caminhos mais simples. Talvez no caso Banestado, mas em sofisticação e profissionalização de um departamento eu nunca havia visto algo dessa forma”, diz Hurtado.

Até o momento, os peritos produziram dois laudos a pedido do juiz Sérgio Moro e outros quatro solicitados por investigadores que conduzem inquéritos cujos alvos são políticos e, portanto, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF).

Um dos laudos indicou o caminho do dinheiro utilizado na reforma do sítio de Atibaia, pivô de denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O laudo 808/18 mapeia por meio dos itens encontrados nos sistemas o dinheiro saindo de contratos da Odebrecht no exterior e no Brasil para abastecer um “caixa único”. Foi desse caixa que o engenheiro da empresa responsável pela obra recebeu R$ 700 mil que, segundo o MPF, pagou parte das obras.

O Drousys é um aplicativo utilizado na comunicação entre os funcionários do departamento, executivos da empresa e operadores. O Mywebday era o sistema de contabilidade em si, onde ficavam armazenadas todas as informações sobre os pagamentos – desde o e-mail enviado pelo executivo para liberar o repasse, passando pelas planilhas produzidas com base nos pagamentos até os recibos das transações.

Os peritos ainda não conseguiram acessar os arquivos do Mwwebday. A PF ainda não conseguiu quebrar o sistema de segurança. Entretanto, os especialistas em informática encontraram dentro dos arquivos um backup que começou a ser analisado.

Desde que assinou acordo de leniência, a Odebrecht afirma que colabora com a Justiça.

 

*REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ASSOCIAÇÃO DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS (APCF).

 

Peritos

Ricardo Hurtado e Rodrigo Lange, durante seminário em Foz do Iguaçu

 

OPERAÇÕES

100 milhões​ é a quantidade de itens encontrados nos sistemas Drousys e Mywebday, que eram utilizados pelo setor de Operações Estruturadas – chamado por investigadores de departamento da propina – da Odebrecht. O material encontrado em endereços virtuais hospedados em data centers na Suíça e Suécia tem 54 terabytes – capacidade equivalente a 54 mil gigabytes.