O Estado de São Paulo, n. 45546, 30/06/2018. Economia, p. B8
Estatais ainda descuprem nova lei
Renée Pereira
30/06/2018
Prazo de adaptação às novas regras para empresas públicas vence amanhã, mas, segundo estudo da FGV, nenhuma está 100% adequada
O prazo de adaptação das empresas públicas à nova Lei das Estatais vence amanhã, mas mesmo as estatais com elevado grau de governança corporativa ainda não estão 100% adequadas, segundo estudo da FGV. Criada em junho de 2016, para melhorar a gestão e reduzir a ingerência política nessas empresas, a legislação traz mudanças importantes, como a criação de comitês de auditoria interna, regras específicas para a nomeação de diretores, membros do conselho e presidentes e a exigência de um rígido programa de regras de conduta.
O Observatório das Estatais, da Escola de Economia de São Paulo da FGV, acompanhou no último mês as 30 empresas públicas com ações negociadas na B3, a Bolsa de São Paulo. Nesse período, os pesquisadores Marcio Holland, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Joelson Sampaio se debruçaram sobre os documentos disponíveis das empresas para avaliar os cinco pilares de regras previstas na nova lei: normas gerais, função social, transparência, conselho de administração e controle de risco.
O resultado mostrou que nem todas estão em conformidade com as novas exigências. Para os pesquisadores, uma das maiores dificuldades foi verificada no pilar transparência. De acordo com as regras, a partir de agora, as empresas são obrigadas a divulgar a Carta Anual de Governança Corporativa e Políticas Públicas – um documento que traz os compromissos e os objetivos das empresas.
Holland afirma que muitas dessas cartas estão superficiais e não deixam claro os propósitos das empresas. Algumas deixaram para criar esse documento no último momento e, portanto, não estarão disponíveis a partir de amanhã. É o caso da CelgPar, estatal de energia do governo de Goiás, que deve divulgar o documento até o dia 15 de julho. O mesmo deve ocorrer com o novo estatuto exigido pela lei, disse a empresa.
“Nota-se claramente que as estatais tinham governança abaixo de seu potencial e que a legislação parece estar provocando movimentações no sentido de aperfeiçoamento de suas gestões”, diz Holland. Segundo ele, o problema é que, apesar do prazo de dois anos, muitos deixaram para se adequar agora. “A dúvida que surge é sobre a qualidade da governança corporativa dessas empresas até então.”
Os pesquisadores afirmam que há casos bastante graves de estatais que não estruturaram adequadamente suas áreas de gestão de riscos e controles internos. Pela nova lei, as empresas devem criar um Comitê de Auditoria Estatutário (Coaud), divulgar as atas, informar sobre o número de membros do comitê, número de conselheiros independentes e inúmeras informações sobre esses membros.
Na Cesp, estatal de energia de São Paulo, o comitê e suas atribuições foram criadas em dezembro, mas os membros ainda deverão ser indicados pelo acionista controlador, informou a companhia, em nota. “Ou seja, o comitê ainda não foi, de fato, constituído”, diz Holland. No BanPará, o estatuto social da instituição foi criado e aprovado pela diretoria e conselho, mas aguarda aprovação do Banco Central. Em vários casos, falta a adoção efetiva das regras – medida que vai garantir que a lei de fato será aplicada, pois não adianta criar comitês e regras se elas não forem aplicadas.
Outro item muito criticado pelos pesquisadores refere-se à função social da empresa, o que é exigido pela nova lei. Em outras palavras, significa explicar o interesse coletivo que justifica a existência da empresa. “Muitas têm dificuldades para justificar essa função social”, diz Joelson Sampaio. É o caso da BB Seguridade, completa Holland, empresa que atua num ramo com alta concorrência.
Segundo o estudo, considerando os cinco pilares, as empresas que estão mais adequadas à lei são: Petrobrás, Banco do Brasil e Sanepar (empresa de saneamento do Paraná). Na outra ponta, as empresas com mais dificuldades são: Banco de Brasília (BRB), Telebrás e MGI Participações, de Minas Gerais. O BRB contesta o resultado e diz que se adequou a todas as regras. Telebrás e MGI não responderam.
- CENÁRIO
30 empresas com ações negociadas na B3 foram acompanhadas pelos pesquisadores da FGV no últimos mês, e todas apresentaram alguma inadequação em relação à nova lei
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Empresas menores terão mais problemas para se adequar
30/06/2018
Tribunais de contas dos Estados só vão começar a avaliar como será feita a fiscalização a partir de 1º de julho
O levantamento feito pela FGV analisou apenas as 30 empresas de capital aberto, mas o Brasil tem mais de 400 estatais sob controle da União, Estados e municípios. Segundo advogados e especialistas na área, o maior problema de adequação à lei está nas empresas menores, que nem sequer tinham um programa de compliance implementado.
“Ainda há dúvida se as estatais que têm menos projeção vão conseguir se adequar. Talvez elas precisem de um tempo ainda maior”, afirma o sócio de Infraestrutura do escritório Machado Meyer, Rafael Vanzella. Segundo ele, para as grandes companhias, adotar o padrão requerido pela legislação é mais fácil, embora não seja trivial. Para as companhias menores, no entanto, pode ser um grande problema.
A advogada Patricia Agra, sócia do L.O. Baptista Advogados, tem opinião semelhante. Na avaliação dela, será necessário fazer uma adaptação da lei à realidade de cada empresa. “A lei é clara e diz que ninguém pode ficar de fora, seja empresa de capital aberto ou fechado, grande ou pequena.” A tendência, diz Patrícia, é que o impacto dessa legislação seja muito maior numa empresa pequena, sem tradição nas regras de governança corporativa.
A dúvida que fica é se os órgãos de controle e os tribunais de contas vão fiscalizar as empresas para verificar a aplicação das regras. Procurados pela reportagem, vários tribunais de contas dos Estados afirmaram que apenas vão começar a avaliar o assunto a partir de 1.º de julho, prazo previsto para que todas as empresas estejam enquadradas na legislação.
No caso do Tribunal de Contas da União (TCU), o acompanhamento começou antes do término do prazo com o objetivo de garantir que as empresas implementem de forma efetiva e no tempo adequado os mecanismos de governança exigidos na lei. O Ministério do Planejamento também fez um amplo trabalho ao longo dos últimos dois anos para enquadrar as estatais, especialmente para ajudar as pequenas empresas nesse ajuste. “O mundo estatal não é só a grande empresa. Temos companhias pequenas que precisavam de nosso apoio”, afirma o secretário de Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Fernando Antonio Ribeiro Soares.
Ele afirma que os acompanhamentos feitos pelo ministério mostram melhora nos indicadores de adequação das empresas. Em novembro do ano passado, a nota média das estatais controladas pela União era de 4,8; esse número subiu para 6,98 em maio deste ano. “Fizemos uma auditoria nas empresas e mostramos no que elas deveriam melhorar e vimos um bom resultado nesse trabalho”, afirmou.
O secretário admite, no entanto, que nem tudo estará adequado às regras a partir de amanhã. Mas, aos poucos, isso vai ocorrer ao longo dos próximos meses. “A Lei das Estatais é uma mudança cultural muito grande. Mas podemos dizer que ela já pegou.”
- Ajuste
“Ainda há dúvida se as estatais que têm menos projeção vão conseguir se adequar. Talvez precisem de tempo ainda maior.”
Rafael Vanzella , ADVOGADO