O Estado de São Paulo, n. 45544, 28/06/2018. Internacional, p. A12

 

Poder de Trump cresce com tendência de Suprema Corte mais conservadora

28/06/2018

 

 

EUA. Aposentadoria de juiz moderado, um conservador que defendia direitos de homossexuais, deve favorecer presidente americano em causas importantes para sua base eleitoral, como questionamentos ao direito ao aborto e a garantia ao livre porte de armas no país

O juiz Anthony Kennedy, da Suprema Corte dos EUA, anunciou sua aposentadoria ontem, o que dá a oportunidade ao presidente Donald Trump de tornar mais conservador o principal tribunal do país. Kennedy, de 81 anos, era o mais moderado entre os cinco integrantes conservadores dos nove juízes da Corte. Ele era considerado um ponto de equilíbrio, pois acompanhava em algumas causas os magistrados liberais.

O novo cenário é favorável ao presidente nos futuros julgamentos de causas importantes para sua base eleitoral conservadora, como por exemplo os questionamentos ao direito ao aborto e o direito de portar armas livremente.

Durante três décadas, Kennedy foi um voto decisivo em uma corte polarizada. Apontado pelo presidente Ronald Reagan, republicano, Kennedy participou de votações em questões importantes, como aborto, direitos civis para homossexuais, armamento, financiamento de campanha e direito ao voto, variando sua inclinação de acordo com o tema.

Sem Kennedy, o tribunal ficará dividido entre quatro juízes liberais em questões comportamentais, nomeados por presidentes democratas, e quatro conservadores, nomeados por republicanos para os cargos vitalícios.

Em casos como aborto e direitos para homossexuais, Kennedy aliou-se aos colegas liberais, bem como em temas envolvendo raça, pena de morte e os direitos de detidos sem acusação em Guantánamo.

Kennedy foi o autor de todas as principais decisões sobre direitos para gays na corte, incluindo a de 2015 declarando que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um direito constitucional em todo o território americano. Ele é favorável à posse de armas no país.

Não havia sinais de que Kennedy preparava sua aposentadoria. Ele já havia contratado quatro advogados de sua cota para cumprir o calendário do tribunal, que começa em outubro. Em um comunicado, Kennedy informou ao presidente que fica no cargo até 31 de julho. Vários ex-advogados disseram que Kennedy prefere ser substituído por um republicano.

O controle do Senado está em jogo nas eleições de novembro e, caso os democratas conquistem maioria, Trump terá dificuldades para apontar um juiz de sua escolha na Casa.

Os republicanos mudaram as regras durante a confirmação de Neil Gorsuch – único indicado por Trump, que substituiu o conservador Antonin Scalia, morto em fevereiro de 2016 –, eliminando a principal tática de adiamento em votações da Casa, conhecida como “filibuster”, assim como a necessidade de 60 votos para derrotar uma indicação.

O líder da minoria democrata, senador Chuck Schumer, começou a pressionar para que o Senado espere para confirmar a substituição de Kennedy depois das eleições, lembrando que os republicanos assim o fizeram com a possível indicação do presidente Barack Obama em 2016 de um substituto de Scalia. A maioria republicana recusou-se a ouvir a indicação em ano eleitoral. Para os democratas, a tática dos adversários “roubou” o direito de Obama de preencher a vaga. Agora, pretendem alegar o mesmo.

A mudança ideológica causada pela saída de Kennedy pode deixar John Roberts Jr., presidente da Suprema Corte, com o voto decisivo.

Os outros juízes mais velhos do tribunal são Ruth Ginsburg, de 85 anos, e Stephen Breyer, de 79. Ambos são nomeações democratas e não dão sinais de deixar o cargo na administração de Trump. Durante o governo de Obama, houve especulações de que os dois poderiam renunciar para que ele pudesse indicar outros dois nomes liberais para substituí-los, o que não ocorreu.

Segundo jornais americanos, Trump já trabalhava com a possibilidade de Kennedy se aposentar. Segundo o website Axios, Trump também estaria contando com indicações para ocupar a vaga de Ruth, em razão de sua idade, e da juíza Sonia Sotomayor, de 63 anos, por causa de um problema de saúde: ela tem diabete tipo 1.

COMPOSIÇÃO

Conservador moderado, Kennedy às vezes votava com liberais

 

Linha dos juízes

Mais Conservadores

NOMEADOS POR REPUBLICANOS

Clarence Thomas

Neil M. Gorsuch

Samuel  A. Alito Jr.

John G. Roberts Jr.

Anthony  M. Kennedy -  anunciou  aposentadoria

 

Mais liberais

NOMEADOS POR DEMOCRATAS

Stephen G. Breyer

Elena Kagan

Ruth Bader Ginsburg

Sonia Sotomayor

 

PARA ENTENDER - Teste de fidelidade

A decisão do juiz da Suprema Corte americana Anthony Kennedy testará a fidelidade do Partido Republicano ao presidente americano. Com o fim da exigência de 60 votos para indicações à alta Corte, Donald Trump só precisa de 51 no Senado. E é exatamente o número de senadores que tem a maioria republicana.

Se o partido perder um único voto, o Senado ficará dividido entre 50-50 e o vice-presidente, Mike Pence, terá de dar o “voto de Minerva”. Se o partido perder dois votos, Trump não conseguirá confirmar sua indicação. Apesar de objeções às indicações serem raras, elas não são impossíveis. Se dois republicanos centristas considerarem a escolha de Trump inconveniente, o líder republicano, Mitch McConnell, terá um problema.

O próprio juiz Kennedy foi o terceiro nome de uma lista. Antes dele, o então presidente republicano, Ronald Reagan, havia preferido Robert Bork, que foi rejeitado pelo Senado. Sua segunda opção, Douglas Ginsburg, não chegou a ser levada a votação – notícias de que havia fumado maconha acabaram com suas chances de chegar à mais alta corte americana. Procurando uma opção segura, Reagan chegou a Kennedy, um professor californiano. Seu nome foi confirmado por 97 votos a 0 em fevereiro de 1988.