Correio braziliense, n. 20109, 12/06/2018. Política, p. 2

 

Da Papuda à Câmara, sem escalas

Renato Souza

12/06/2018

 

 

LEGISLATIVO » Condenado por fraude em licitação e cumprindo pena em regime semiaberto, deputado João Rodrigues retornou ao cargo. Por determinação da Justiça, ele deve trabalhar no Congresso até as 18h, e retornar para a cadeia após esse horário

O deputado João Rodrigues (PSD-SC), que cumpre pena em regime semiaberto por conta de uma condenação no TRF-4, por fraude em licitação, retornou ao mandato parlamentar na tarde de ontem. Ele foi beneficiado com uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Durante os 120 dias em que esteve na cadeia, Rodrigues dividiu cela com o ex-ministro José Dirceu e o ex-senador Luiz Estevão. Por determinação da Justiça, ele poderá trabalhar até as 18h e deve retornar ao local de reclusão após o horário.

Mesmo preso, o deputado integrou a comissão que discute mudanças no Código de Processo Penal (CPP). O nome dele só foi retirado do grupo que discute as mudanças na legislação criminal após determinação da juíza Leila Cury, titular da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP). Leila também negou um pedido para que ele voltasse a trabalhar na Câmara, pois, de acordo com ela, as atividades parlamentares não se enquadram nas possibilidades de trabalho externo, previsto na legislação para quem está preso.

Ao retomar aos trabalhos, João Rodrigues falou com a imprensa e disse que conversou sobre a situação do país com José Dirceu. “Eu não o conhecia antes de ser preso, nem mesmo o Luís Estevão. Embora eu tenha ideias totalmente opostas ao PT, quando você está preso conversa com quem estiver ali. Conversei com Dirceu sobre a legislação e falhas que podem ser corrigidas. Sempre têm alguns equívocos. Aliás, está tudo errado no país, a começar pelo que aprovamos aqui dentro (da Câmara)”, afirmou. Ao ser questionado, o deputado disse que se for inocentado, ou tiver o processo arquivado, pretende voltar à comissão.

Por determinação do ministro Barroso, o deputado, que estava no Bloco B da Ala 5 do Centro de Progressão Provisória (CDP), foi transferido de setor. Ele passou a ocupar o Bloco C do mesmo pavilhão, destinado para os detentos que saem para exercer atividades laborais durante o dia. O parlamentar afirmou que também chegou a ter contato com o ex-deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP). “Vi ele (sic) algumas vezes lá. Mas minha situação é completamente diferente da dele. Eu tenho provas, no papel, de que sou inocente. Se eu estivesse na situação dele, com uma vírgula comprovando que cometi crime, eu já teria renunciado ao mandato”, completou Rodrigues.

O ministro Barroso entendeu que, apesar de ter sido condenado a cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto, o parlamentar estava cumprindo pena em regime fechado. Na decisão, que foi tomada em caráter liminar (provisório), o magistrado vê “a plausabilidade do direito alegado, na medida em que há um condenado a regime inicial semiaberto que se encontra, atualmente, em regime fechado, regime diverso do estabelecido pela decisão condenatória”. Barroso determinou mudanças no cumprimento da pena e autorizou a volta do deputado ao cargo. O mérito da ação ainda deve ser avaliado pelo Supremo.

João Rodrigues alega que cumpria a mesma rotina dos demais detentos e diz que foi vítima de um erro na fase inicial do processo. “A minha rotina no CDP era a mesma do José Dirceu, do Luiz Estevão e dos demais. Quanto ao processo, houve um erro grave no início. O procurador que fez a denúncia afirma que a ação se baseia no relatório da Polícia Federal. Mas eu não fui citado no relatório, como pude ser indiciado?”, alegou.

Controvérsia

Em uma manifestação enviada a Roberto Barroso, a juíza Leila contestou as alegações da defesa do deputado João Rodrigues (PSD-SC), que levaram o magistrado a conceder a liminar que autorizou a volta do parlamentar à Câmara, mesmo com ele cumprindo pena por crime contra a administração pública. O ofício foi enviado pela magistrada na sexta-feira (08), um dia após a decisão de Barroso.

De acordo com Leila Cury, diferentemente do que foi informado pela defesa, o parlamentar não cumpria pena em regime fechado, e podia circular livremente pelo pátio, cantina e outros locais do centro de detenção, na Fazenda Papuda. Em recurso apresentado ao Supremo, os advogados do parlamentar afirmaram que ele foi alocado “em estabelecimento inadequado ao cumprimento da pena em regime semiaberto”.

A juíza destacou que o Bloco 5 do CDP é o único centro de cumprimento de pena apropriado para garantir a integridade física de João Rodrigues. “O apenado permaneceu alocado na Ala B do Bloco 5 do CDP, que, repita-se, tem natureza de colônia agrícola, porque lá é o único presídio destinado aos presos vulneráveis, sejam eles, provisórios, ou estejam cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto ainda sem benefício externo, valendo ressaltar que embora a situação processual individual seja levada em consideração para a alocação nas respectivas celas, em razão das situações de vulnerabilidade, exatamente como é do ora reclamante, prepondera a necessidade de garantia do resguardo de sua integridade física”, destaca.

Entenda o caso

Rodrigues ficou preso por três meses e duas semanas, após sofrer condenação pelo TRF-4, por fraude em licitação

Ele ficou em uma ala da Papuda destinada a políticos e presos vulneráveis. No mesmo local estão Dirceu e Luiz Estevão

O parlamentar é acusado de ter fraudado licitação para compra de retroescavadeira quando era prefeito de Pinhalzinho (SC)

Condenado em 2ª instância em 2009, Rodrigues foi nomeado para a comissão que discute mudanças na lei penal em 2015

Em 20 de abril deste ano, a liderança do PSD na Câmara dos Deputados decidiu retirar o parlamentar da comissã