Título: Cachoeira teria comprado sentença
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 24/04/2012, Política, p. 4

Uma quebra de sigilo bancário e telefônico autorizada pela Justiça serviu como prova em investigação de suposta compra de sentença pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, quatro anos antes da deflagração da Operação Monte Carlo. O Tribunal de Justiça (TJ) de Goiás tem conhecimento do modus operandi do bicheiro desde a primeira oferta de denúncia pelo Ministério Público (MP) de Goiás, em 2005. O MP voltou a acionar o TJ sobre a suposta venda de sentença envolvendo um magistrado do órgão, em benefício a Cachoeira, no ano de 2008.

Naquela ocasião, a denúncia incluiu extratos de ligações telefônicas, laudo de exame pericial dos diálogos, comprovantes de saques, depósitos nas contas bancárias dos envolvidos e cópias de cheques. A denúncia foi aceita somente no ano passado, por unanimidade, na Corte Especial do TJ de Goiás. Após o escândalo envolvendo Cachoeira, a ação finalmente entrará na pauta do colegiado: será apreciada amanhã pelos desembargadores.

Cachoeira é suspeito de ter pago R$ 95 mil ao juiz titular da 3ª Vara da Fazenda Pública de Goiás, Avenir Passo de Oliveira, por intermédio de um procurador de Justiça aposentado. Em junho de 2002, Avenir deu decisão favorável à Gerplan — Gerenciamento e Planejamento, empresa constituída por Cachoeira para tentar a exploração legal de jogos de azar. O MP queria o fim da exploração legal da jogatina pelo Estado de Goiás e pela Gerplan, o que foi negado pelo magistrado. "Juiz não empata. Julguei a ação civil improcedente, mas não sabia que a Gerplan pertencia a Cachoeira. Nunca o vi pessoalmente", diz Avenir ao Correio.

Lavanderia financeira Na denúncia proposta ao TJ, em que pede investigação de Avenir, Cachoeira e do procurador, o MP sustenta que o juiz recebeu os R$ 95 mil para dar a sentença favorável. Cachoeira e o procurador teriam se encontrado num "laboratório em Anápolis", conforme a denúncia. Houve entrega de dinheiro — US$ 46 mil, trocados depois por R$ 126 mil — e de um cheque no mesmo valor, como garantia de pagamento, aponta a denúncia. Cachoeira teria resgatado o cheque posteriormente.

A suspeita de compra de sentença, detectada bem antes da Operação Monte Carlo, soma-se a três fortes indícios de atuação do grupo de Cachoeira no Judiciário goiano. A Polícia Federal (PF) encontrou na casa de Gleyb Ferreira da Cruz, um dos principais assessores de Cachoeira, um computador em que "emails indicam a atuação de Gleyb junto a servidores da Justiça estadual no intuito de beneficiar a empresa Vitapan".

A Vitapan Indústria Farmacêutica está no nome de laranjas e pertence de fato ao bicheiro, que usou a empresa para lavar o dinheiro da jogatina, segundo a PF. "São mais ou menos 15 mil mensagens para serem analisadas", cita o relatório da PF referente ao mandado de busca e apreensão na casa de Gleyb. O Correio já mostrou que documentos sigilosos da Justiça de Goiás foram encontrados na casa do araponga Idalberto Martins de Araújo, o Dadá, e que o vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Goiás, Júlio César Cardoso de Brito, fez lobby para uma empresa do grupo.

O TJ goiano confirmou ao Correio que a denúncia sobre a suposta compra de sentença foi recebida pela Corte Especial. "No decorrer da ação houve um incidente processual e a matéria terá de ser submetida novamente à Corte Especial, pois envolve um magistrado." O juiz Avenir Passos afirma que o TJ, na sessão de amanhã, não analisará o teor da denúncia, mas apenas o "procedimento" da ação. "As quebras dos sigilos telefônico e bancário não apontaram qualquer indício de recebimento de dinheiro. Não há nenhum contato meu com Cachoeira." Segundo Avenir, não foi detectada movimentação suspeita em sua conta bancária.