O globo, n. 30964, 17/05/2018. País, p. 4

 

Da tormenta no gabinete

Eduardo Bresciani

17/05/2018

 

 

Há exatamente um ano, no dia 17 de maio, reportagem do GLOBO mudou destino do presidente Michel Temer, investigado até hoje

-BRASÍLIA- Na noite do dia 17 de maio do ano passado, o presidente Michel Temer e o ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) discutiam com governadores do Nordeste um alívio na dívida dos estados em troca de ajuda na conquista de votos para a reforma da Previdência. Foi quando dois assessores presidenciais entraram abruptamente na sala.

Geralmente discretos, o secretário de comunicação, Márcio de Freitas, e o secretário de imprensa, Luciano Suassuna, acenavam de forma insistente para Imbassahy. Contrariado, o ministro foi até os assessores, que lhe mostraram a notícia publicada às 19h30m no site do GLOBO, em reportagem de Lauro Jardim e Guilherme Amado. Imbassahy, então, deu a volta na mesa e cochichou no ouvido do presidente:

— A reunião tem que acabar agora! — alertou.

Temendo não ter sido compreendido, fez questão de repetir a frase. Temer compreendeu que algo grave se passava. O presidente encaminhou o fim da conversa. Foram quase dez minutos ainda entre despedidas e fotos com os governadores. Já sem a presença dos convidados, Temer finalmente foi apresentado às acusações que mudaria o rumo do governo.

Ali começava a nova jornada. A gravidade dos fatos revelados pela reportagem fez com que o Planalto passasse a travar uma luta pela sobrevivência, que perdura até hoje. O primeiro ato foi rememorar o encontro com o empresário Joesley Batista no Jaburu. Visivelmente transtornado, Temer garantia que jamais dera aval a uma “compra” do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e dizia lembrar, vagamente, que tinha se falado algo sobre a família do ex-parlamentar.

Duas horas após a notícia, Temer divulgou uma nota curta negando ter solicitado pagamentos a Cunha. No meio da tarde do dia 18, fez seu primeiro pronunciamento.

— Não renunciarei — bradou o presidente, alvo de duas denúncias, uma por corrupção e outra, por obstrução de Justiça e organização criminosa.

A partir daquele momento, o capital político do presidente, fortalecido pela liderança na articulação para depor Dilma Rousseff, passou a ter outra função. Imagens divulgadas do seu exassessor, o deputado Rocha Loures, correndo com uma mala de dinheiro nas ruas de São Paulo agravaram ainda mais o cenário.

Antes dedicado integralmente à agenda das reformas, Temer passou a ser consumido pela busca de votos para enterrar as denúncias de corrupção no plenário. Na semana anterior à revelação das gravações de Joesley, o presidente celebrava um ano de governo. Tentava vender uma imagem de “reformista”. O foco era todo voltado para a economia. O governo tinha conseguido aprovar a PEC do Teto, limitando o crescimento dos gastos públicos. A reforma trabalhista já tinha passado pela Câmara e avançava no Senado. A reforma da Previdência tinha superado a comissão especial, e o calendário previa votação em junho.

 

CARGOS, OBRAS E EMENDAS

A sobrevivência virou pauta única. Presidente da Câmara por três vezes, Temer conhece o Legislativo como poucos. Sabia que precisava atuar em dois campos para conseguir evitar que 342 deputados votassem para autorizar o Supremo a processá-lo. O discurso da continuidade era necessário. Mas o essencial era manter a base satisfeita com a moeda típica da coalizão: cargos, emendas e obras nas bases dos parlamentares.

— Paralisou tudo. Eu compreendi, de imediato, que a negociação da reforma da Previdência acabou. Só voltei a tratar alguma coisa de reforma de novo depois da segunda denúncia — reconheceu o deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos mais relevantes articuladores de Temer na Câmara.

O cenário era extremo. Dois ministros chegaram a sondar um cacique do PSDB com a ideia de derrubar Temer. Abatidos pelas fortes acusações contra Aécio Neves (PSDB-MG), os tucanos mais graúdos resistiram. Com o tempo, o partido rachou. Legendas balançaram. A estratégia do grupo de Temer foi atuar no varejo e conquistar o coração do baixo clero.

Vendo o governo nas cordas, os deputados enxergaram uma oportunidade de conseguir benesses na véspera do ano eleitoral. Um ministro conta que, entre as demandas, houve quem solicitasse a aprovação de uma obra de R$ 300 milhões.

— Teve muito pedido fora da realidade. E a gente tinha que ir contornando — conta, sob a condição do anonimato.

Os ministros políticos pressionavam a área técnica pela liberação de emendas. Em junho e julho foram empenhados R$ 4,2 bilhões, mais de 60% do previsto para o ano. O ritmo caiu em agosto para R$ 200 milhões, depois que, no dia 2 daquele mês, Temer venceu a primeira batalha. Entre setembro e outubro, quando a segunda acusação foi rejeitada no dia 25, o governo empenhou mais R$ 900 milhões.

Vencidas as duas batalhas, Temer já havia empenhado capital político demais para exigir do Congresso a aprovação da impopular reforma da Previdência. Houve até articulações para tentar ressuscitar o tema. Mas com a intervenção do Rio, o assunto foi sepultado. Só as investigações que não sucumbiram.