Valor econômico, v. 19, n. 4498, 08/05/2018. Opinião, p. A11.

 

Privatizações envergonhadas

Roberto Castello Branco

08/05/2018

 

 

A sociedade brasileira, acionista controladora da Petrobras, sofreu perdas substanciais provocadas pela combinação de má gestão e corrupção característica do populismo, ideologia predominante no Brasil há algumas décadas.

A natureza do exercício de práticas populistas compreende tipicamente a redistribuição de renda em favor de grupos de interesses. Assim, muitos bilhões de dólares foram transferidos dos acionistas da Petrobras para a aliança da Velha Política, constituída por políticos corruptos, agentes públicos, capitalistas inimigos do capitalismo e corporações de servidores.

Gravemente ferida pelo populismo e alvo da Operação Lava-Jato, a Petrobras iniciou sua reestruturação em 2015, com a mudança de regras de governança. Diante de um governo que fora conivente com o status quo anterior e de um presidente da companhia posteriormente condenado e preso, o progresso realizado foi relativamente pequeno. A partir de 2016, sob nova administração, a reestruturação da empresa ganhou momento, com a definição de plano estratégico, cortes de gastos, implantação de política de preços de mercado para combustíveis e aceleração de desinvestimentos.

Apesar de auxiliada pela recuperação dos preços do petróleo, a significativa elevação do valor de mercado da Petrobras é o reconhecimento do acerto da gestão da companhia.

Entretanto, na execução do programa de desinvestimentos da Petrobras nota-se, em alguns casos, sinais da influência do Estado fazendo prevalecer interesses estranhos aos dos seus acionistas.

A economia dos recursos minerais ressalta características relevantes dos negócios de petróleo. A exposição à volatilidade de preços recomenda baixos custos operacionais, alavancagem financeira conservadora e dívida de longa duração. A intensidade de capital sinaliza a necessidade de minimizar o custo de capital e de alocá-lo eficientemente, isto é, em ativos onde é possível extrair o retorno mais elevado possível.

O retorno na exploração e produção de petróleo (E&P) tende a ser mais alto do que no refino e distribuição de combustíveis, 15%-20% contra 7%-9% de acordo com estimativas do mercado, dada a escassez relativa de um recurso natural não renovável e a exposição a riscos mais elevados.

O refino é atividade de transformação industrial com o emprego de tecnologia consolidada há longo tempo, em que a gestão da logística e de custos é muito importante. A distribuição de combustíveis é atividade comercial que também requer competências diferentes do que na E&P, tais como marketing e vendas.

Tanto no refino quanto na distribuição, a Petrobras, por razões estruturais inerentes a uma empresa estatal, não demonstrou possuir a competência necessária para ser a dona natural desses negócios.

Portanto, os objetivos de redução da alavancagem financeira e de melhoria da alocação do capital recomendariam a venda integral ou quase integral dos ativos de refino e distribuição. 

Adicionalmente, vale relembrar que investidores privados não costumam ser fãs de ações de empresas estatais, costumando requerer descontos para remunerar os riscos derivados dessas sociedades. Foi isso exatamente o que aconteceu no IPO de parcela minoritária do capital da BR Distribuidora.

Recente anúncio revela a intenção da Petrobras na venda de 60% do capital de dois clusters, no Nordeste e Sul do país, compostos por refinarias - representando 37% da capacidade total - e ativos de logística. Assim, a Petrobras ainda reteria 100% da capacidade de refino no Sudeste, nossa região mais desenvolvida, e 67,8% do parque brasileiro de refino.

Ao mesmo tempo, a Petrobras pretende limitar o universo de potenciais compradores a empresas de petróleo verticalmente integradas, deixando de fora, por exemplo, companhias independentes de refino, tradings e investidores institucionais. Evidentemente, tal restrição trabalha contra o objetivo de maximização de valor e acaba subsidiando futuros compradores, que na presença de menos competição tenderão a adquirir os ativos a preços mais baixos.

Maximizar valor nessas transações passa por deixar funcionar livremente o mercado de controle corporativo. Ativos possuem valores diferentes para compradores diferentes. No caso de uma empresa verticalizada, vislumbrar o investimento num dos clusters como oportunidade em sua estratégia global tenderá a precificá-la, dispondo-se provavelmente a pagar preço superior ao que pagaria, por exemplo, um fundo de private equity.

O investimento futuro dos compradores dependerá de suas expectativas de retorno, em que, entre outros fatores, a visão sobre a ausência da intervenção do Estado sobre os preços de mercado desempenhará papel relevante.

A lição que se retira desses casos é que por melhor que seja a gestão de uma empresa estatal é impossível remover completamente a influência do Estado em suas decisões. Ademais, tratando-se de empresa estatal, sujeita à influência política, nada garante que a boa gestão perdure.

A evidência de muitos anos mostra que embora a sociedade brasileira seja a proprietária das estatais, seu fluxo de caixa costuma ser apropriado em grande parte pelos componentes da aliança da Velha Política. O interesse concentrado nos benefícios privados proporcionados pelas estatais explica porque seus cargos de diretoria são tão cobiçados por políticos bem como porque é forte a oposição à privatização, travestida no manto falso do nacionalismo ou, como no caso da Eletrobras, da ameaça de suposto aumento futuro de tarifas de energia.

Num país com tantas deficiências em saúde, educação, saneamento básico e segurança pública, com endividamento elevado e crescente e baixa produtividade, definitivamente não faz sentido manter centenas de bilhões de dólares alocados no capital de estatais, exercendo atividades que poderiam ser desempenhadas com sucesso pela iniciativa privada. Não privatizar significa optar por ser mais pobre no futuro. Roberto Castello Branco é diretor da FGV Crescimento e professor afiliado da FGV-EPGE. 

 

Roberto Castello Branco é diretor da FGV Crescimento e professor afiliado da FGV-EPGE