Correio braziliense, n. 20156, 29/07/2018. Cidades, p. 22

 

Combate às marcas da poluição

Pedro Grigori e Walder Galvão

29/07/2018

 

 

O CAMINHO ATÉ 2030 » Três anos depois da assinatura do Acordo de Paris, cidades do mundo inteiro encaram o desafio de diminuir a emissão de gases de efeito estufa. O setor de transportes é um dos principais vilões - só no DF, é responsável por 49,05% de todas as emissões. Série de reportagens que o Correio começa a publicar hoje mostra algumas das alternativas para o problema

Durante 4,5 bilhões de anos, a Terra passou por mudanças climáticas que alteraram o modo de vida dos seres humanos. Ao mesmo tempo em que a civilização se desenvolve, reflexos desse crescimento deixam marcas pelo mundo. Estiagens prolongadas, furacões e aumento do nível dos oceanos estão entre os fenômenos que levaram representantes de 195 países a Paris, na França, em 2015, para fechar um acordo que pudesse resolver o problema.

O desafio é reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e, assim, impedir que a temperatura do planeta continue a subir. Um dos principais culpados pelo desequilíbrio climático é o setor de transportes, responsável por quase um quarto dos poluentes espalhados pela atmosfera. O Correio publica, a partir de hoje, a série de reportagens O caminho até 2030: os desafios dos transportes para o Acordo de Paris, e mostra alternativas para garantir o cumprimento das metas de redução de poluentes.

Especialistas em engenharia mecânica e meio ambiente elencam soluções para o setor que passam pela utilização de combustíveis renováveis e investimento em transporte público para reduzir o uso de veículos particulares. As consequências de postergar as mudanças vão desde o aumento de doenças respiratórias até o aumento do nível dos oceanos, o que pode deixar cidades como Rio de Janeiro, Recife e Salvador debaixo d’água antes do fim deste século.

Com menos de 60 anos de idade, Brasília cresceu e ganhou status de cidade grande. A frota de automóveis do Distrito Federal é uma das que mais aumentam no país. Junto disso, sobe também a quantidade de poluentes lançados na atmosfera. O setor de transportes é responsável por 49,05% de todas as emissões locais. Desses, 70% são emitidos por veículos particulares. Os dados são do Inventário de Emissões por Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa, estudo do Governo do Distrito Federal que analisou o ar da capital federal entre 2005 e 2012. Essa é a única análise governamental feita sobre os causadores da poluição no DF.

Dispersão de poluentes

Diferentemente do resto do país, Brasília não tem uma forte indústria, nem sofre queimadas de grandes proporções, o que deveria resultar num céu sem poluição. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) monitora, desde 2005, o ar da capital federal, com quatro estações. A mais antiga, instalada na Rodoviária do Plano Piloto, apresentou, em junho deste ano, Índice de Qualidade do Ar (IQAR) de 124,04 microgramas de partículas presentes a cada metro cúbico de ar.

O nível é considerado inadequado, podendo causar em toda a população sintomas como tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta. Pessoas de grupos sensíveis, como crianças, idosos e aqueles com doenças respiratórias e cardíacas correm o risco de apresentar efeitos mais sérios na saúde.

“No período seco, o ar pode se tornar nocivo a grupos sensíveis, pois a umidade fica baixa e temos uma má dispersão dos poluentes, que ficam acumulados”, afirma Lourdes Martins, analista de atividades do Meio Ambiente do Ibram. “Reduzir os poluentes é uma questão de saúde pública, pois se trata de algo que afeta diretamente a qualidade de vida da população”, completa.

Problema nacional

A nível nacional, o desmatamento é o maior responsável pelas emissões de GEE, mas, segundo a organização não governamental Green Peace, é o setor de transportes o que apresenta maior crescimento, podendo se tornar o principal emissor de poluentes a partir de 2028. “Na grande São Paulo, um estudo nosso mostrou que os cerca de 15 mil ônibus que circulam pela cidade diariamente representam, hoje, cerca de 4 mil mortes por ano devido a emissões de material particulado. Caso o quadro não mude, esse número anual será de 7,5 mil em 2050”, contou Davi Martins, especialista do Green Peace em Mobilidade Urbana.

O cenário de poluição na capital paulista levou à sanção da Lei Municipal nº 16.802/2018, que prevê a substituição de toda a frota de transporte coletivo urbano no município em até 20 anos após a regulamentação. Os veículos usados hoje serão trocados por modelos com fontes de energia menos poluentes. “As cidades e os poderes executivos de cada estado têm um papel fundamental no combate à redução de gases de efeito estufa, criando um cenário que desencoraje o uso de veículos particulares”, constata o especialista do Green Peace.

