Correio braziliense, n. 20104, 07/06/2018. Política, p. 9

 

"A mãe das reformas é a do sistema político"

Guilherme Afif Domingos

07/06/2018

 

 

Pouco antes de participar da sabatina no Correio, Guilherme Afif Domingos se licenciou da presidência do Sebrae para pleitear a presidência da República. A candidatura dele ainda não foi confirmada pelo partido, o PSD. O empresário, porém, se diz seguro quanto à aceitação pela legenda e afirma estar em sintonia com os caciques da sigla, que têm poder de decisão sobre como será composta a chapa que vai concorrer às eleições deste ano.

Defensor de um Estado que controle menos o mercado, ativista pela desburocratização e pela redução dos impostos, ele sugeriu a convocação de uma nova assembleia constituinte para aprovar a reforma política. Mas as mudanças propostas por Afif vão além do setor econômico. Para combater a violência, ele pretende colocar um juiz em cada delegacia, a fim de acabar com a impunidade e determinar a pena logo após a prisão.

Não é a primeira vez que ele concorre ao cargo mais importante do país. Em 1989, foi um dos oponentes de Fernando Collor de Mello e de Luiz Inácio Lula da Silva. O lema da campanha, à época, era o de que os cidadãos deveriam colocar fé no Brasil e acreditar no avanço da nação. Trinta anos depois, em um país completamente diferente, mas que vive dilemas semelhantes, ele aposta que as propostas do pleito de 1989 continuam atuais. Confira os principais trechos da entrevista:

 

Em 1989, o lema da sua campanha era “Juntos chegaremos lá. Fé no Brasil”. É possível ter fé no país com quase 28 milhões de brasileiros sem trabalho, entre desempregados e os que vivem em subemprego?

De fato, estamos vivendo uma situação difícil, mas a fé nunca se pode perder. Há algum tempo, dei uma entrevista ao Correio e disse que a nação avança, e o Estado só atrapalha. O Estado passa a conta da crise para a nação. Vimos isso agora com a crise dos caminhoneiros, quando se repassou integralmente o preço do ajuste do petróleo para uma multidão. O custo dos impostos foi repassado para os caminhoneiros. O Estado não consegue se controlar. Por isso que chegou o momento de uma decisão política para a nação controlar o Estado. Somos porta-vozes de uma multidão de trabalhadores, que são os microempresários que carregam o Brasil nas costas.

 

Por que ser candidato? Desta vez dá para ir?

Eu me sinto muito honrado de ter participado daquela eleição. Eu fico muito feliz de trazer as mesmas ideias que trouxe antes. Nos últimos 30 anos, desde que eu participei, a nação mudou muito. O que não mudou foi o Estado. Temos de ter fé no Brasil. Acho que é muito atual o “juntos chegaremos lá”.

 

Fala-se muito na privatização de Eletrobras, Petrobras, Caixa e Banco do Brasil. Qual é a sua proposta? Tem de privatizar ou investir no modelo estatal?

Nós temos de acabar com o monopólio. Pode ser estatal, desde que vá ocorrer de acordo com o regime de mercado. Posso ter estatal, sim, mas essa deve estar em regime de mercado. Não pode ter monopólio nem tampouco oligopólio. Hoje no Brasil há uma política de prestigiar o oligopólio. Não tem concorrência. Veja o Banco Central. A taxa de juros não baixa.

 

Os três bancos públicos foram cooptados pelo modelo do sistema privado?

Não. O sistema privado foi cooptado pelo público. Hoje, temos dois bancos públicos nacionais e um, internacional. Nos EUA, temos seis mil bancos. Lá, eles fazem questão de que tenha regionalização do crédito. O dinheiro que é gerado lá fica lá, no município. Temos praticamente cinco bancos que controlam 84% do sistema financeiro.

 

O senhor então defende uma descentralização do sistema bancário?

Sim, claro. Tenho uma proposta que já foi vetada duas vezes e que agora volta. Foi aprovada novamente na comissão: é a empresa simplificada de crédito, o cidadão poder emprestar dinheiro no seu município. Não se trata de prestigiar o agiota, mas de concorrer com o agiota.

 

Voltando à greve dos caminhoneiros. Esse momento vai ficar na memória coletiva da população. Se o senhor estivesse na Presidência, o que faria para resolver o problema?

Primeiro, se a Petrobras tem o monopólio, eu não entregaria a ela o poder de decidir o que seria de responsabilidade do governo. Em segundo, quero lembrar que, em 2001, foi feita uma emenda constitucional para criar uma contribuição sobre combustíveis, criar um fundo de equalização do preço. Porque o preço do combustível muda de acordo com o mercado internacional. Esse fundo equalizaria o preço.

 

O senhor concorda com as alegações do governo de que a greve dos caminhoneiros se tratou de locaute?

Precisava dar uma desculpa para a besteira que foi feita.

 

Se o senhor abrisse uma empresa hoje, poderia se estabelecer em meio à burocracia?

A burocracia é violenta, mas tivemos avanços importantes nos últimos tempos. Implantamos aqui a Rede Simples, fazendo a integração do licenciamento. Fizemos a desconexão da legalidade do imóvel com a da empresa. O combate à burocracia tem de ser diuturno. Brasília hoje é um modelo, mas ainda temos muitos tributos.

