Título: Índia entra no clube
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2012, Mundo, p. 16

O seleto grupo das potências com poderio militar de longo alcance acaba de ganhar mais um integrante. Sob comemorações e declarações ufanistas, os indianos lançaram com sucesso um míssil intercontinental capaz de levar ogivas nucleares a uma distância de até 5 mil quilômetros. O teste acendeu a luz amarela do governo chinês, até então líder militar incontestado na Ásia, com quem a Índia protagonizou conflitos territoriais nos anos 1960. Especialistas alertam para o risco de uma nova etapa na corrida armamentista regional, com repercussões no Paquistão e no Irã.

O míssil Agni V foi lançado às 8h05 (00h35 de Brasília) de uma base marítima próxima ao estado de Odisha, no sudeste da Índia. A operação, explicitamente com fins bélicos, gerou muito menos alarme na comunidade internacional do que o anúncio norte-coreano de semanas atrás — quando Pyongyang afirmou que colocaria um satélite científico em órbita. O míssil Agni V pode atingir alvos nas cidades chinesas de Pequim e Xangai, até então fora de alcance dos projéteis indianos. Com ele, Nova Délhi equiparou-se com as cinco potências nucleares oficiais — EUA, Reino Unido, França, Rússia e China.

Pouco depois do lançamento, o ministro indiano da Defesa, A. Kurien Antony, elogiou o "impecável sucesso", que classificou como "um avanço maiúsculo no programa de mísseis da Índia". O chefe da agência que desenvolve a tecnologia militar do país, V. K. Saraswat, também ressaltou o "fato histórico". "Somos atualmente uma potência dotada de mísseis sem igual na maior parte dos países", disse à rede de tevê NCTV. A Índia ocupa o primeiro lugar global na compra de armas, seguida da China.

É justamente essa rivalidade que preocupa governos e observadores internacionais. Os dois vizinhos travaram uma breve guerra, em 1962, numa disputa territorial que continua pendente. "Estrategicamente, a Índia vê a China como a principal ameaça. Há essa questão de fronteira mal resolvida, e isso faz com que os indianos se preocupem com os avanços bélicos do país vizinho", disse ao Correio Paul Kapur, observador do Centro para a Segurança Internacional da Universidade de Stanford.

A Organização de Pesquisa e Desenvolvimento em Defesa (DRDO, em inglês), entidade que criou a tecnologia do míssil, ressaltou que o programa bélico busca fins "puramente defensivos". O míssil tem "um efeito dissuasivo e não foi desenvolvido contra nenhum país em particular", garantiu Ravi Gupta, porta-voz da DRDO. A China não se pronunciou sobre o teste. "Não creio que possa haver um conflito imediato, porque os dois países mantêm importantes relações comerciais", opina Kapur, especialista em conflitos do sul da Ásia. "Mas os indianos, definitivamente, querem mostrar sua habilidade de atingir alvos distantes."

Instabilidade

A corrida armamentista indiana, porém, não se limita ao vizinho do Oriente. Na fronteira ocidental está o Paquistão, rival em três guerras desde 1947. Analistas acreditam que, contando com mísseis capazes de atingir praticamente toda a China, o governo de Nova Délhi reposicione projéteis de menor alcance. "O Agni V pode alcançar alvos no coração da China, liberando mísseis de menor potência para uso contra o Paquistão", destacou Poornima Subramaniam, do Centro de Análises sobre Defesa IHS Jane.

O professor Paul Kapur, da Universidade de Stanford, vê ainda mais risco. "A segurança interna no território paquistanês não é muito boa. Há grupos extremistas que poderiam agir por conta própria e desencadear um conflito, colocando a Índia em uma posição política difícil", explica. O desenvolvimento bélico do lado paquistanês poderia, por sua vez, colocar sob pressão o Irã. Já ao alcance de mísseis nucleares israelenses, o regime islâmico poderia sentir-se tentado a fazer alguma demonstração, o que colocaria em alerta todo o Oriente Médio — e o Ocidente.

É um avanço maiúsculo no programa de mísseis da Índia"

A. Kurien Antony, ministro indiano da Defesa