A partir do Acordo de Paris, os países apresentaram Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC, na sigla em inglês). A do Brasil, aprovada no Congresso Nacional em setembro de 2016, traça a meta de reduzir emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005.

A Organização das Nações Unidas (ONU) Meio Ambiente e o Ministério do Meio Ambiente criaram um projeto com sugestões de como reduzir as emissões em setores-chave. Entre eles, o de transportes, que necessitará de investimento de US$ 2,4 bilhões para eficientização de caminhões e ônibus movidos a diesel e mudança modal no transporte de passageiros de automóveis para ônibus e metrô.

Veículos do DF

71% Automóvel

11,5% Motocicletas

6,4% Caminhonetes

0,7% Ônibus

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Frota cresce mais que a população

29/07/2018

 

 

Na última década, a frota de veículos do DF dobrou e cresceu acima da taxa de aumento populacional. São 1,7 milhão de veículos nas ruas. Se o ritmo continuar, até 2030, serão mais de 2,3 milhões. O número elevado de automóveis está diretamente ligado à expansão da emissão de gases de efeito estufa, por isso, tanto em nível nacional quanto internacional, governos projetam programas de desincentivo ao uso do carro.

Mas não há expectativa de melhora rápida. Estudo da empresa British Petroleum (BP) mostra que o número de veículos em circulação no mundo deve mais do que duplicar até 2035, atingindo a marca de mais de dois bilhões de unidades, sobretudo em função do rápido crescimento das frotas nos países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia.

Cidades como Paris, Madrid e Copenhague implementaram legislações e políticas públicas para reduzir o uso de automóveis, mas se trata de uma realidade ainda distante da capital brasileira. Na avaliação de especialistas, para Brasília acompanhar o modelo das cidades europeias, deve seguir os mesmos passos traçados por lá: investir em um transporte público tão bom que o uso de veículos particulares seja dispensável.

“Criar linhas e corredores exclusivos, como é feito em Brasília, ajuda a mostrar para a população que usar o transporte público pode ser mais eficiente do que o privado”, explica David Tsai, estudioso do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

Há ainda políticas impopulares que podem reverter o aumento da frota, como a cobrança por estacionamentos em áreas públicas e dificultar o financiamento de veículos, mas são ações vistas como secundárias, a serem tomadas após um fortalecimento do transporte público. Tsai completa que a metodologia de redução de poluentes trabalha a partir de três pilares: evitar, mudar e melhorar. “O primeiro ponto é, a todo custo, evitar viagens e, com isso, reduzir a queima de combustíveis.”

Doutor em transportes e professor do UniCeub, Edson Benicio afirma que o transporte público no DF é eficaz, mas não eficiente. “Ele cumpre o papel de levar a população pela cidade, para o trabalho, escola, etc., mas não é atraente o suficiente para convencer alguém a abandonar o conforto, conveniência, praticidade e segurança de um transporte privado.”

Controle de emissões

Para diminuir os impactos ambientais que uma frota tão grande causa, o Ibram, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e as secretarias de Meio Ambiente e Mobilidade Urbana do DF se reuniram, no mesmo ano em que o Acordo de Paris foi fechado, para lançar um Plano de Controle de Poluentes Veiculares (PCPV). A proposta acabou não efetivada à época. Após um ano e seis meses parados, os órgãos voltam a se reunir nesta semana para reformular o plano e colocá-lo em vigor.

O objetivo é reduzir em 40% a emissão de gases do setor de transporte no DF. Entre as principais ações previstas está uma fiscalização ambiental feita pelo Detran-DF, que incluiria vistoria da quantidade de gases emitidos pelos veículos para garantir que as manutenções estejam em dia.

A Secretaria de Meio Ambiente será a responsável pelas políticas públicas do PCPV. A expectativa da pasta é de que o programa esteja em execução até o fim de 2019.

O secretário de Mobilidade, Fábio Damasceno, afirma que os planos do GDF não são travar uma luta contra o carro particular, mas, sim, criar um sistema integrado de mobilidade. “Vamos investir em estacionamentos e terminais remotos fora do Plano Piloto, pois você pode deixar o filho na escola, estacionar o carro próximo ao BRT do Gama e ir de transporte público até o trabalho. Isso reduz as emissões e impede que o veículo fique 10 horas parado na área central de Brasília A integração é o que há de mais moderno em mobilidade”, afirma.

Para Fábio, consolidar a integração trará uma mudança gradual em relação ao uso do carro. “Vamos mostrar as melhorias no transporte público e as pessoas vão fazer essa migração de forma natural”, garante.

