Correio braziliense, n. 20157, 30/06/2018. Política, p. 4

 

Fake news ameaçam vacinação

Otávio Augusto

30/07/2018

 

 

POLÍTICAS PÚBLICAS » Notícias falsas não trazem riscos apenas ao processo eleitoral. Boatos sobre processo de imunização de crianças atingem redes sociais. Entidades civis se reúnem para alertar sobre o risco de reintrodução da poliomielite e do sarampo no país

“A vacina é mortal.” “Essas doses já mataram milhares.” “Não vacine seus filhos. É um risco.” Frases como essas são amplamente compartilhadas nas redes sociais e aplicativos de mensagem como o WhatsApp. Ataques à vacina têm se tornado problema de saúde pública e preocupado especialistas. Nas redes sociais, o Correio localizou grupos que somam quase 15 mil pessoas nos quais grassam as fake news, as notícias falsas. Comumente, são informações infundadas, mentirosas e apelativas. Para combater os baixos níveis de cobertura, o Ministério da Saúde estuda ampliar o Programa Saúde na Escola, fortalecendo a vacinação nas escolas.

Na última semana, as Sociedades Brasileiras de Pediatria (SBP), de Imunizações (SBIm) e Infectologia (SBI), em parceria com o Rotary Internacional sob o apoio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), assinaram conjuntamente um manifesto que alerta para o risco de reintrodução da poliomielite e do sarampo no Brasil. “Diante do quadro atual, há necessidade da união de esforços de todos para a manutenção do país livre dessas doenças. As coberturas vacinais ainda são heterogêneas no Brasil, podendo levar à formação de bolsões de pessoas não vacinadas”, destaca o documento.

Atualmente, o Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde contempla 19 vacinas, que são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a toda a população. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é categórica: a vacinação é a segunda maior conquista da saúde pública. Fica atrás somente do consumo de água potável. No entanto, o sucesso das ações de imunização — que teve como resultado a eliminação da poliomielite, do sarampo, da rubéola e da síndrome da rubéola congênita — têm causado em parte da população e — até mesmo em alguns profissionais de saúde — a falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar. Um erro.

O Ministério da Saúde garante que faz sua parte. O órgão estuda fortalecer a parceria com o Ministério da Educação para ampliar o Programa Saúde na Escola, que realiza o fortalecimento das ações de promoção, prevenção e atenção à saúde. A ideia é incrementar as ações de vacinação nas salas de aula. “Atuamos fortemente na disseminação de informações sobre vacinação em nossos meios de comunicação, seja por campanhas publicitárias, por meio de entrevistas de especialistas”, adianta, em nota, sem revelar os detalhes.

Insuficiência

De nove vacinas prioritárias do calendário infantil, nenhuma atingiu a meta de 95% de imunização no ano passado. A maior parte delas ficou, em média, na casa dos 70%. As vacinas que protegem contra o sarampo tiveram queda. A tríplice viral passou de 96% de cobertura da população em 2015, para 83,87% no ano passado. A tetra viral saiu de 77,37% para 70,6% no mesmo período. O mesmo aconteceu com a tetra viral, poliomielite, BCG, Rotavírus humano, Meningocócica C, Pentavalente e Pneumocócica.

Para melhorar os índices, uma campanha nacional de vacinação será realizada entre 6 e 31 de agosto. Em 18 de agosto, um sábado, postos de saúde em todo o Brasil estarão abertos para imunizar quem não recebeu doses da vacina. A apresentadora Xuxa Meneghel será madrinha da campanha. “Esse papo de ‘não precisa vacinar’ não’ é mentira. Quem está falando isso é mentiroso. Tem que vacinar, sim. Se você ama o seu baixinho, se você ama a sua baixinha, vamos vacinar”, reforça a apresentadora no vídeo institucional que ainda será lançado.

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Para especialistas, falta punição

30/07/2018

 

 

Para repreender pais que deixam de levar os filhos para vacinar, especialistas e entidades defendem um enfrentamento mais eficaz e agressivo. “É raro vermos o médico ou a escola denunciar uma família que não vacinou a criança. É um direito da criança e do adolescente. Só não deve ser feita quando há uma contraindicação. É um desleixo que deve ser combatido com educação e conscientização. Quando temos um surto, todo mundo se vacina. Mas quando falamos da importância, nem todo mundo presta a atenção”, argumenta Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Movimentos antivacinas se ancoram nas possíveis reações colaterais, na “eficácia não comprovada” e no que chamam de influência negativa da indústria farmacêutica. As vacinas estimulam o sistema imunológico a produzir uma resposta a agentes estranhos, como vírus e bactérias. São feitas com antígenos, vírus e bactérias inativos ou atenuados que, em contato com o organismo, desencadeiam uma resposta imune: a proteção.

A coordenadora da Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará, Daniele Queiroz, é categórica. Cada vez está mais difícil atingir metas de campanhas. “A cada ano, a vacinação de gripe está ampliando a faixa etária alvo porque não atingiu a meta. As pessoas acreditam muito no que leem nas redes sociais. Nossa obrigação é ventilar as informações dos benefícios da vacinação. Esse momento tem se desenhado há alguns anos, mas nunca foi tão difícil imunizar. Temos que resgatar o poder social que a vacina tem. É um momento crítico, mas de mudança”, afirma.

Em Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Saúde mantém uma rede de 28 polos de disseminação de informação. Foi a forma encontrada para combater notícias mentirosas. “Produzimos conteúdos para rebater essa notícia pelo mesmo canal. Se é na rede social, por lá mandamos o nosso recado. Se é no aplicativo de mensagem, lá colocamos nosso conteúdo. Faz parte da nossa função começar a pensar em políticas para se adequar à realidade da população. Os grupos que disseminam esse tipo de material no Brasil são poucos, mas eles existem”, explica a coordenadora de Imunização, Eva Lídia Medeiros

Para ela, a vacina é vítima de sua eficácia. “O sucesso da erradicação e controle de várias doenças. Os pais estão procurando menos a sala de vacina por não ver a circulação delas. Não sabem como é o terror de uma morte por coqueluche ou as sequelas da pólio”, conclui.

Desleixo

O Ministério da Saúde admite que, em alguns casos, as vacinas podem levar a eventos adversos, assim como ocorre com os medicamentos, mas são infinitamente menores que os malefícios trazidos pelas doenças. “As vacinas são seguras e passam por um rígido processo de validação”, explica o órgão, em nota.

Pedro Luiz Tauil, especialista em medicina tropical e controle de doenças da Universidade de Brasília (UnB), classifica como “loucura” recusar o benefício das vacinas. “Antigamente não havia vacina. Agora, no momento em que temos vacinas, precisamos usá-las. Elas só são aprovadas e liberadas para uso após demonstrarem altíssima eficácia e segurança. É tolice acreditar em outra coisa que não isso. Tudo que esses grupos disseminam não tem comprovação científica”, destaca.

PROTEÇÃO

20 milhões

Total de mortes que foram evitadas no planeta por conta de vacinas, segundo a Organização Mundial da Saúde.

19

Total de vacinas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde na rede pública