O globo, n. 30964, 17/05/2018. País, p. 3

 

Demitido

Robson Bonin

17/05/2018

 

 

Após O GLOBO revelar contrato com empresa suspeita, presidente do INSS perde o cargo

-BRASÍLIA- Um dia após O GLOBO revelar os negócios milionários do INSS com uma empresa sediada num pequeno estoque de bebidas em Brasília, o governo do presidente Michel Temer demitiu ontem o presidente do órgão, Francisco Lopes. A exoneração do chefe do INSS foi divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, a quem o órgão está subordinado. Além de formalizar a saída de Lopes do cargo, o ministro Alberto Beltrame determinou a abertura de uma sindicância interna para investigar o caso. O Tribunal de Contas da União (TCU) também anunciou ontem que investigará todos os contratos firmados por órgãos do governo com a RSX Informática Ltda.

O deputado federal André Moura (PSC-SE), líder do governo, foi consultado sobre a demissão de Lopes e insistiu para mantê-lo no cargo, mas não convenceu o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil). Por decisão de Temer, o PSC apadrinha a indicação de dirigentes do INSS. Ficou acertado que Moura vai apresentar um novo nome ao órgão.

Sem capacidade para tocar os serviços, a RSX conquistou no mês passado um contrato de R$ 8,8 milhões para vender ao INSS um programa de computador e fornecer treinamento a servidores sobre como utilizá-lo. Ontem, depois de a demissão de Francisco Lopes ter sido confirmada pelo governo, o site do GLOBO publicou um dos principais documentos que permitiram à empresa conquistar contratos na gestão Temer.

O fato de ter só dois funcionários e de estar localizada em uma distribuidora de bebidas não impediu que a RSX recebesse um atestado de capacidade técnica do Ministério do Trabalho. Dona de um contrato de R$ 3,6 milhões com a empresa, a pasta emitiu o documento em 12 de junho de 2013 afirmando que a RSX teria fornecido 66 produtos ao ministério. De posse do documento, o dono da empresa, o empresário do ramo gastronômico Lawrence Barbosa, conseguiu ganhar uma concorrência milionária no Ministério da Integração Nacional e, na sequência, o contrato no INSS.

Apesar de o documento ter sido assinado pelo então gestor de TI do Ministério do Trabalho, Edson Marques, e estar arquivado no site de compras do governo, onde o cadastro da RSX permanece válido, o ministério divulgou ontem nota na qual sugere que o documento pode ter sido emitido sem o conhecimento da cúpula da pasta. “Não há registros no Departamento de Tecnologia da Informação a respeito de qualquer atestado de capacidade técnica emitido” em nome da RSX Informática Ltda. “Entretanto, na condição de gestor contratual, o servidor tinha a prerrogativa para emitir atestados dessa natureza”, diz um trecho da nota, que continua. O GLOBO não conseguiu localizar o servidor.

 

ATESTADO SERÁ INVESTIGADO

Também por meio de nota, o TCU anunciou ontem que vai investigar o contrato de R$ 8,8 milhões firmado entre a RSX e o INSS. Ao abrir sua fala na sessão do tribunal, o ministro Augusto Sherman Cavalcanti comentou a reportagem do GLOBO e prometeu tomar providências. Após expor o caso ao seus pares, o ministro submeteu ao plenário a determinação para que a Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex) realize fiscalização para “desnudar todas as circunstâncias da licitação”.

Será apurado ainda se havia “a efetiva necessidade” de utilização do software adquirido pelos órgãos do governo. O ministro também determinou uma investigação sobre a idoneidade do atestado de capacidade técnica emitido pelo Ministério do Trabalho.

Como o site do GLOBO revelou anteontem, depois de liberar R$ 4,6 milhões à RSX, sem obter serviço em troca, Lopes, admitiu ter autorizado o gasto sem sequer verificar a procedência da RSX.

Um dos donos da RSX Informática, Raul Maia reconheceu não ter condições de produzir o que se comprometeu a entregar.

