Correio braziliense, n. 20153, 26/07/2018. Economia, p. 6

 

Muitas propostas, poucos detalhes

Antonio Temóteo e Murilo Fagundes

26/07/2018

 

 

CONJUNTURA » Programas de governo dos candidatos à Presidência não explicam como alcançar objetivos traçados, dizem analistas. Postulantes se dividem entre os que enfatizam a necessidade de ajuste fiscal e os contrários às reformas

A falta de detalhes sobre as principais propostas dos presidenciáveis para a economia preocupa analistas de mercado, acadêmicos e economistas. Com a pluralidade de candidatos, diversos projetos têm sido apresentado pelos postulantes à Presidência da República ou pelos assessores econômicos durante a maratona de debates em universidades, sindicatos, e associações. Um grupo, formado por políticos de centro e de direita, defende ajustes para reequilibrar as contas públicas e outro, ligado à esquerda, é contrário às reformas e pretende revogar as aprovadas durante o governo Michel Temer.

Em debate realizado ontem na Universidade de Brasília (UnB), o economista Marco Antônio Rocha, da equipe de Guilherme Boulos (Psol), criticou a venda de estatais. “Temos que deter as privatizações brancas que estão sendo feitas e precisamos recuperar a capacidade estratégica dessas empresas”, disse. Ele defendeu, ainda, a revogação da Emenda Constitucional nº 95, que estabeleceu o teto dos gastos. “Diante do crescimento da população brasileira, não tem como manter os gastos congelados. É prioridade de qualquer governo progressista derrubar essa emenda”, defendeu.

Mauro Benevides Filho, assessor econômico de Ciro Gomes (PDT), afirmou que há espaço para eliminar o deficit fiscal em dois anos. “Se for eleito, Ciro chegará já com a proposta legitimada na campanha. Vamos controlar firmemente as despesas para gerar crescimento e emprego”, sustentou. Entre as propostas, está a redução de impostos sobre consumo e a tributação de dividendos. Benevides não disse se Ciro venderá estatais. “Temos 144 empresas públicas, muitas deficitárias e outras estratégicas. A privatização de Petrobras e Eletrobras está fora de cogitação, mas estamos refletindo sobre as deficitárias.”

Tributos

Cotado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial, Fernando Haddad (PT) defendeu a criação de um sistema de vantagens e punições tributárias para os bancos, com mais impostos para as instituições com maiores spreads. O economista Márcio Pochmann, um dos coordenadores do programa econômico do PT, é contra a privatização, favorável ao uso de reservas internacionais para financiar a infraestrutura e afirmou que o deficit fiscal pode ser resolvido com a volta do crescimento.

Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos) e Jair Bolsonaro (PSL) defendem uma simplificação ou reforma tributária e a revisão das regras para concessão de benefícios previdenciários. Além disso, são favoráveis à privatização. Todos, exceto Alckmin, colocam a autonomia do Banco Central (BC) como prioridade. O assessor econômico do tucano, Pérsio Arida, também defendeu a tributação de dividendos para compensar a redução do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

O economista José Márcio Camargo, assessor econômico de Meirelles, propõe que o próximo presidente aprove a reforma da Previdência nos primeiros meses de governo, aproveitando a proposta encaminhada ao Congresso pelo ex-ministro da Fazenda. Camargo ainda é favorável a medidas para destravar o crescimento, como revisão das vinculações do Orçamento; reforma tributária; e redução dos subsídios.

Entre os candidatos mais radiciais, está Manuela d’Ávila (PC do B). Ela é contrária à autonomia do BC, põe em dúvida o deficit e a necessidade de reformar a Previdência, é contra a privatização e defende a revogação da reforma trabalhista.

O economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB), avaliou que é necessário cobrar dos candidatos propostas mais bem definidas e detalhadas. “Colecionamos sugestões apresentadas em eventos públicos, mas eles precisam mostrar as bases, os conceitos e as informações sobre o que será feito”, disse. Ele observou, por exemplo, que Alckmin quer reduzir impostos, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mas não detalha como isso será feito em meio a um ajuste fiscal.

Ellery ressaltou que Bolsonaro e Ciro propõem uma reforma da Previdência por meio do regime de capitalização, mas sem dar detalhes. “Estudos mostram que essa experiência é interessante, mas tem custo financeiro elevado. A maioria dos países não consegue implantar. O único exemplo de sucesso foi o Chile, que fez essa reforma durante a ditadura de Pinochet”, afirmou.

O debate eleitoral e econômico ultrapassa conceitos ideológicos, partidos e identificação com esquerda ou direita, avalia o economista Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper. Para ele, ficou claro que uma corrente defende o velho patrimonialismo, contribuições obrigatórias e privilégios para algumas categorias. E outra, quer discutir políticas públicas sociais, com foco no ensino. “Há uma agenda contra a abertura do país, menos protecionismo e a livre concorrência; outra é favorável a esse processo”, resumiu.

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Dívida pública vai a R$ 3,75 trilhões

Rosana Hessel

26/07/2018

 

 

O estoque da dívida pública federal cresceu 1,01% em junho, em relação a maio, totalizando R$ 3,75 trilhões. O aumento resultou, principalmente, da correção dos juros e do câmbio, uma vez que o Tesouro Nacional resgatou mais papéis do que vendeu. O saldo líquido de emissões ficou negativo em R$ 405 bilhões, refletindo a instabilidade do mercado e a queda no interesse de investidores.

Márcia Tapajós, coordenadora de Operações da Dívida, negou dificuldades para emitir novos títulos, mesmo com a dívida bruta perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média dos países emergentes. Ela atribuiu o crescimento dos resgates aos leilões extraordinários de recompra feitos para reduzir a volatilidade no mercado. Entre 28 de maio e 29 de junho, o órgão recomprou R$ 20,6 bilhões de papéis e emitiu R$ 1,5 bilhão. Segundo Márcia,  o colchão de liquidez manteve-se em R$ 575 bilhões.

Conforme o Tesouro, a dívida externa avançou 2,67% em relação a maio, para R$ 146,7 bilhões, e a interna aumentou 0,94%, para R$ 3,57 trilhões. O custo médio da dívida total passou de 10,04% ao ano, em maio, para 10,3% em junho, comprovando a cobrança de mais prêmio de risco sobre os papéis do Tesouro. A participação dos investidores estrangeiros caiu de 11,96% para 11,93%. Em dezembro de 2017, era de 12,12%.

“Há muitas incertezas em relação às eleições e o investidor está mais preocupado. A dívida cresce mais por inércia. Se as indefinições sobre o segundo turno persistirem, o governo terá dificuldade para rolar a dívida depois de outubro”, alertou  Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.