Frase

"Vamos investir em estacionamentos e terminais remotos fora do Plano Piloto, pois você pode deixar o filho na escola, estacionar o carro próximo ao BRT do Gama e ir de transporte público até o trabalho”

Fábio Damasceno, secretário de Mobilidade

 

As cidades mais congestionadas

1º - Cidade do México (México)    59%

2º - Bancoc (Tailândia)    57%

3º - Istambul (Turquia)    50%

4º - Rio de Janeiro (Brasil)    47%

5º - Moscou (Rússia)    44%

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Mudança global necessária

29/07/2018

 

 

O compromisso firmado na 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), tem como objetivo conter, até 2030, o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Esse número, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), marca o ponto em que os efeitos das alterações climáticas ainda são suportáveis para o ser humano.

Os principais gases de efeito estufa são o CH4, N2O, O3, halocarbonos, vapor d’água e o gás carbônico (CO2). O último  representa, sozinho, 90% dos GEE presentes na atmosfera. A emissão dos gases começou a subir com a queima de combustíveis fósseis no século 17, durante a Revolução Industrial.

“Tivemos uma inércia de 200 anos em relação ao CO2 e, nas últimas sete décadas, emitimos o suficiente para comprometer os próximos dois séculos”, afirma Marcelo Poppe, assessor técnico do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), que emite análises e soluções ligadas a ciência, tecnologia e inovação. “Os GEE criam uma camada na atmosfera. Os raios solares chegam ao planeta, batem no solo e são refletidos de volta, mas essa crosta os impede de sair, criando assim uma ‘estufa’ que prende o calor”, esclarece.

O Instituto Carbon Tracker Initiative (CTI) faz estudo chamado crédito de carbono, que mostra que, desde a Revolução Industrial, foram liberados 500 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, o que fez a temperatura média do planeta subir em 1ºC. Com isso, para evitar que os 2ºC sejam superados, o planeta só tem um saldo de mais 500 bilhões de toneladas de carbono.

O crédito pode ainda parecer grande, mas só o Brasil produz, em média, 2,5 milhões de barris de petróleo por dia e, na queima de apenas um litro de gasolina, são emitidos cerca de 2,269 quilos de CO2 na atmosfera. Os últimos relatórios anuais da World Meteorological Organization (WMO) mostram que recordes de emissões continuam sendo batidas ano após ano. Para o futuro, a situação deve ser ainda pior, pois estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE) antecipam que, até 2040, as emissões do gás derivadas de combustíveis líquidos aumentarão mais de 30%.

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Ciclovias como alternativa

29/07/2018

 

 

Uma saída para a poluição dos transportes é substituir o carro pela bicicleta. O governo local prevê ampliar as ciclovias na capital. De acordo com o secretário de Mobilidade, Fábio Damasceno, a previsão é de que, até 2026, o Distrito Federal se torne a cidade da América Latina com maior sistema de ciclovias. Hoje, Brasília conta com 465 quilômetros desse tipo de via.

“Se você usar R$ 2,5 milhões para construir uma rodovia de mão dupla, para construir uma ciclovia da mesma extensão, são necessários apenas R$ 200 mil”, constata. Segundo Damasceno, a extensão das ciclovias do DF deve ser ampliada para 600 quilômetros até o fim de 2018. “Temos espaço, público e configuração para isso”, garante.

A paixão por bicicletas do servidor Bruno Meireles Leite, 36 anos, começou na infância. Natural de Minas Gerais, ele começou a usar o meio de transporte há oito anos. “Morava na 116 Norte e ia pedalando para a Esplanada dos Ministérios, onde trabalho duas vezes por semana. Com o tempo, passei a fazer isso todos os dias”, conta. Bruno ressalta que teve um aumento na qualidade de vida, já que não precisa mais se preocupar com engarrafamento ou na procura por vagas para estacionar.

Hoje, o servidor mora na 403 Norte e ainda realiza o trajeto de bicicleta para o trabalho. Porém, no ano passado, Bruno virou pai e precisou mudar a rotina. “Ainda vou de bike para o serviço, mas, no fim do dia, pedalo até o serviço da minha esposa, pego o nosso carro, busco minha menina na creche e vou para casa”, comenta. Mesmo assim, o ciclista garante que, quando a filha estiver mais velha, deixará o automóvel de lado. “Eu chego para trabalhar mais animado, com a adrenalina correndo ainda. Quando vou embora, a cabeça dá uma esvaziada e fico mais leve.” (PG e WG)