O Estado de São Paulo, n. 45540, 24/06/2018. Política, p. A4

 

Carta denuncia regalias em presídio da Lava Jato

Ricardo Brandt

24/06/2018

 

 

O Ministério Público Federal e a Polícia Federal investigam um esquema de privilégios a presos da Operação Lava Jato no Complexo Médico-Penal (CMP), em Curitiba. As suspeitas são que um seleto grupo – formado por políticos, ex-executivos e lobistas – teria acesso a aparelhos de telefone celular, internet, visitas íntimas, comida exclusiva, serviços de cozinheiro, segurança e zelador particulares. Além de usarem “laranjas” em cursos e trabalhos que servem para redução dos dias de cárcere.

Uma carta de 47 páginas, escrita à mão de dentro do complexo penal e entregue à Justiça e à força-tarefa da Lava Jato, reativou, no início deste ano, uma apuração aberta em 2016 sobre um suposto “regime especial” paralelo na ala 6 da unidade, desde a chegada “dos Lava Jato” – como este grupo é chamado pelos demais presos. Ao todo, a carta enumera 27 “fatos” – supostas ilegalidades ou infrações disciplinares – que beneficiariam o grupo.

Outros centros prisionais já apuraram casos de regalias envolvendo políticos presos. Em Brasília, uma ação da polícia no domingo passado apontou benefícios ao ex-senador Luiz Estevão, no presídio da Papuda. No início do ano, o ex-governador Sérgio Cabral foi retirado do presídio de Benfica, no Rio, por ter acesso a comidas especiais e sala de cinema, entre outros privilégios. Cabral e Estevão negam.

Antigo Manicômio Judiciário do Paraná, o Complexo Médico-Penal – batizado assim desde 1993 – é um presídio localizado em Pinhais, sem muralhas. Visto por fora, foge ao padrão visual das unidades de encarceramento do Brasil. Com capacidade para 659 presos, a unidade abriga hoje cerca de 730.

A unidade passou a abrigar os detentos da Lava Jato em 2015, após a carceragem da PF se tornar pequena para o crescente número de detidos nas operações. Atualmente, são 52.

Divididos em dez celas da galeria 6, atualmente 12 presos condenados pelo juiz federal Sérgio Moro estão no CMP. Entre eles, o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ), o ex-deputado petista André Vargas, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-assessor parlamentar do PP João Cláudio Genu – os dois últimos chegaram na quarta-feira passada, após confirmação de suas condenações em segunda instância.

Vargas é suspeito de ser o líder do grupo, com poderes de mando dentro do CMP (mais informações na pág. A6). Nem os procuradores nem a PF comentam as investigações em andamento. Em 2016, um procedimento foi aberto após denúncia de uso de celular e destruição de provas pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht. Por isso, ele teria sido transferido em fevereiro daquele ano de volta para a carceragem da PF.

Vistoria em agosto de 2016 chegou a localizar um carregador de celular na cela 602, que era ocupada entre outros pelo ex-ministro José Dirceu, mas o aparelho não foi localizado. A carta que denuncia regalias diz que presos da Lava Jato “usam celular à vontade” no complexo.

A força-tarefa apura também a “permissão” de visitas íntimas – no CMP, é proibido – para “os Lava Jato”. “Não tem dia, nem hora exata, qualquer dia e qualquer hora pode ser o momento, sempre no horário de expediente, e não necessariamente toda semana”, relata a carta. Além de encontros com as “esposas”, o documento cita a presença de “garotas de programa disfarçadas de advogadas”.

O diretor do Departamento Penitenciário do Paraná, Francisco Caricatti, afirmou que não foi comunicado sobre as investigações, nem tem conhecimento de supostas regalias no CMP.

O Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen) informou que “desconhece qualquer denúncia contra agentes penitenciários, que supostamente estariam favorecendo presos da Lava Jato”.

A defesa de Vargas disse que desconhece eventuais benefícios ao ex-deputado. Já a defesa de Marcelo Odebrecht informou, por meio da assessoria de imprensa, que não vai se manifestar sobre o assunto. A defesa de Dirceu não respondeu até a conclusão desta edição.

 

PARANÁ

● Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, recebe presos da Lava Jato; os detidos na operação ficam nas Galerias 5 e 6 do presídio

 

A ‘ala da Lava Jato’

O que é permitido

1 televisor 20 polegadas 1 rádio AM/FM

4 cuecas (preso lava na pia da cela)

4 pares de meia (preso lava)

2 visitas de parentes por vez cadastrados

Advogado pode falar a qualquer hora e dia, pelo parlatório

 

O que não é permitido

Visitas íntimas

Bebidas alcoólicas

Fumar

Celular

Comida perecível

Excesso de comida

 

Suspeita de irregularidades

Uso de celulares e computadores

Visita íntima

Acesso a comidas especiais

Uso de ‘laranja’ para fazer cursos e trabalhos para reduzir pena

Horários especiais de banho de sol e acesso aos corredores

Compra de serviços de segurança particular e cozinheiro

 

Alguns dos presos no Complexo

Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobrás

Jorge Zelada, ex-diretor da Petrobrás

Eduardo Cunha (MDB), ex-presidente da Câmara

João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT

Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT

André Vargas, ex-deputado (ex-PT)