Correio braziliense, n. 20145, 18/07/2018. Política, p. 2

 

Corrida por tempo

Gabriela Vinhal e Bernardo Bittar

18/07/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Partidos abrem guerra em busca de espaço nos programas no rádio e na televisão. Alianças podem levar um presidenciável a ganhar, por exemplo, quase o triplo dos minutos disponíveis pelo partido. Propaganda começa em 31 de agosto

A poucos dias antes do início das convenções, partidos brigam para firmar alianças. Vinte e cinco minutos por dia de tempo de televisão e rádio estão em disputa, além de palanques estaduais e recursos do Fundo Eleitoral. Com as coligações, o período de exibição nos veículos tradicionais chega a triplicar e pode mudar o rumo dessas eleições. Os pré-candidatos Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, saem de 1,5 minuto para 6,5 minutos, no caso do pedetista, e de 2,5 minutos para 7,5 minutos, no caso do tucano, aproximadamente. A propaganda começa dia 31 de agosto e vai até 4 de outubro.

Divididos entre os períodos matutino e noturno — ambos com 12 minutos e 30 segundos —, postulantes à Presidência aparecerão nas terças-feiras, quintas e sábados. Já nomes que concorrerão aos governos estaduais e ao Distrito Federal terão as segundas, as quartas e as sextas-feiras. Os tempos são divididos proporcionalmente às vagas obtidas pelas legendas na Câmara dos Deputados na eleição de 2014. Quando firmadas as alianças, o número é somado aumentando o período total no ar. Segundo estimativa feita a partir de números de consultorias e partidos políticos, o tempo de exibição pode variar, no qual o máximo, por legenda, é de três minutos.

Ainda em negociação, pré-candidatos de legendas maiores buscam apoio das siglas do centrão. O bloco se reunirá nesta quinta-feira para tentar acordo e, finalmente, bater o martelo. Entre as mais disputadas estão o PP, o PR, o DEM e o PSB, que acumulam, respectivamente, 49, 43, 40 e 26 cadeiras no Congresso. Para o cientista político Daniel Falcão, além de conseguir o maior tempo possível, é importante que os presidenciáveis saibam otimizá-lo. “Candidatos precisam de tempo, claro, mas têm que saber muito sobre como usar. Para quem já se garantiu não faz tanta diferença, mas os que estão na ponta, como Marina e Bolsonaro, é importante aumentar as inserções.”

Entre os três representantes ao Planalto mais votados nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro (PSL) se viu obrigado a desistir de fechar acordo com o PR, o que levaria a mais de um minuto. Com o recuou da legenda, o cacique da legenda, Valdemar Costa Neto, pode fechar com PDT, PT, PSDB ou MDB.

O pedetista Ciro Gomes, por sua vez, tenta se unir ao PSB, com quem já avançou nas conversas, com o PP, o DEM e o Solidariedade. Ontem, em um evento no Recife, reforçou o interesse em formar aliança com a pré-candidata pelo PCdoB, Manuela D’Ávila, que ainda não confirmou se seguirá como cabeça de chapa.

Pré-candidato que já conseguiu apoio com mais legendas, Alckmin segue na disputa eleitoral ao lado de PSD, PPS, PTB e PV e conversa com o DEM, o Solidariedade e o PRB — partido que tem recebido também propostas do emedebista Henrique Meirelles (PSDB). Em hipótese mais remota, Alckmin poderia conseguir ainda o apoio do PSB.

Preso desde abril deste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mantém como representante do PT, o que tem dificultado a formação de alianças, por causa da Lei da Ficha Limpa e da hipótese da troca pelo nome do ex-prefeito Fernando Haddad. A sigla negocia com o PR, PSB e, em um discurso de união das esquerdas, com o PCdoB.

O cientista político Thiago Vidal afirma que, apesar dessas eleições sinalizarem novidades, não houve mudança do ciclo político. A internet, para Vidal, não será decisiva, e os veículos tradicionais continuarão como estratégia para ganhar votos. “O apelo das redes sociais nesses últimos anos aumentou. Mas, se analisar os dados, a população ainda se informa e confia mais na mídia tradicional”, analisa.

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O candidato dos violentos

Luiz Carlos Azedo

18/07/2018

 

 

De onde vem a resiliência do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República com Lula fora da disputa? Com toda certeza, vem da violência presente no cotidiano da população, que tem raízes profundas na sociedade brasileira, por causa do nosso passado escravocrata, mas ganhou contornos guerra civil não declarada em razão do tráfico de drogas e da explosiva situação dos presídios brasileiros.

Há outras causas para o enraizamento popular de sua candidatura, como o desemprego escandaloso, que atinge 13 milhões de trabalhadores, e a desestruturação da família unicelular patriarcal em decorrência da revolução dos costumes, mas são temas em disputa eleitoral que não foram monopolizados por Bolsonaro. O tema da violência, não, é dele e ninguém tasca, porque Bolsonaro tem uma proposta de tratamento de choque para o problema: a pena de morte. Ou seja, tratar os criminosos com intensidade igual ou superior à natureza de suas ações, em todos os casos. Música para os violentos.

Ironicamente, o maior legado que o presidente Michel Temer deixará para os seus sucessores é a organização do Sistema Unificado de Segurança Pública (Susp), recentemente criado, cuja implantação está a cargo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Pela primeira vez na história, o governo federal assumirá responsabilidade em relação ao problema em caráter nacional e permanente. Desde a Constituição de 1924, era assunto dos estados, fazia parte da política de conciliação do poder central com as oligarquias regionais.

O combate à violência era uma das bandeiras de Temer para tentar a reeleição, mas o presidente da República foi engolido pelas duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e pelas investigações em curso da Operação Lava-Jato, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Barroso. A economia não cresceu como se esperava e a intervenção federal no Rio de Janeiro, ato de grande repercussão, não deu os resultados que o governo esperava.

A mudança que Temer promoveu foi estrutural e terá resultados a longo prazo, com a criação de um fundo de financiamento do sistema, uma escola de segurança e inteligência e um sistema integrado de dados. Como a abertura comercial feita pelo ex-presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment, somente a longo prazo a mudança será sentida. Mas estarão dadas condições efetivas para que o futuro governo lidere o combate à violência e ao crime organizado, que se tornou um problema de segurança nacional.

Acontece que nenhum candidato, com exceção de Bolsonaro, pretende tratar desse assunto como prioridade. É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais. Vejam o caso do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB). Em 2010, deixou o governo com uma crise nos presídios que arranhou sua imagem de político comprometido com os direitos humanos e a questão social. Agora, encerra o terceiro mandato sem condições de disputar a reeleição, desgastado em razão da crise do sistema de segurança pública capixaba, cujo ápice foi a greve dos policiais militares.

Classes perigosas

Um dos intérpretes do Brasil, o alagoano Alberto Passos Guimarães (1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a estudar o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no rastro dos seus estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.

Na obra As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora Uerj), publicada em 1982, ele fez um diagnóstico preciso do problema: “À violência dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão.”

A “via prussiana” de modernização do país, durante o regime militar, gerou um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela mecanização da agricultura, e despreparado para ser absorvido nos marcos da urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje.

Ironicamente, o Brasil entrou num novo ciclo de ampliação das desigualdades na crise do governo de Dilma Rousseff. Apesar da retórica petista e dos programas de transferência de renda do governo, a recessão ampliou os desequilíbrios demográficos e sociais. Além disso, a crise ética mudou o comportamento social das camadas urbanas, que utilizam códigos ou símbolos morais diferentes para entender e resolver seus problemas. O entendimento do direito à propriedade já não é o mesmo. Os que têm o maior interesse em resguardá-lo não o fazem. E o respeito sagrado inoculado na consciência das classes pobres foi profundamente desgastado, como já advertia Guimarães.