Título: Entre a promessa e a realidade
Autor: Silva, Ruy Martins Altenfelder
Fonte: Correio Braziliense, 25/04/2012, Opinião, p. 15
Para a presidente Dilma Rousseff, 2012 teve início com a boa notícia de uma popularidade superior à de Lula no primeiro ano de mandato, pelo folgado placar de 59% contra 42%, segundo o Datafolha. Analistas se apressaram em apontar os fatores para o resultado que surpreendeu, entre outras razões, pela diferença entre o estilo, digamos, midiático do antecessor e a postura discreta da presidente. Não dá para discordar de algumas unanimidades que pontuam as primeiras análises, como a repercussão pública da faxina protagonizada por Dilma ao afastar ministros envolvidos em acusações. Outro ponto indiscutível é a mão forte com que, até agora, o governo vem conduzindo a economia e a mantendo ao abrigo da crise internacional.
Entretanto, recuando no tempo para comparar as promessas da então candidata à Presidência e o que efetivamente se concretizou no primeiro ano e pouco de mandato, constata-se que as realizações, em linhas gerais, ficaram aquém das intenções. Para começar, vale pinçar a sempre reivindicada e novamente adiada reforma tributária, com desoneração da folha de salários e alívio da pesadíssima carga fiscal, que contribuem, e muito, para a perda de competitividade do produto nacional, mesmo no mercado interno. Na área social, estão longe da meta duas importantes promessas: os 2 milhões de moradias do Minha Casa, Minha Vida 2 e as 6 mil novas creches. Quanto ao primeiro, dos R$ 12,7 bilhões programados para 2011, menos de R$ 10 milhões foram desembolsados, dos quais R$ 5,8 bilhões destinados a cobrir despesas atrasadas do Minha Casa 1! No tocante às creches, houve convênio com 1.039 municípios; porém, dos R$ 890 milhões autorizados, apenas R$ 260 milhões saíram dos cofres federais.
Na educação, a recém-encerrada gestão Fernando Haddad emplacou alguns sucessos, como o aumento do acesso à universidade com o ProUni, mas está ligada aos sucessivos fracassos do Enem e ao não cumprimento da meta de reduzir as taxas de analfabetismo puro e funcional. Na área econômica, houve uma cadeia de erros e a realidade contrariou as projeções. Exemplo: em fevereiro de 2011, o ministro Guido Mantega dizia trabalhar para um crescimento anual de 4,5% a 5%, mas a economia travou no terceiro trimestre, o índice fechou dezembro abaixo dos 3% e a inflação bateu no topo da meta. Desconte-se aqui o fato de a crise mundial ter sido mais aguda do que se esperava. Apesar das ressalvas, em matéria de boas intenções e anúncios e de futuro melhor para todos, vale usar o antigo dito popular, segundo o qual cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Muito menos aos governantes.
Os dados acima trazem à mente o alerta da minha neta Renata Altenfelder Garcia Gallo sobre a importância dos conceitos de liberdade em A utopia de Thomas Morus e A república de Platão, em recente estudo ("Onze vezes Utopia — Estudos comparados", Publicações IEL-Unicamp, pág. 125). Para ela, "é possível observar que para ambas as obras a cidade livre e o sujeito livre só podem existir por meio de uma educação rigorosa em relação ao controle dos desejos e paixões que torna o homem senhor de si". Avançando na reflexão, chega-se à conclusão de que previsões e promessas não devem ser consequência de ideias utópicas, mas pressupõem sólidos conhecimentos. Em outras palavras, mesmo num sistema presidencialista tão concentrador de poderes quanto o brasileiro, é prudente — e principalmente ético — avaliar a viabilidade das promessas eleitorais, geradas tanto pelo desejo legítimo do candidato em busca da vitória nas urnas para bem servir o país, quanto pelo aconselhamento de marqueteiros, muitos dos quais certamente não devem colocar em primeiro plano as motivações altruístas.
Passado o calor da campanha e do primeiro ano, Dilma Rousseff vem desmentindo as ressalvas à sua competência para ocupar a Presidência, invocada por adversários e analistas da cena política antes, durante e depois da sua eleição. Colecionando naturais deslizes de início de mandato, ao lado dos acertos, e brindada com uma ampla base de apoio no Legislativo (mesmo com as recentes dissidências, nas quais ninguém põe muita fé), seria conveniente que, nas mudanças ministeriais que se sucedem na esteira de denúncias, a presidente priorizasse perfis mais técnicos e menos políticos. Até porque a marca que deixará na história será tão mais forte quanto mais conseguir, aproveitando seu bom momento, dar sustentabilidade ao desenvolvimento nacional, num salto que dependerá em grande parte da habilidade em desafogar os gargalos que entravam a trajetória do Brasil rumo ao patamar dos países desenvolvidos.