Título: Lei seca com pena de 11 anos de prisão
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2012, Cidades, p. 21

A impunidade para o motorista acusado de cometer crime por dirigir alcoolizado tem chance de chegar ao fim com a reforma do Código Penal. A comissão de juristas criada pelo Senado para discutir as atualizações na lei modificou a redação do artigo do Código de Trânsito Brasileiro que trata dos delitos na direção de um veículo. Entre as mudanças está o aumento da pena para 11 anos nos casos de homicídio culposo (sem intenção de matar) quando o condutor estiver embriagado ou disputando racha, além da exclusão do índice de álcool no organismo para configurar crime.

Especialistas ouvidos pelo Correio, acreditam que, se a proposta passar, as brechas da lei seca desaparecerão. Caso seja aprovado pelo Congresso Nacional, o texto passa a ser o seguinte: ao dirigir veículo sob a influência de álcool na via pública, expondo a dano potencial a segurança viária, a pena prevista será de um a três anos. "Dessa forma, a lei oferece uma segurança maior. Se o motorista dirigir em ziguezague, acima da velocidade, subir na calçada e mudar inadvertidamente de faixa de direção, estará cometendo o crime", explica o relator-geral da comissão de juristas, o procurador regional da República, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

A proposta do grupo criado em agosto de 2011 prevê mais provas para atestar a condução criminosa do veículo. Sugere, por exemplo, que sejam usadas todas aquelas admitidas em direito: vídeo, palavra do agente ou do policial de trânsito, testemunho de um outro condutor etc. Nenhuma delas depende do suspeito de conduzir o carro alcoolizado. O bafômetro ou o exame de sangue deixariam, por exemplo, de ser instrumentos da dita autoincriminação e passariam a ser uma contraprova usada a favor do motorista.

Um outro anseio da sociedade e de parte do Judiciário também está atendido na proposta da comissão de juristas. A pena para quem mata no trânsito dirigindo alcoolizado ou disputando racha, por exemplo, pode chegar a 11 anos, sem que delegados e promotores usem o argumento de dolo eventual — quando não teve a intenção, mas assumiu o risco. Para esses casos, o delito continua sendo homicídio culposo (sem intenção de matar) no trânsito. Porém, os juristas criaram a figura jurídica da "culpa gravíssima" para esses casos e definiram que o condutor age em concurso material. Além de a punição ser maior nesse tipo de situação, ela deve ser somada ao crime de dirigir alcoolizado. Ou seja, atualmente a pena para homicídio no tráfego é de dois a quatro anos, mas passaria a ser de quatro a oito anos. Somada a punição por dirigir embriagado, tem chance de chegar aos 11 anos.

Na opinião de Luiz Carlos Gonçalves, a definição da pena é emblemática, por ser um meio-termo entre o homicídio simples (seis a 20 anos) e o qualificado (12 a 30 anos). "Fiquei contente com o resultado. Acho que o professor Luiz Flávio Gomes (jurista membro da comissão) foi muito feliz ao propor a redação do crime vinculada a expor a dano potencial a segurança viária, porque criou um parâmetro objetivo de avaliação e que independe da vontade do condutor. Esse caminho mais severo é o adequado para trilharmos", defende.

Fim das brechas

As mudanças propostas pelo grupo criado pelo Senado serão entregues aos parlamentares no fim de maio. Para vigorar, depende da aprovação do Congresso Nacional (leia arte). No começo do mês, a Câmara dos Deputados teve a chance de endurecer a punição para o condutor que comete o crime de dirigir alcoolizado, mas não o fez ao manter o índice de alcoolemia e, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, ele pode ser aferido apenas pelo exame de sangue ou de bafômetro, respectivamente.

O caminho até a aprovação da proposta da comissão de juristas é longo. "Se de fato passar, essas alterações põem fim às polêmicas, pois ampliam as provas e acabam com o índice para configurar crime", diz o advogado criminalista Jair Jaloreto. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF, o também criminalista Délio Lins e Silva Junior acredita que, em princípio, a nova redação resolve o impasse. "Não tem índice a ser medido. A punição criminal fica condicionada ao fato de o motorista oferecer dano potencial e perigo à sociedade. Aí, existe perigo concreto a ser punido, e a prova pode ser feita por outros meios que não o bafômetro ou o exame de sangue", explica.

Colaborou Ariadne Sakkis

NO MUNDO

O Brasil está entre os 20 países mais rigorosos entre os 92 pesquisados pelo International Center For Alcohol Policies, instituição sediada nos Estados Unidos que pesquisa os efeitos da bebida

América do Sul

» Entrou em vigor ontem no Chile a redução do nível de concentração de álcool tolerada. De 5 decigramas de álcool por litro de sangue, o limite baixou para 3 dg/l. O desrespeito será punido com detenção.

» A Colômbia não aceita qualquer combinação entre álcool e condução. É o mais rigoroso do continente.

Europa

» Na Noruega, primeiro país do mundo a legislar sobre o assunto, o limite é de 2 dg/l. Se flagrado com concentração de álcool superior a essa, o motorista perde a carteira por um ano, além de ser preso por no mínimo três semanas. O país ainda prevê multas proporcionais à renda do infrator.

» Na França, o condutor pode ter até 10 decigramas de álcool por litro de sangue. O motorista que se recusa a soprar o etilômetro fica obrigado a realizar o exame de sangue.

» No Reino Unido, o limite de concentração é quase três vezes maior do que o brasileiro. Lá, pode-se ter até 16dg/l para dirigir. Mas, se o motorista se recusar a usar o bafômetro, as autoridades podem exigir teste de sangue ou de urina. Se ele não cooperar, é preso por até seis meses, perde o direito de dirigir por um ano e paga multa de 5 mil libras (quase R$ 16 mil).