— A gente compra a licença e revende para o cliente. Além da intermediação, nossa função vai ser a execução do serviço. Nós somos distribuidores da solução — disse.

A ideia de contratar a RSX e pagar a bolada milionária pelo programa surgiu no gabinete do expresidente do INSS. Valendo-se de uma ata de preços, uma modalidade de compra do governo que dispensa licitação, Lopes determinou que a empresa fosse remunerada por um programa capaz de fazer varreduras no sistema do órgão e identificar vulnerabilidades.

Procurado, Lopes não soube dizer de onde saiu a ideia de contratar a empresa e não explicou por que ignorou os alertas da área técnica.

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Atendimento lento nas agências, com déficit de 40%

Monica Pereira

17/05/2018

 

 

Foco central da contratação de uma empresa que deveria fornecer software, mas que tem sua sede em um distribuidora de bebidas, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sofre com uma estrutura sucateada. A falta de servidores para atendimento nas agências — o déficit chega a 40% — retarda a análise de processos e a concessão de aposentadorias e auxílios. Somente nos últimos 12 meses, a superintendência que abrange o Rio e Minas Gerais perdeu 1.200 funcionários.

Quanto mais tempo se leva para liberar o benefício — um direito do contribuinte —, mais dinheiro sai do mesmo cofre, com o pagamento de valores atrasados. Tudo por inoperância do sistema. Quando uma irregularidade é cometida por gestores do INSS, rouba-se o que é de todos. Desviam-se recursos que deveriam amparar quem, de fato, precisa ou um dia vai precisar. E contribui-se para sucatear mais o que já é deficitário.

Sem concursos desde 2015, o instituto suplica ao Ministério do Planejamento uma autorização para fazer um novo processo seletivo. A cada ano, levas de servidores se aposentam, e as vagas não são preenchidas. Centenas de aprovados aguardam, já sem esperanças, uma última convocação. Hoje, vivem a expectativa de que pelo menos 450 sejam chamados ainda este ano em todo o país. Muito pouco, considerando-se que o Brasil tem mais de 1.500 agências.

As agências no Estado do Rio perderam cerca de 600 servidores no último ano. Em período de eleições, a situação agrava-se. É preciso ceder funcionários de uma estrutura já combalida para que a máquina eleitoral funcione. E, mais uma vez, quem paga a conta é o trabalhador que precisa de um benefício

Em meados dos anos 2000, após dezenas de tentativas frustradas de melhorar o atendimento, o governo resolveu o problema das filas nas agências previdenciárias com a criação da central telefônica. Mas os gargalos nunca foram equacionados. A demora entre a data do agendamento e o dia do efetivo atendimento pode chegar a dois meses. E a espera pelo benefício leva até cinco meses.

Para tentar melhorar o cenário, a última tentativa — lançada este ano — prevê a implantação do INSS Digital. A ideia é garantir a liberação de benefícios automaticamente, sem a necessidade de comparecimento às agências, reduzindo a espera pelo atendimento para uma semana e o tempo de concessão para até 45 dias.

Segundo o próprio INSS, atualmente 70% das pessoas que vão aos postos estão em busca de serviços simples, disponíveis na web. Mas o desafio é enorme, num país em que ainda existe um grande analfabetismo digital. E, mais do que isso, faltam informações aos brasileiros sobre seus direitos mais básicos.

O INSS é um órgão do governo federal — antes ligado ao Ministério da Previdência Social — que, no governo de Michel Temer, passou a ser vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. É o responsável pelo pagamento de benefícios previdenciários a 34,6 milhões de pessoas em todo o país, totalizando R$ 42,4 bilhões.

Ao INSS cabe pagar as aposentadorias dos trabalhadores (seja por tempo de contribuição, especial ou por idade) e os benefícios por incapacidade. Nesse caso, incluem-se os auxílios-doença (quando o trabalhador é obrigado a se afastar temporariamente por doença ou acidente) e as aposentadorias por invalidez (para quem não tem condições de voltar à atividade).