Valor econômico, v. 19, n. 4499, 09/05/2018. Especial, p. A14.

 

'Déjà-vu' amplia investigação ao MDB

André Guilherme Vieira/ Rafael Moro Martins/ Marcelo Ribeiro

09/05/2018

 

 

Contratos suspeitos nas áreas de serviços em segurança, meio-ambiente e saúde (SMS) da Petrobras com a Odebrecht, investigados há dois anos, levaram ontem ao desencadeamento da Operação "Déjàvu", 51ª fase da Lava-Jato. Os investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público encontraram evidências de propinas de R$ 200 milhões (US$ 56,5 milhões) supostamente destinadas a MDB e PT em contrato de US$ 825,6 milhões firmado com a Odebrecht em 2010.

A Operação expôs o fechamento de um cerco investigatório ao presidente Michel Temer, já alvo de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) e acusado por delatores da J&F.

Foram presos preventivamente três ex-executivos da petrolífera: Aloísio Teles Ferreira Filho, ex-gerente-geral da área Internacional, Rodrigo Zambrotti Pinaud, que participou informalmente da modelagem do negócio considerado fraudulento com a Odebrecht, e Ulisses Sobral Calile, que era gerente e fiscal do contrato.

Tiveram prisão temporária decretada os operadores financeiros Sérgio Boccaleti e Ângelo Tadeu Lauria - este último sócio do lobista do MDB na Petrobras, João Augusto Henriques, já condenado por corrupção. Mario Ildeu de Miranda, também suspeito de ter operado propina no contrato de SMS, teve prisão preventiva ordenada pelo juiz Sergio Moro mas está em Portugal.

Temer é investigado por supostas ilicitudes no decreto dos portos, assinado em maio de 2017, e também por alegados repasses de propinas da Odebrecht a campanhas do MDB em troca de favorecimento à empresa. O presidente foi ainda acusado de corrupção e organização criminosa em duas denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que tiveram prosseguimento rejeitado pela Câmara, mas que deverão voltar à tramitação depois que Temer deixar o cargo.

Além disso, pessoas próximas de Temer, como o coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo (PM), João Baptista Lima Filho e o advogado e ex-assessor especial da Presidência, José Yunes, estão investigados na Operação Skala, que tramita no Supremo e que tem relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

Ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial, o delator Márcio Faria disse aos investigadores que o percentual de propina destinado ao MDB no contrato de US$ 825,6 milhões foi acertado em duas reuniões, e que o então vice-presidente e candidato à reeleição Michel Temer participou do segundo encontro, em 2010.

Em delação firmada com a Procuradoria-Geral da República, Faria disse que se encontrou com Temer no escritório político de São Paulo, no Alto de Pinheiros, no dia 15 de junho daquele ano. 

Faria explicou que antes de a carta-convite para a obra de SMS ser apresentada, o então gerente da Petrobras Aluísio Teles procurou a empreiteira para negociar 3% de propina sobre o contrato.

Depois disso, segundo Faria, o lobista João Augusto Henriques, apontado como operador do MDB na Petrobras, cobrou da Odebrecht o percentual de 5% de propina. Seriam 4% ao MDB e 1% ao PT.

O executivo Márcio Faria contou aos investigadores que, após o contato do lobista, recebeu e-mail do seu subordinado Rogério Araújo informando sobre convite para participar de reunião com a cúpula do MDB. O delator disse que encontrou no escritório de Temer o atual presidente e os então deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso e condenado por corrupção, e Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), hoje em prisão domiciliar e respondendo a processo por corrupção. Na época, Temer era vice na chapa de Dilma Rousseff e concorria à reeleição.

Faria disse que o propósito da reunião era o de "abençoar" o compromisso de pagar o MDB e mostrar que Cunha e Alves tinham a confiança de Temer. Não se falou em valores, mas houve menção clara de que se o contrato fosse assinado, a Odebrecht faria pagamento ao MDB, afirmou.

"Chegamos lá, foram feitas as apresentações porque eu não conhecia nem o Temer, Michel Temer, nem conhecia o deputado Henrique Eduardo Alves (...) o Eduardo Cunha tomou a palavra, explicou, falou: 'Olha, o pessoal tá no processo de contratação do contrato Parque SMS com a Petrobras, diretoria internacional e tem o compromisso que, se realmente forem adjudicadas e assinar o contrato, vai ter uma contribuição muito importante pro partido', olhando pra mim porque eu que teria que confirmar esse entendimento", disse o delator da Odebrecht. Faria disse ainda que, além dele, participaram dessas negociações outro executivo da Odebrecht, Rogério Araújo, e o lobista João Augusto Henriques, que atuava como intermediário entre a construtora e o partido, conforme o relato.

Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência afirmou que "a narrativa divulgada [ontem] hoje não corresponde aos fatos e está baseada em uma mentira absoluta".

Ainda segundo o comunicado, "nunca aconteceu encontro em que estivesse presente o presidente da Câmara, Henrique Alves, com tais participantes".

O presidente Michel Temer teria resolvido ignorar o novo capítulo da Operação Lava-Jato.

Auxiliares do Planalto disseram ao Valor que Temer considerou a investigação uma "nova tentativa de atacá-lo para atrapalhar o seu governo".

Segundo essas fontes, o presidente acredita que a operação não trata de fato novo e "não passa de um tema requentado".