Valor econômico, v. 18, n. 4498, 08/05/2018. Brasil, p. A2.

 

Pressão no câmbio não deve levar inflação muito além de 3,5%, dizem economistas

Arícia Martins 

08/05/2018

 

 

Com o cenário de preços favorável ao consumidor, a recente alta do dólar deve apenas conter as frequentes revisões para baixo nas estimativas para a inflação deste ano, avaliam economistas. A trajetória benigna dos alimentos, a retomada em ritmo mais fraco da atividade econômica e a alta contida nos serviços seriam âncoras suficientes para fazer com que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não suba muito mais do que 3,5% em 2018, apesar da taxa de câmbio mais depreciada.

A moeda americana renovou ontem a máxima de fechamento em praticamente dois anos, ao terminar o dia em R$ 3,5532. No ano, a valorização ante o real é de 7,23%. Como consequência da alta do dólar nas últimas semanas, os analistas consultados pelo boletim Focus, do Banco Central, elevaram suas estimativas para a taxa média de câmbio em 2018, de R$ 3,34 para R$ 3,37. A previsão mediana para o indicador de oficial de inflação no ano, no entanto, permaneceu em 3,49% pela segunda semana consecutiva.

Tudo o mais constante, o efeito líquido da desvalorização do real seria uma inflação maior este ano, mas há muitos outros fatores que vão segurar os preços, diz Fabio Romão, da LCA Consultores. A LCA mantém em 3,5% sua projeção para o aumento do IPCA em 2018, embora tenha elevado de R$ 3,34 para R$ 3,39 a projeção para o dólar médio em igual período.

"Em vez de promover uma alta maior dos preços, o que está acontecendo com o câmbio vai ao menos mitigar as consecutivas revisões para baixo nas estimativas de inflação", afirma Romão. Os alimentos no domicílio - que subiram apenas 0,76% de janeiro a abril, considerando o IPCA-15 -devem registrar inflação menor do que 2% em 2018, diz, ante uma estimativa anterior de cerca de 4%.

De 2011 a 2016, estes preços subiram 8,7% ao ano, em média. Segundo o economista, o fenômeno climático La Niña pressionou as cotações de milho e soja, que são insumos para rações animais e, por isso, poderia ter efeito sobre os preços de proteínas animais, diz. No entanto, o embargo da União Europeia às importações de carne de frango do Brasil provocou uma sobreoferta deste item no mercado doméstico, o que tem contribuído para manter os preços em nível reduzido.

Além da questão dos alimentos, a atividade em ritmo mais modesto é outro fator que vai ajudar a conter eventuais pressões vindas do câmbio, na avaliação de Marcio Milan, da Tendências Consultoria. "A inflação corrente ainda mostra um quadro bastante positivo, num contexto de atividade ainda derrapando e sempre surpreendendo para baixo", diz. Assim, complementa, preços como bens industrializados podem mostrar um comportamento ainda mais tranquilo, apesar do câmbio mais alto.

Para Milan, é pouco provável, ainda, que a divisa americana se mantenha no nível atual, o que também inibe repasses cambiais mais significativos aos preços. "A cotação mudou de patamar no curto prazo, mas este é um movimento muito ligado às incertezas pontuais causadas pelas eleições", diz. Como a consultoria trabalha com a hipótese de que o próximo presidente eleito manterá a política econômica, a tendência é que o dólar encerre o ano entre R$ 3,30 e R$ 3,35, acredita.

André Muller, da AZ Quest, considera uma taxa de câmbio de R$ 3,40 em dezembro em seu cenário de alta de 3,75% para o IPCA em 2018. Caso a moeda americana se mantenha no nível atual por mais tempo do que o previsto, revisões para cima nas projeções inflacionárias serão necessárias, diz o economista.

"Há no cenário uma probabilidade de que a taxa de câmbio fique mais depreciada. A pergunta é quanto disso será repassado aos preços", comenta Muller, tendo em vista a atividade ainda fraca. Nos cálculos da gestora de recursos, cada 10% de depreciação adiciona 0,7 ponto ao IPCA.

Romão, da LCA, estima que o índice de inflação sobe 0,9 ponto a cada 10% de desvalorização cambial, mas não descarta que, tendo em vista a elevada ociosidade na economia, o chamado "pass-through" esteja um pouco menor.