O Estado de São Paulo, n. 45537, 21/06/2018. Política, p. A4

 

Supremo autoriza delação fechada por polícia federal

Rafael Moraes Moura e Teo Cury

21/06/2018

 

 

STF. Tribunal decide que delegados da PF e da Polícia Civil podem firmar acordos de colaboração premiada; só Fachin vota contra; resultado impõe derrota ao Ministério Público

 

O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 10 votos a 1, que delegados de polícia – tanto da Federal como da Civil – podem fechar acordos de delação premiada. Por maioria, os ministros também firmaram o entendimento de que não é obrigatório que o Ministério Público dê um aval à colaboração feita com a polícia. Nos dois casos, porém, caberá ao juiz a homologação ou não do acordo e a definição final dos possíveis benefícios aos delatores.

O resultado impõe uma derrota ao Ministério Público, que trava uma disputa nos bastidores com a Polícia Federal sobre o controle de investigações em curso no País, principalmente a Lava Jato. O pano de fundo é o modelo de acordo defendido pelas instituições – para a PF, é um meio de obtenção de prova para um fato pontual; já o MP entende que a delação é de natureza processual, como se o acordo fosse uma negociação na ação penal, em que o material oferecido pelo delator já teria de ser prova de suas declarações.

Pelo menos duas delações premiadas firmadas no âmbito policial – a de Marcos Valério Fernandes de Souza e a do marqueteiro Duda Mendonça – aguardavam o fim do julgamento, iniciado no ano passado, para serem homologadas ou não pelo STF. Os casos estão nas mãos, respectivamente, do decano da Corte, Celso de Mello, e do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin.

Também aguarda apreciação, mas na segunda instância judicial, a delação do ex-ministro Antonio Palocci, que foi fechada com a PF após o Ministério Público Federal não avançar nas negociações.

Em dezembro, o STF formou maioria a favor da legitimidade de a PF fechar esse tipo de acordo, mas o julgamento não foi concluído à época porque os ministros decidiram aguardar a composição completa da Corte. Na época, Gilmar Mendes estava cumprindo agenda no exterior e Ricardo Lewandowski estava de licença médica.

A ação, proposta pela Procuradoria-Geral da República, contestava a possibilidade de delegados firmarem os acordos de colaboração sob o argumento de que esse instrumento é uma atribuição do Ministério Público, uma vez que o órgão é o titular da ação penal e pode beneficiar os acusados. Os ministros do STF entenderam que o Ministério Público continua a ser ouvido como parte do processo quando a PF firmar o acordo, mas não cabe à instituição o aval para a delação.

Dos 11 ministros da Corte, apenas Fachin votou no sentido de que a polícia pode participar das negociações, mas não fechar o acordo. Para ele, “a orientação majoritária” do Supremo “dilui o instituto da colaboração e esgarça os poderes do Ministério Público”.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, o Ministério Público pode, eventualmente, divergir do acordo de colaboração premiada firmado pela polícia, mas a “palavra final” caberá ao juiz. “A polícia propõe, o Ministério Público opina e o juiz decide. O Ministério Público é uma parte ativa desse debate, só não dá a palavra final”, afirmou Barroso.

Acordos. Na prática, a decisão do Supremo vai destravar alguns acordos já fechados pela corporação e que aguardam decisão da Justiça. A PF não divulga quantas colaborações premiadas foram assinadas com delegados da corporação.

No caso de Duda Mendonça, a decisão permitirá, por exemplo, que ele preste depoimento no inquérito que apura o repasse de R$ 10 milhões para o MDB. A investigação foi aberta com base na delação de ex-executivos da Odebrecht.

Chamado para depor, o marqueteiro havia se negado a cooperar porque o seu acordo ainda não havia sido analisado por Fachin. A colaboração de Duda foi assinada com delegados da Superintendência da PF no Distrito Federal e está há um ano e dois meses com o ministro.

No passado, questionado sobre a homologação, Fachin afirmou que só tomaria uma decisão após a votação pelo plenário da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria cujo julgamento foi encerrado ontem.

Fechado com a PF em Curitiba, o acordo de Palocci aguarda homologação pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). A colaboração premiada do ex-ministro da Fazenda foi assinada em abril e aborda sua atuação como intermediário de repasses da Odebrecht para campanhas presidenciais do PT.

 

Sessão

Plenário do STF no julgamento sobre poder de delegados para negociar delação

 

JULGAMENTO

● Supremo decidiu ontem que delegados de polícia podem fechar acordos de colaboração premiada

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. O que o STF decidiu ontem?

Os ministros decidiram que a polícia pode fechar delação, sem aval da Procuradoria-Geral da República. Um dos argumentos é o de que o Ministério Público pode divergir do acordo feito pela polícia, mas cabe ao juiz analisar o caso. Ação da Procuradoria na Corte questionava essa possibilidade.

 

2. Qual é o posicionamento do Ministério Público Federal?

Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o Ministério Público tem “titularidade plena” para fazer o acordo. Já a polícia pode, eventualmente, receber propostas de colaboração, “mas não tem aptidão para sua conclusão”.

 

3. Quais as divergências entre PF e Ministério Público?

Para os policiais, é o juiz quem deve definir penas e multas, cabendo ao investigador apenas sugerir que a colaboração foi efetiva e eficaz e que o delator merece benefícios. O MPF defende o modelo no qual, ao assinar o acordo, o delator pactua com a Procuradoria qual será a multa, a pena e os benefícios por sua colaboração.

 

4. A polícia já fechou acordos?

Sim. Acordos de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci, do marqueteiro Duda Mendonça e do ex-empresário Marcos Valério foram firmados com a polícia e aguardam a homologação por um juiz.

 

Placar

10 x 1

A FAVOR DA PF

● Dos 11 ministros do STF, apenas o relator da Lava Jato, Edson Fachin, votou contra a possibilidade de a polícia fechar delação

 

ACORDOS PENDENTES

Antonio Palocci

Ex-ministro

Procurou a PF após sua negociação com o MPF não avançar

 

Duda Mendonça

Marqueteiro

Caso provocou STF a decidir se delegados podem firmar acordo

 

Marcos Valério

Ex-empresário

Operador do mensalão  fechou delação com a Polícia Federal

 

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Procurador afirma que ‘quem ganha é o criminoso’

21/06/2018

 

 

O procurador regional da República em Brasília Vladimir Aras, especialista no combate a crimes financeiros, disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal, de estender à Polícia Federal a prerrogativa de firmar acordos de colaboração premiada, é um “desarranjo no sistema acusatório” que vai beneficiar o “criminoso”.

“Quem ganha não é o interesse público, mas o eventual criminoso que queira ser colaborador: poderá obter mais por menos”, disse Aras, ex-secretário de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria-Geral da República. Para ele, a decisão “criou o dilema do carcereiro, por oposição ao dilema do prisioneiro”. “Agora, os potenciais colaboradores podem barganhar suas posições sigilosamente com negociadores da polícia ou do Ministério Público, separadamente, simultaneamente ou um após o outro, para obter o maior benefício no acordo a ser firmado, pagando um menor preço.”

Os delegados da PF, por sua vez, consideram que a decisão do STF – por placar de 10 votos a 1 pelo acordo de delação com investigados sem necessidade de aval do Ministério Público Federal – fez prevalecer “a aplicação técnica do Direito”.

“Não haveria porque retirar da PF um dos mais importantes instrumentos de investigação, expressamente previsto pelo legislador”, disse o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva.