Correio braziliense, n. 20104, 07/06/2018. Política, p. 7

 

BC tem que olhar a inflação e o emprego

Ciro Gomes

07/06/2018

 

 

Polêmico, o ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência da República, não poupou críticas às políticas públicas do atual governo, aos ex-presidentes e aos adversários políticos. O pedetista chamou Jair Bolsonaro (PSL) de “boçal despreparado” e disse que cabe aos democratas extirpar “esse câncer enquanto pode ser extirpado”.

Para Ciro, a política brasileira é dominada por uma quadrilha. “O líder de Fernando Henrique Cardoso era Romero Jucá (senador do MDB-RR). O líder do Lula era o Jucá. Da Dilma, Jucá. Deu certo? Ladrão do MDB vai me fazer oposição”, afirmou. “Sou ex-congressista, fui o deputado federal mais votado do Brasil no pior momento, com Michel Temer e Cunha (Eduardo, do MDB-RJ) batendo bola. Um já está na cadeia e o outro, vai. E o Ciro é que tem temperamento? ”, assinalou.

O ex-governador do Ceará defendeu o fim de privilégios, a manutenção de estatais e a revogação da emenda constitucional que estipula o teto dos gastos. Prometeu sanear as contas públicas em dois anos e disse que, para isso, pretende diminuir a carga de impostos sobre os trabalhadores e a classe média.

Contrário à autonomia do Banco Central, ele disse que, em seu governo, a instituição terá meta dupla: além do controle da inflação, o que faz hoje, terá que garantir um nível mínimo de emprego.

 

O ministro Henrique Meirelles disse que o momento da economia é conturbado, porque alguns candidatos pregam o rompimento com a política econômica. O senhor se sente responsável?

As coisas estão bem no Brasil? Eu respondo: o Brasil está muito mal. O que fazer para resolver isso? O debate deveria ser assim, senão a gente cai no subjetivismo. O dólar está se apreciando no mundo inteiro, ontem foi uma proporção de 1,5% no mundo inteiro. Não me consta que haja nenhum candidato no mundo inteiro para justificar isso.

 

O senhor já disse que é contra o teto de gastos. É isso mesmo?

Revogar a Emenda Constitucional 95 é imperativo. Não há precedentes no planeta estabelecer o tabelamento de gastos por 20 anos. No Brasil, nascem cerca de 2,7 milhões de bebês por ano. É preciso ter maternidade expansiva, matrículas. O país tem 62,5 mil homicídios praticados em 12 meses e capacidade de investigar oito em cada 100. Pelos próximos 20 anos, não vamos repor os carros da polícia e a capacidade de investigação? Porque, se vamos só atualizar pela inflação, não temos como expandir o serviço. O que eu pretendo é colocar minha prática a serviço da nação. Eu fui ministro da Fazenda, comandei a economia do país, governei o oitavo estado brasileiro em população, a quinta maior cidade do Brasil e não tem um dia de deficit na minha longa história.  O Brasil precisa desenhar um projeto nacional de desenvolvimento.

 

Fala-se muito que as estatais viraram um antro de corrupção e de indicações políticas. O senhor acha que é possível administrar empresas estatais com eficiência ou é preciso privatizá-las?

Eu tenho segurança de que o setor público pode ser administrado com competência e seriedade. Servi ao governo Itamar Franco e nós não tivemos um escândalo sequer. A companhia de água e esgoto do Ceará dá lucro e faz subsídio cruzado. Não tenho nada contra a privatização, considero uma ferramenta. Agora, acho crime o Brasil privatizar petróleo. No mundo, 80% do mercado do petróleo é controlado por estatais e 20%, por um cartel. Portanto, nós podemos influir na política mundial de petróleo. E vamos entregar isso para os estrangeiros em nome de quê? Corrupção!

 

Vivemos uma crise na segurança pública. Uma organização criminosa comanda vários presídios. O senhor foi gestor. Falhamos na gestão da segurança?

O Estado brasileiro talvez não tenha entendido a gravidade da questão. Dois fatores matam: o narcotráfico e as facções criminosas. O que fazem os demagogos? Sentem que a população está com medo e impõem aparato. Hoje, o Rio de Janeiro está sob intervenção. A pretexto de que há bandidos, quem mora na favela sofre os efeitos, enquanto o verdadeiro chefão mora em São Conrado. Precisamos criar um sistema nacional de segurança e unificar os sistemas de inteligência.

 

Em 1996, em meio a uma crise cambial, se isentou remessas de lucro para fora do país. Passados 22 anos, a medida continua em vigor. O país perdeu poder de barganha?

O Brasil precisa responder à pergunta de onde virá o dinheiro para qualificar as políticas públicas e retomar o desenvolvimento do país. O Brasil subtributa remessas. Precisamos de uma tributação progressiva sobre herança e sobre renda, e diminuir a carga sobre os trabalhadores e sobre a classe média, com progressividade do Imposto de Renda. O Brasil tem alternativas, mas é mais fácil dizer do que fazer. Para preservar o interesse de acionistas da Petrobras, a isenção do diesel vai custar R$ 14 bilhões, e o próximo presidente terá um deficit primário de R$ 150 bilhões. Aí pega um boçal despreparado (Bolsonaro) e desorienta o debate dessa forma. E nós, democratas, temos obrigação de extirpar esse câncer enquanto pode ser extirpado.

 

O senhor é contra a autonomia do Banco Central? Vai mandar o BC baixar juros?