 

A legislação fiscal é ampla e confusa. Reflete inúmeros interesses e deve ser alvo de protestos. Como o senhor vai enfrentar essa questão?

O presidente da República não pode ter medo de admitir em campanha o que vai fazer. Quando assumir, tem de saber dos problemas e tem um prazo de seis meses para implementar tudo. A mãe das reformas é a do sistema político-eleitoral, que só pode ocorrer numa constituinte exclusiva. Portanto, sou a favor da convocação de um plebiscito para ouvir o povo sobre a reforma política já no início do governo. Temos de discutir isso com o país funcionando.

 

Até que ponto o seu partido está disposto a bancar sua candidatura? Meirelles estava no seu partido e teve de migrar para ser candidato.

É uma pergunta boa. Quem disse que ele queria ser candidato pelo PSD? Ele sempre quis ser candidato pelo MDB e vai ter uma enorme dificuldade. No caso do nosso PSD, o Kassab é amigo nosso. Eu o conheço desde pequeno. Ele está focado nas eleições locais.

 

Então o senhor não é prioridade?

O que vai ocorrer nesta eleição é o mesmo fenômeno de 1989. As eleições locais estarão totalmente desconexas das nacionais. Temos chance de ter candidatura que possa efetivamente ocupar esse espaço que está vazio. Essa ideia desastrosa de fazer uma união pelo centro já tem até nome: Unidos da Lava-Jato.

 

Kassab concorda com sua candidatura?

Quem tem de concordar é a convenção.

 

Kassab tem muito poder dentro do partido. Ele concorda ou discorda?

Ele não discorda.

 

Os estados e municípios não estão conseguindo financiar a educação. O que é possível fazer? Federalizar a educação básica ou privatizar o ensino superior público?

A principal reforma, além da política, é a fiscal ou reforma do sistema federativo. Tudo que o município puder fazer melhor que o Estado e a União, que faça. Tem de definir o papel de cada um. O que a sociedade civil e o cidadão puderem fazer melhor, que façam. Vamos acabar com essa história de Estado mínimo. Você pergunta para o povo e ele não quer Estado mínimo. Quer um Estado forte, para promover a educação, a saúde e a segurança. Mas isso, nas áreas em que o Estado deve atuar.

 

O senhor manteria o Ministério da Segurança Pública?

Vou colocar uma ideia radical aqui. Polícia vai para o Judiciário. Polícia Civil e Polícia Federal, também, para que a gente tenha um juiz em cada delegacia. Acaba com a história do inquérito. Polícia Militar, que é a polícia de repressão, é do Executivo e estará distribuída entre o estado e o município, criando o sistema único de segurança. O inquérito já começa no Judiciário. Você dá celeridade. Aquelas multas de trânsito vão para a delegacia, já tem o juiz que julga e dá a sentença na hora. Se tiver de prender, coloca em cana. A Justiça tem de estar perto do cidadão. Hoje, está muito longe das pessoas.

 

Facções criminosas estão avançando na política. O que o senhor faria para conter a sensação de insegurança e esses grupos criminosos?

O crime se organizou, o Estado, não. Temos um crime organizado que cresce e dá risada dos políticos. É só olhar a estrutura do crime organizado, as armas. Os assaltos a banco são bem organizados. E nós aqui, batendo cabeça entre a polícia estadual, federal.

 

A greve dos caminhoneiros fez repensar a necessidade da reforma tributária. O senhor enfrentaria o peso de diminuir os impostos sobre o consumo e elevar sobre a renda?

Coloquei na Constituição um artigo que tem de informar o cidadão sobre os impostos contidos nos produtos consumidos. Isso foi em 1988. Não houve regulamentação, pois nunca quiseram. Precisei lançar uma campanha chamada de “De olho no imposto”. Então a Câmara votou isso e aprovou a medida, mas foi quase que proibido publicar esse assunto. Por que o posto de gasolina não põe um banner anunciando o preço da gasolina e o preço dos impostos? Sabemos hoje que o imposto é quase metade do preço. Temos de taxar a renda corretamente e aplicar a Curva de Laffer. Quanto maior for a alíquota, menor é a arrecadação e maior é a sonegação. Ainda botam a culpa em quem está no balcão. Agora, o explorador é o dono do posto de gasolina.

 

Se eleito, como o senhor vai negociar com o Congresso recheado de investigados da Lava-Jato e de outras operações da PF?

Essas operações não podem parar. Não tem como recuar. A sociedade não aceita. Não adianta só punir. Tem de mudar o sistema. Hoje, nós temos uma sangria dos cofres públicos para financiar uma campanha em que se gasta uma fortuna para poder se eleger. Quando gasta fortuna para se eleger, ele fica tentado a buscar formas subalternas ou perigosas, como o crime organizado, para financiar a campanha. Por isso é fundamental atacar esse problema.

 

Perfil

Guilherme Afif Domingos (PSD)

» Formado em administração

» Atua como empresário e administrador

» Nascido em 18 de setembro de 1943, em São Paulo (SP)

 

Histórico

» Presidente do Sebrae (2015 – atualmente); vice-governador de São Paulo (2011/2015); secretário de Desenvolvimento de São Paulo (1º de janeiro de 2011 – 2 de maio de 2011);  deputado federal por São Paulo (1987 – 1991)