Correio braziliense, n. 20150, 23/07/2018. Opinião, p. 11

 

Reciprocidade internacional

Mario Augusto Santos

23/07/2018

 

 

Quando li o artigo que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, fez publicar na imprensa, em 26 de junho, sobre a visita do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, regredi ao tempo em que iniciei minha carreira no Itamaraty, em 1959. Naquela época, o transporte de passageiros entre o Brasil e os Estados Unidos era feito principalmente por via naval, onde predominava a Moore Macormick Lines, com seus navios Brazil, Argentina e Uruguai, um dos símbolos da Good Neighbor Policy, lançada pelo presidente Roosevelt, que marcava, então, as relações bilaterais.

As exportações brasileiras, constituídas basicamente de café em grão, mal ultrapassavam os US$ 2 bilhões por ano, receita insuficiente para pagar a crônica divida externa do país. Volta e meia o ministro da Fazenda estava em Washington para negociar novo empréstimo ou reescalonar a dívida, administrando assim uma dependência que vinha de muito tempo. O Brasil da época convivia bem com esse arranjo. Não havia sobressaltos, mas sobretudo porque não havia alternativa. A Europa se recuperava da devastação da guerra e ainda não constituía uma opção. O tempo passa e as circunstancias mudam.

Quando a soja despontou na nossa pauta de exportação, surgiu a ideia de que, talvez, o Brasil pudesse melhorar seus termos de troca no comércio internacional. Ainda não rendia o suficiente para melhorar nossa situação financeira, mas abriu perspectivas de um futuro mais condizente com aspirações de maior independência, ou menos dependência.

Um grupo de diplomatas brasileiros brilhantes, com o apoio do então governo, lançou na Organização das Nações Unidas (ONU) o bordão trade, not aid (comércio, não ajuda) que mudou o pensamento internacional sobre a matéria. O desdobramento dessa iniciativa desembocou, não sem muita oposição, na criação na Organização Internacional do Comércio, que deu mais voz ativa a países que buscavam meios mais sólidos para seu desenvolvimento econômico.

Uma política externa independente foi sempre uma aspiração nacional. Tal política, porém, não se faz por decreto, mas por maturidade, por um processo histórico de crescimento econômico e social, por uma consciência clara de si próprio, de seu valor e peso no mundo, de sua possível contribuição para um mundo melhor. É uma rota difícil.

Houve vitórias e muitos retrocessos. Forjar uma política externa que reflita o Brasil como um todo, bem como a vontade política de exercê-la, já podia estar em vigor. Mas enquanto essa política for formulada por setores específicos de nossa sociedade, ela não terá permanência. O atual governo segue um alinhamento com os Estados Unidos que remete à nossa política de 60 anos atrás.

O governo Lula errou quando pretendeu conduzir nossa política externa de acordo com uma ideologia populista que não representava toda a sociedade brasileira. Reconheço no artigo de Aloysio Nunes Ferreira o velho estilo do Itamaraty, que justifica o presente com o passado, como se o passado fosse uma determinante independente do tempo e das circunstâncias. Nenhum passado pode justificar a inação ante o enjaulamento de crianças separadas dos pais. A atitude a tomar, nesse caso, seria imaginar qual seria a reação dos Estados Unidos, se o Brasil enjaulasse 51 crianças  americanas. A reciprocidade continua a er a base madura de todo relacionamento internacional.