Valor econômico, v. 19, n. 4499, 09/05/2018. Política, p. A6.

 

Barbosa desiste de participar da eleição

Raymundo Costa

09/05/2018

 

 

Em pouco mais de 170 toques postados em uma rede social, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou sua retirada da corrida presidencial, segundo alegou, por razão "estritamente pessoal". A desistência de Barbosa altera o desenho da disputa e beneficia eleitoralmente o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL), que fica praticamente sozinho com o discurso do combate à corrupção. Politicamente, deixa um vazio que pode ser ocupado desde Marina Silva (Rede Sustentabilidade), até Ciro Gomes (PDT).

Oriundo do Judiciário, Barbosa era visto como um candidato capaz de estabelecer pontes entre os Poderes da República, relação que passa por um momento de grande instabilidade. Ex-relator do processo do mensalão, o esquema de compra de votos na Câmara montado pelo PT, dispunha de credibilidade e apoio entre os que apoiam a Operação Lava-Jato, apesar de ter problemas com o corporativismo de associações de juízes. A rigor, era a única novidade efetiva da eleição presidencial de 2018.

"Está decidido. Após várias semanas de muita reflexão, finalmente cheguei a uma conclusão", postou Joaquim Barbosa no Twitter. "Não pretendo ser candidato a presidente da República. Decisão estritamente pessoal".

Poucas horas antes Barbosa havia avisado o presidente do PSB, Carlos Siqueira, da decisão. Não foi propriamente uma surpresa, mas na semana passada, após três horas de reunião, o ex-ministro e o partido haviam se entendido sobre a contratação de um assessor de imprensa (a jornalista Cristina Serra) e de uma assessoria jurídica para a pré-campanha.

Mas ao fim da conversa, Barbosa voltou-se para Siqueira e afirmou: "Siqueira, quero ser franco com você: eu estou muito dividido".

O presidente do PSB respondeu então que o acordo entre a sigla e o ex-ministro estava claro desde o início: ele entrava sem o compromisso do PSB com sua candidatura, mas o partido também estava ciente de que ele ainda não tinha certeza em postular a candidatura presidencial. Agora Siqueira vai esperar "baixar a poeira" para reunir a Executiva Nacional. "Não podemos tomar uma decisão açodada", disse. "Vamos discutir quando o ambiente estiver mais racional". O mais provável é que o PSB apoie uma das candidaturas já postas no tabuleiro da sucessão. "É preciso reconhecer que não temos um nome natural".

Um mês após a filiação de Joaquim Barbosa, o PSB estava "pacificado", segundo Siqueira, em relação à candidatura do ex-ministro do STF. Para o PSB, Barbosa representava uma novidade na política que poderia até não ganhar a eleição, mas ajudaria o partido a crescer no Congresso e a eleger seus candidatos aos governos estaduais - a sigla tem dez candidatos que considera competitivos a governador. Mas Joaquim Barbosa também ajudava a evitar que o PSB tivesse que decidir entre PT e PSDB, o que levaria a um racha irremediável do partido.

Todos os atuais pré-candidatos procuraram o PSB atrás do apoio da sigla em outubro, antes da solução Barbosa ser encaminhada. Agora, o PSB vai considerar qual a melhor opção para seu futuro como partido, a começar por Marina Silva, sua candidata em 2014, após a morte de Eduardo Campos em um acidente aéreo. Sem Lula na disputa, Marina ocupa a segunda posição nas pesquisas, atrás de Bolsonaro. Ela e Barbosa disputavam na mesma faixa, por isso a candidata do Rede pode se beneficiar da saída do ex-ministro, ao menos no primeiro momento.

A opção a Joaquim Barbosa poderia ser Marina, numa aliança PSB-Rede, mas não há garantia de que a união das duas siglas teria o mesmo efeito eleitoral de uma chapa Joaquim Barbosa-Marina Silva ou Marina Silva-Joaquim Barbosa. Além disso, as dificuldades da ex-senadora com o seu antigo partido são ainda maiores que as do ex-presidente do Supremo.

Quando substituiu Eduardo Campos, em 2014, a ex-senadora teve atritos com Siqueira e alas do partido, o que foi contornado com o tempo. No entanto, recentemente, Marina rompeu com dois governos do PSB, nos quais o Rede Sustentabilidade tinha secretários estaduais: o de Pernambuco, do governador Paulo Câmara, e o de Brasília, governada por Rodrigo Rollemberg, este último um dos maiores entusiastas da candidatura de Barbosa a presidente pelo PSB.

Ciro, a exemplo de Marina Silva, tem problemas com o PSB: ele saiu do partido pela porta dos fundos brigando com Eduardo Campos, cuja candidatura o governo de então (Dilma Rousseff) procurava evitar. Mas o PDT já formou aliança com uma das principais alas do PSB (Pernambuco) e o discurso de Ciro também mudou em relação a questões caras ao partido, como o mercado financeiro. Fundado em 1945, o PSB procura manter a identidade e a postura de esquerda, o que hoje é considerado um impedimento para uma aliança com Geraldo Alckmin, o pré-candidato do PSDB.

O que pode pesar a favor de Alckmin é o governador Márcio França, que antes do avanço da candidatura Barbosa e da entrada de João Doria na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes havia comprometido o apoio de 17 seções do PSB ao candidato tucano. O ingresso de Joaquim Barbosa no PSB atrapalhou a articulação de França, que agora vê espaço para novamente disputar a neutralidade de Alckmin na eleição estadual - ou até o apoio por baixo dos panos, expectativa estimulada pela falta de uma definição clara do governador pró-João Doria. Ao contrário, Alckmin chegou a cancelar eventos previstos em sua agenda justamente para não ter que assumir agora uma posição.

O PSB, no entanto, tem restrições ao tom privatista que tomou conta do discurso de Geraldo Alckmin, que admite privatizar a Petrobras e a Caixa Econômica Federal. O PSB era uma das forças empenhadas na campanha "O petróleo é nosso". O liberalismo de Alckmin afasta o PSB dos tucanos e o aproxima mais dos candidatos situados à esquerda do espectro político. No PSB é recorrente a máxima segundo a qual um partido pode perder tudo menos a identidade, que é definida por sua história.

Os dirigentes do PSB entendem que a decisão de Joaquim Barbosa é definitiva e que ele não volta atrás. Eventuais problemas familiares que o ex-ministro teve no passado são descartados por aliados de Barbosa da razão "estritamente pessoal" que alegou para largar uma candidatura que nunca assumiu efetivamente.