O Estado de São Paulo, n. 45531, 15/06/2018. Política, p. A4

 

Supremo proíbe que investigados sejam levados à força para depor

15/06/2018

 

 

Judiciário. Em decisão apertada, por 6 votos a 5, plenário da Corte decide vetar um instrumento largamente utilizado pela Lava Jato; ação foi ajuizada no STF por PT e OAB

O Supremo Tribunal Federal proibiu ontem, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios com o argumento de que pode haver violação de direitos previstos na Constituição – como o de ir e vir, de ficar em silêncio e o de não se incriminar. A medida, prevista no Código de Processo Penal em vigor desde 3 de outubro de 1941, era um dos instrumentos largamente usados pela Operação Lava Jato, mas criticada por advogados criminalistas.

A discussão no plenário da Corte girou em torno de duas ações, apresentadas pelo PT e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contestavam a condução à força de investigados para a realização de interrogatórios. A ação do PT foi ajuizada em abril de 2016, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente condenado e preso pela Lava Jato, ter sido levado coercitivamente para depor na Polícia Federal.

O procedimento vinha sendo utilizado em investigações da PF até o fim do ano passado, quando foi vetado pelo ministro Gilmar Mendes em decisão liminar (provisória). Depois do veto, as prisões temporárias cumpridas pela PF cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme revelou o Estado no mês passado.

O julgamento, iniciado em 7 de junho, se estendeu por três sessões plenárias do STF. O tema dividiu a Corte. Acompanharam o entendimento de Gilmar os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Rosa Weber e Dias Toffoli. Pela legalidade da condução coercitiva se manifestaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin (relator da Lava Jato no Supremo), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente do STF, Cármen Lúcia.

Com o placar apertado (6 a 5), a decisão de ontem evidenciou mais uma vez o racha na Corte, que recentemente já registrou divisão em outras matérias de natureza penal – como a negativa ao habeas corpus proposto pela defesa de Lula e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

“A condução coercitiva é um ato gravoso, que solapa o perfil do conduzido. É um ato que cerceia a liberdade de ir e vir do cidadão, que fragiliza o homem no que alcança e coloca em dúvida o próprio caráter, e visa ao interrogatório, que se realizará em termos de perguntas, mas não necessariamente de respostas”, criticou Marco Aurélio. “Devemos abandonar o calor das emoções. Em época de crise, como a vivenciada no Brasil atualmente, devemos até mesmo ser ortodoxos na interpretação do arcabouço normativo legal.”

Para Lewandowski, a condução coercitiva cria um “estado psicológico no qual o direito ao silêncio se torna dificultado”. Ele ressaltou em seu voto que a jurisprudência “garantista” (com posições mais favoráveis aos réus) da Corte não é “nenhuma novidade” e que sempre foi construída a partir de casos de “pessoas pobres, desempregadas, subempregadas e de pequeno poder aquisitivo”.

Foi uma resposta às colocações de Fachin e Barroso, que criticaram o tratamento desigual no sistema de justiça brasileiro, que puniria poderosos com menos rigor. “Voltar-se contra as conduções coercitivas sem prévia intimação, sem presença de advogado, nada tem a ver com a proteção de investigados ricos”, disse o ministro.

Celso de Mello, por sua vez, defendeu as garantias constitucionais dos investigados e ressaltou o direito ao silêncio e da não autoincriminação. “Se revela inadmissível sob a perspectiva constitucional a condução coercitiva do investigado, do suspeito ou do réu”, afirmou o decano.

Para Toffoli, que assumirá a presidência do STF em setembro, “nenhum juiz no Brasil tem poder geral de cautela em matéria de atingir a liberdade de ir e vir de ninguém”. Ele disse que a Corte deve “zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir e a garantia do contraditório, da ampla defesa e a garantia da não autoincriminação”.

Divergência. Para Cármen Lúcia, que votou por manter a condução, “todo e qualquer abuso é inaceitável, mas para os excessos, há meios jurídicos adequados”. “Abusos praticados em investigação têm de ser resolvidos nos termos da lei, mas não aniquilam o próprio instituto ( da condução coercitiva)”, ressaltou a ministra, que criticou a “espetacularização de práticas”, considerado por ela um “mal gravíssimo que precisa ser impedido”.

‘Tempos estranhos’. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reagiu em sua conta no Twitter à decisão do STF. “Pois é. A prisão preventiva deve ser melhor. Tempos estranhos”, escreveu o ex-chefe do MPF.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Paiva, considera que a condução coercitiva “é um instrumento jurídico menos gravoso” e a decisão da Corte pode aumentar pedidos de prisão temporária. “A decisão do STF estabelece um parâmetro que pode refletir diretamente no aumento dos pedidos de prisão temporária, como forma de evitar riscos à investigação criminal.”

Para a advogada criminalista Sylvia Urquiza, o processo penal tem regras claras. “A condução coercitiva só é autorizada pelas regras se a prévia e regular intimação de testemunhas e peritos não for obedecida por três vezes.”

 

Placar apertado

A presidente do STF, Cármen Lúcia, e os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello durante a sessão

 

Odebrecht

A PGR pediu mais 60 dias para investigação contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, acusados de favorecer a empresa em troca de doações ilícitas.

 

COMO FOI A VOTAÇÃO

PLACAR

6 x5

CONTRA: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello

A FAVOR: Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Alexandre de Moraes

 

O QUE FOI DECIDIDO

• Liminar

O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, havia proibido, em dezembro de 2017, a condução coercitiva por meio de liminar (decisão provisória).

 

• Proibição mantida

O Supremo decidiu, por maioria, que condução coercitiva de investigado para interrogatório viola a Constituição. A medida era prevista no Código de Processo Penal, de outubro de 1941.

 

• Divergências

Os ministros contrários à condução argumentaram que a medida trazia perda de garantias individuais aos investigados. Já os favoráveis alegaram que a condução é constitucional e havia produzido resultados eficientes em processos criminais.

 

PARA LEMBRAR

Temporárias cresceram 32%

Reportagem do Estado publicada em maio mostrou que as prisões temporárias cumpridas pela Polícia Federal cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018. A alta ocorreu após a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes suspender, em dezembro de 2017, condução coercitivas de investigados. De janeiro a abril, foram cumpridas 195 prisões temporárias, ante 148 nos primeiros quatro meses de 2017. O Estado já havia relatado que o número de conduções aumentaram 300% após o início da Operação Lava Jato.