Não. Desde uma certa madrugada, o Banco Central brasileiro opera de uma forma criminosamente autônoma. No primeiro momento, entregamos ao George Soros (megainvestidor bilionário); no segundo, ao Banco de Boston; em um terceiro momento, ao quinto nível do Bradesco; e, neste momento presente, ao Itaú. Isso é o que se fala de autonomia do BC. No mundo inteiro, isso é crime. Eu sou a favor de o Banco Central perseguir menor inflação e pleno emprego.

 

Então ele vai ter duas metas?

Um olho no gato e outro, no peixe. Tem que olhar para a inflação e para o emprego. Pergunte ao Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano) por que isso funcionou lá. O Brasil não é os Estados Unidos. O Brasil é melhor, porque os Estados Unidos têm um deficit primário crônico estrutural invencível, financiado pela emissão do dólar.

 

Mas não tem inflação. O Brasil flertou com a inflação…

Sim, agora não tem inflação. Mas o Brasil tem? Ninguém flertou com a inflação. Isso é mentira. Projetou-se a inflação de 11 pontos por uma razão. Nada que o Banco Central enfrente com taxa de juros. Qual é a inflação que se projetou no governo Dilma para justificar a política de juros de 14,25%? Uma mudança de patamar da taxa de câmbio, que acontece ciclicamente no Brasil. O Brasil não compra dólar, mas anda de ônibus. E adotou a extraordinária política do Pedro Parente/Michel Temer de exportar petróleo bruto barato e importar diesel e gasolina em dólar. Aí explode o dólar, o preço da passagem de ônibus sobe. Qual é o efeito da taxa de juros sobre essa alta do preço? Aí tem outro tipo de preços, os administrados. A Dilma mete um tarifaço de 72% na conta de energia elétrica e qual o efeito dos juros?

 

Houve um período em que as tarifas eram congeladas. O senhor concorda com isso?

Eu critico. A tarifa deve ser calculada sobre custo de produção, remuneração de imobilizado, amortização e depreciação e lucro. Agora, a atual política deixa 30% da capacidade de refino do país parada, vende petróleo bruto e compra gasolina refinada do estrangeiro. Juros só funcionam sobre inflação se o componente inflacionário for excesso de demanda. Hoje, 30% da capacidade instalada da indústria estão ociosos, então não é demanda excessiva. Não adianta encarecer o crédito. O governo subiu energia, subiu gás de cozinha em 90%; a gasolina está R$ 5 e a inflação é 2,53%. Isso só ocorre porque a economia está indo para o vinagre.

 

Qual seria sua política de combustível?

Colocar inteligência e não interdição ideológica e vassalagem ao setor financeiro. É custo de produção mais imobilizado e remunerado, mais depreciação, mais lucro em linha com os competidores internacionais.

 

Sobre a reforma da Previdência, o senhor vai combater privilégios?

O Brasil precisa da reforma da Previdência. Mas, como foi apresentada, economizaria R$ 360 bilhões em 10 anos. O deficit do ano passado foi de R$ 180 bilhões. Não se resolve com a perversão de impor 49 anos de trabalho para ter direito a aposentadoria integral, sem tirar um privilégio. Temos que segregar da Seguridade Social os benefícios de quem não contribui e passar isso para o Orçamento. Proponho que os brasileiros tenham renda mínima. Um regime de repartição, com teto estabelecido. E a partir daí, um regime único. E convocar o povo para votar por plebiscitos contra privilégio.

 

O senhor vai ter que governar com outros partidos. Como chamá-los para diálogo?

Sou ex-congressista, deputado federal mais votado do Brasil, governador mais popular do país, ex-ministro da Fazenda. Qual foi o disparate que eu cometi como governador? Tudo é versão, porque não podem dizer que sou picareta. Nunca respondi por corrupção, nem para ser absolvido. Estive no Congresso. Foi o pior momento da minha vida pública, com Temer e Cunha batendo bola. Um já está na cadeia, o outro vai. E o Ciro é que tem temperamento? Isso é medo de quem tem rabo de palha e quer acordo. Eu não pertenço à máfia. Todos os presidentes brasileiros se elegeram com minoria no Congresso.

 

Como pretende avançar sobre os votos dos lulistas, sem absorver a rejeição da outra ala?

Meu patrão não são as corporações, é o povo brasileiro. O PSDB e o PT foram as duas melhores crias da democracia e tinham obrigação de cooperar. Mas produziram a briga de mortadela e coxinha. Agora todo mundo é obrigado a replicar isso. O líder de Fernando Henrique Cardoso era o Romero Jucá (senador MDB-RR). Do Lula, era o Jucá. Dilma, Jucá. Deu certo? Ladrão do MDB vai me fazer oposição. O Brasil precisa demarcar o campo. É uma mera constatação, esse modelo de transigir com a quadrilha brasileira. Precisamos experimentar outro caminho.

 

No seu governo, pretende fortalecer a Receita Federal?

A Receita Federal é uma ilha de excelência do governo brasileiro. Sei que são concursados, qualificados, decentes, quase inatacáveis. Fiz o plano de cargos e salários. Preciso da Receita entre a eleição e a posse. Quero rever todas as renúncias fiscais. Estou me impondo a tarefa de sanear as contas do Brasil em dois anos.

 

Perfil

Ciro Ferreira Gomes

» Formado em Direito na Universidade Federal do Ceará

» Atua como advogado, professor universitário, escritor

» Nascido em 6 de novembro de 1957 na cidade de Pindamonhangaba (SP)

 

Histórico

» Deputado Federal do Ceará (2007 – 2011);

» Ministro da Integração Nacional (2003 – 2006) durante governo Lula;

» Ministro da Fazenda (1994 – 1995) durante governo Itamar Franco;

» 52º Governador do Ceará (1991 – 1994);

» 43º Prefeito de Fortaleza (1989 – 1990);

» Deputado Estadual do Ceará (1983 – 1988).