O globo, n. 30967, 20/05/2018. País, p. 6

 

Campamha do MDB vai apostar nas reformas

Marco Grillo 

20/05/2018

 

 

Documento ‘Encontro com o futuro’ defende mudança na Previdência e critica MP e Poder Judiciário

O discurso que o MDB vai reproduzir durante a campanha presidencial reúne ações que o governo de Michel Temer conseguiu implementar, como o ajuste fiscal e a PEC do teto dos gastos, e fracassos políticos, a exemplo da reforma da Previdência. Ainda sem uma definição sobre o candidato à Presidência — o exministro da Fazenda Henrique Meirelles aparece como favorito —, o partido vai lançar, na terça-feira, o documento “Encontro com o futuro” e deve confirmar Meirelles como único pré-candidato da sigla. A peça, de 45 páginas, sustenta a importância do equilíbrio das contas públicas e propõe um aprofundamento na agenda reformista ao defender a redução das despesas obrigatórias da União.

O manual que servirá de base para a campanha foi elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, mantida pelo MDB e presidida pelo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. É o terceiro documento de uma série que começou com a “Ponte para o futuro”, em 2015, e teve “A travessia social”, no ano seguinte. Há uma série de críticas à gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), da qual os peemedebistas fizeram parte do início até momentos antes do impeachment. “Em 2016 (quando Temer assumiu a Presidência), começamos a agir em cima dos destroços que encontramos”, diz um trecho.

Há também diversos elogios para resultados surgidos após a mudança implementada por Temer na política econômica, como a redução da taxa de juros para 6,5% e a inflação, que terminou 2017 em 2,95%. Sobre o desemprego, que continua subindo, o texto ressalva que “a recuperação do emprego nas economias atuais, por uma série de razões, é mais lenta que a recuperação do PIB (Produto Interno Bruto)”. Sem recorrer a prazos, o documento afirma que, “em breve, o emprego começará a reagir de forma mais forte e os índices de pobreza começarão a recuar, encerrando este longo inverno recessivo”. O manual emedebista diz que a reforma trabalhista, outra vitória do governo Temer, vai ajudar na recuperação dos postos de trabalho.

O documento avança na discussão sobre a questão orçamentária e sugere mudanças na lei ao citar que as despesas obrigatórias do governo — como gastos previdenciários, com a folha de pagamento e abono e seguro desemprego — podem chegar a 105% da receita líquida do Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social).

“Para que o equilíbrio fiscal seja possível, será necessário, acima de qualquer outra medida, mudar as regras que determinam essas despesas (obrigatórias). Em especial as previdenciárias, que já representam mais da metade da despesa primária e, também, as regras que regulam os custos do serviço público em geral”, diz o documento.

Além da defesa da reforma da Previdência — agenda prioritária do governo Temer, mas implodida após as duas denúncias por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça chegarem à Câmara dos Deputados —, o texto traz reflexões sobre o tamanho do Estado. Os argumentos são favoráveis à presença do governo apenas em áreas essenciais, “para eliminar gastos desnecessários ou redundantes”. O papel governamental seria fornecer o ambiente necessário para estimular a competição e atrair investimentos privados.

“O crescimento baseado no aumento da força de trabalho e na intervenção do Estado no setor produtivo se esgotou. A população começa a envelhecer rapidamente, e a capacidade fiscal dos governos está exaurida. O crescimento vai depender agora da iniciativa privada”, afirma o texto.

 

“CAMINHO DE INCOMPREENSÕES”

Em um momento crítico, há uma referência à Constituição de 1988, que, segundo o texto, “manteve nas entrelinhas uma forte desconfiança com os possíveis excessos do Poder Executivo”, em função de ter sido escrita ainda com uma lembrança forte da ditadura militar. A consequência, aponta o documento, foi a diminuição da força do Executivo e o “transbordamento da intervenção das instituições de controle, Tribunais de Contas, Ministério Público e Poder Judiciário, que frequentemente tornam-se instrumentos alternativos de governo”.

“A diferença é a de que não se submetem, eles próprios, a qualquer espécie de controle nem se limitam por restrições fiscais. Este ambiente fragiliza o governo propriamente dito, inibe suas iniciativas e enfraquece sua capacidade de reação diante das exigências da vida real”.

Em outro trecho, o documento põe a culpa do alto índice de reprovação de Temer, na casa de 70%, na resistência a mudanças, imposta pela “cultura e a política do país”.

“Todo governo que ousa mudar e reformar sabe que seu caminho está cheio de incompreensões. Não podemos nunca nos esquecer de que o governo que provocou a crise, com seus erros, foi durante quase todo o tempo aprovado pela maioria da população, e que o governo que corrigiu aqueles erros, com resultados inequívocos, é reprovado pela maioria”, cita o texto.

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De olho no centrão, Ciro quer antes aliança à esquerda, sem o PT

Eduardo Bresciani e Catarina Alencastro

20/05/2018

 

 

Frase de Brizola é usada por aliados para explicar estratégia do PDT

Três líderes do PDT usam uma frase atribuída à principal liderança histórica da legenda, o ex-governador Leonel Brizola, para justificar a rota traçada pelo presidenciável Ciro Gomes de consolidar primeiro alianças à esquerda para depois buscar o centrão: “Na carroceria do caminhão cabe todo mundo, mas na boleia só quem se confia”.

Com a cotação cada vez melhor nas bolsas de apostas após a inelegibilidade e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro tem o desejo de ter um empresário como candidato a vice, imitando a dobradinha Lula-José Alencar. Além disso, pretende ter a seu lado um partido que lhe permita transitar mais ao centro, como o PP, do seu amigo e xará Ciro Nogueira. Mas tal passo só será dado depois que consolidar apoios tidos como fundamentais na esquerda, especialmente PSB e PC do B, isolando o PT.

— Nossa prioridade absoluta é o fechamento com o PSB. Avançou bem. Como temos afinidade muito grande e uma relação histórica, facilita muito. Mas vai depender muito da configuração dos palanques regionais — afirma Carlos Lupi, presidente do PDT.

“Solteiro” desde a desistência de Joaquim Barbosa, o PSB está hoje diante de dois cenários: apoiar Ciro ou ninguém. O investimento do PDT tem sido forte. O presidente nacional Carlos Lupi se reuniu na semana passada com o presidente do PSB, Carlos Siqueira, para dar formalidade às tratativas. Mas o investimento mais pesado é nos bastidores. Irmão de Ciro, o ex-governador Cid Gomes reuniu-se com deputados do PSB em Brasília na tentativa de buscar apoio ao projeto do presidenciável.

 

LACERDA JÁ FALA EM SER VICE

Em outra frente, o pré-candidato ao governo de Minas, Marcio Lacerda (PSB) já admite que pode ser candidato a vice com Ciro.

A maior resistência é do governador de São Paulo, Márcio França. Ele desistiu de levar a sigla para Geraldo Alckmin (PSDB), mas agora trabalha para que o PSB não apoie ninguém. Há problemas ainda em outros estados, como Rio Grande do Sul e Paraná. Mas a expectativa dos aliados de Ciro é por avanços concretos nas próximas semanas. Para eles, atrair o PSB é importante para embarcar no projeto outra legenda de esquerda, o PCdoB. Os comunistas prometem lançar Manuela D’Ávila, mas o flerte de Ciro com a legenda é considerado promissor pelas duas partes.

A tentativa de apressar os apoios na esquerda antecede o próximo passo: buscar o centro. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), é visto como ponte para alcançar esse objetivo. A filiação do empresário Benjamin Steinbruch ao PP é parte do movimento. O empresário foi chefe de Ciro Gomes por um ano, quando ele comandou a CSN Transnordestina, e escolheu o partido para se filiar em comum acordo com o presidenciável.

A relação dos dois Ciros é próxima. Etevaldo Nogueira Filho, primo do senador piauiense, é vice-presidente do PP no Ceará e faz parte do grupo político liderado pelos irmãos Ferreira Gomes naquele estado.

Além de divergências internas no PP, a busca por uma unidade mínima no centrão é outro obstáculo. PR e PRB são apontados como nós a serem desatados. Há resistência recíproca também entre o grupo de Ciro e o de Rodrigo Maia (DEMRJ), que articula com o centrão. Ainda assim, há um reconhecimento de que Ciro é opção.

— Desde 2002, Ciro não tem sido levado tão a sério como agora — diz um integrante do centrão.

No PDT, a extensa ficha corrida de políticos do centrão e a inclinação mais liberal do grupo na economia são minimizados com a frase de Brizola e o registro de que na boleia estarão Ciro e a esquerda.