O Estado de São Paulo, n.45524 , 08/06/2018. ARTIGOS, p.A2

WASHINGTON NOVAES

Que pensam os eleitores?

 

 

A poucos meses da próxima eleição, quase não se têm indicações do que pensam os eleitores, do que desejam para suas cidades, para o País, que futuro esperam para seus filhos. As poucas aspirações em pesquisas sugerem o “fim da violência”, renda menos desigual, por aí. E os candidatos, o que eles dizem, de modo geral? E os jornalistas, de que tratam?

A memória dá um salto de mais de meio século para trás, quando o autor destas linhas começava sua vida no jornalismo como redator (hoje seria copidesque) na então Folha da Manhã, antecessora da Folha de S.Paulo. Um dia, o então secretário do jornal, Mário de Araújo Lôbo – competente, extremamente ético –, pediu que reescrevesse a matéria de um repórter sobre um homem de menos de 40 anos que, desempregado havia muito tempo, sem conseguir sustentar a família, matara a mulher e os filhos pequenos e, com a última bala do revólver, se suicidara. Lôbo escreveu no novo texto as indicações para a oficina do jornal: “uma coluna, página 14”. Indagado por que publicava uma notícia como aquela sem nenhum destaque, perdida numa página interna, ele perguntou: “Você faria o quê?”. A resposta foi imediata: “Daria na primeira página, com muito destaque”. E ele: “Há alguns anos fiz o que você está sugerindo, publiquei uma notícia semelhante na primeira página, com destaque. Nos dias que se seguiram apareceram várias notícias de chefes de família desempregados e desesperados que mataram a família e se suicidaram. Não tenho como saber se algum deles encontrou no jornal o seu caminho; mas não tenho coragem de publicar outras notícias como essa na primeira página, chamar a atenção para o desfecho terrível. Então, faço isso, publico em página interna, sem nenhum destaque. Se alguém tiver outra solução que me indique”.

Encerrado o expediente daquela noite, conversamos longamente sobre o assunto. Lôbo enfatizava que jornalistas muito raramente discutiam a questão de sua responsabilidade pessoal nas notícias que apuravam e publicavam; notícias que poderiam apontar caminhos pessoais e sociais para os leitores – responsabilidade que não era apenas dos editores ou do jornal, era também de quem apurava o fato e o reproduzia na medida de suas crenças pessoais, responsabilidades e possibilidades no órgão onde trabalhava.

Hoje, o que fazem ou deveriam fazer os jornalistas no universo caótico, violento, que nos cerca, no mundo, no País, na nossa cidade? Têm autonomia para reproduzir tudo? Perguntam-se a si mesmos quais seriam as consequências? Discutem com seus chefes? Sentem a consciência pesando em certas circunstâncias – que pensamos do fato de termos no País mais de 12 milhões de desempregados? De termos mais de 11 milhões de jovens “nemnem”, que não estudam nem trabalham, que futuro os aguarda? Da iníqua distribuição de renda no País; já com uma taxa de homicídios em torno de 30 por 100 mil pessoas – altamente concentrada numa minoria exígua? A que atribuem a progressão da violência no País? Como veem o crescimento desenfreado das cidades, atendendo quase apenas aos interesses de loteadores e construtores? Se puderem manifestarse, que dirão das nossas horripilantes taxas de homicídios (mais de 60 mil mortes por ano) – a que as atribuirão? E a fome diária de 23 milhões de pessoas, estampada na comunicação? Alguém está preocupado em dar-lhe solução? E para os 6,9 milhões de pessoas sem casa nenhuma, própria ou alugada? Para os 12,6 milhões de desempregados e em busca de trabalho? Para mais de cinco mortes em acidentes de trabalho a cada dia? Enquanto isso, o desperdício de comida aqui e em toda parte chega a 1,3 bilhão de toneladas diárias.

Há quem pense que o poder público possa resolver boa parte, pelo menos, dessas dramas. Mas como fará antes para saldar a dívida pública nacional (da União, dos Estados e municípios), que está em mais de R$ 5 trilhões pela primeira vez, ou 75,9% do produto interno bruto (Estado, 31/5). Passaremos todos a trabalhar em dobro? Ou vai-se promover uma redistribuição da renda? Como, se hoje as projeções indicam que o produto interno bruto do País – para o qual se projetava no começo do ano um crescimento acima de 4% – crescerá somente, segundo os mais otimistas, 2% ou pouco mais (Estado, 17/5).

Tudo isso a sociedade precisaria estar discutindo com os candidatos às próximas eleições. Não basta dizer que se é contra a corrupção Nem informar apenas que “é preciso reformar a Previdência”. Que se vai fazer diante da espantosa diferença entre os índices mais altos para a aposentadoria no setor público e muito mais baixos para o setor privado? Que razões justificam isso? Mas é preciso, ao discutir com os candidatos, estar preparado para contrapor razões. Nesse e em outros temas. Um dos mais urgentes é a nossa dependência quase total do sistema rodoviário para passageiros e cargas. Num Estado como Goiás, por exemplo, a queda no transporte de cargas por ferrovias continua muito forte, menos 40% em cinco anos – quando um maquinista pode transportar carga equivalente à levada por 200 caminhoneiros.

O modelo embutido em quase toda a nossa comunicação subentende que a imensa maioria dos nossos meios de informação ou divulgação difunde as notícias que atendem apenas aos seus critérios, sem cogitar do que pensa o seu público e cada um de seus integrantes. Esse modelo de mão única, evidentemente, implica muitas consequências negativas, a começar por não contribuir para formar uma opinião pública que se fortalece e uma consciência social desejável, que faça avançar o desenvolvimento social. Nosso crescimento social dependerá muito do avanço nas duas direções: uma consciência maior do público que é informado e que, nessa medida, apoie uma comunicação que contribua para o avanço real do País e de todos o cidadãos.

(...)