O globo, n. 30966, 19/05/2018. Economia, p. 24

 

‘A Bolsa não caiu, ela variou’, afirma Temer

Jussara Soares, Bárbara Nascimento e Rennan Setti

19/05/2018

 

 

Ministro diz que governo busca reduzir volatilidade. Suspensão do Tesouro Direto gera protestos de investidores

-SÃO PAULO, BRASÍLIA E RIO- A forte instabilidade do mercado financeiro ontem, com alta do dólar pelo sexto dia consecutivo e queda da Bolsa de Valores, levou à suspensão, por seis horas, das operações do Tesouro Direto, programa do governo para compra e venda de títulos públicos a pessoas físicas. As operações foram paralisadas às 9h50 e voltaram a funcionar às 15h57. Apesar de a moeda americana ter renovado sua máxima em dois anos, cotada a R$ 3,739, o presidente Michel Temer (MDB) voltou a pedir otimismo à população, defendeu a retomada da economia e minimizou a turbulência dos mercados.

— Uma variação na Bolsa é mais do que natural. A Bolsa não caiu, ela variou. Cair seria voltar aos padrões de dois anos e pouco atrás — afirmou Temer, em um fórum sobre inovação promovido pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e pela revista “Exame”, em São Paulo.

No fim da tarde, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que o governo está atuando para minimizar os efeitos da volatilidade no mercado. Segundo ele, o Banco Central (BC) tem instrumentos para reduzir a instabilidade gerada pela valorização internacional do dólar. Guardia ressaltou que as operações do Tesouro Direto foram suspensas para proteger o pequeno investidor.

— O Banco Central atua no mercado de dólar e tem instrumentos para tentar reduzir a volatilidade desse processo. No mercado de juros, o que fizemos foi suspender o Tesouro Direto. Nós temos já como política, há muito tempo, interromper a negociação em dias de maior volatilidade, para proteger o pequeno investidor. Fora isso, o Tesouro segue normalmente com suas políticas de leilão — disse o ministro.

 

‘EVIDENTEMENTE GERA INSATISFAÇÃO’

Com relação ao movimento dos mercados de câmbio e ações, Guardia fez coro ao discurso de Temer, de que variações são normais. O ministro repetiu que a alta do dólar segue um movimento internacional e não reflete uma crise interna no país, lembrando que as moedas de outros emergentes também se desvalorizaram.

O ministro reforçou que a economia brasileira vive “um cenário externo muito confortável”, com reservas internacionais elevadas, déficit em conta corrente baixo e financiado por investimento estrangeiro direto. Guardia ainda frisou que a inflação brasileira está em patamares baixos e que o Tesouro tem um colchão de liquidez confortável.

Os investidores, porém, manifestaram desagrado com a suspensão das operações do Tesouro Direto. Um deles disse que quase perdeu um negócio.

— Estava comprando um apartamento e pedi pela manhã o resgate de R$ 40 mil, para dar um sinal. Fui para o banco, e o dinheiro nunca caía. Liguei o dia inteiro para a corretora, achando que fosse um problema deles. Pensei também que fosse uma questão cadastral. Só consegui o dinheiro no fim do dia, mas tive de me explicar com o vendedor do apartamento e me desgastei com a minha gerente e com a minha corretora — contou o investidor, um advogado paulistano de 38 anos que preferiu não ter o nome revelado.

Ele disse investir no Tesouro há muitos anos e nunca ter experimentado problema semelhante:

— Agora vou pensar melhor antes de voltar a investir nesse veículo e me programar com maior antecedência para resgatar minha aplicação. Vou escolher um investimento que me proporcione garantia de liquidez.

Corretoras e agentes tiveram de lidar com as queixas dos clientes. Ricardo Zeno, sócio-diretor da AZ Investimentos, entretanto, ressaltou que as interrupções nos negócios do Tesouro Direto não são raras. No ano passado, disse, a volatilidade fez com que o programa suspendesse suas operações em seis ocasiões. Quatro delas foram em maio, nos dias que se seguiram à revelação pelo GLOBO da delação premiada do empresário Joesley Batista:

— Evidentemente, gera insatisfação, porque o cliente tem necessidades de resgates e não gosta de não poder atendê-las. Alguns ligam reclamando.

Arnaldo Curvello, da Ativa Corretora, também ressaltou que a prática é comum e visa a proteger os investidores, “para que não corram o risco de perder dinheiro com uma mudança brusca de preço”.