Correio braziliense, n. 20146, 19/07/2018. Mundo, p. 13
Trump se corrige de novo
19/07/2018
EUA-RÚSSIA » O presidente americano altera mais uma vez declarações anteriores sobre o encontro com o colega Vladimir Putin. Tribunal de Washington tem audiência com uma agente do Kremlin presa no domingo
Pelo segundo dia consecutivo, o presidente Donald Trump voltou a mudar o teor de declarações sobre a suposta interferência russa no sistema político dos Estados Unidos e sobre a reunião de segunda-feira com o colega Vladimir Putin. Depois de ter se alinhado com as acusações dos serviços de inteligência americanos sobre a ingerência do Kremlin na eleição presidencial de 2016, corrigindo afirmações feitas durante a cúpula de Helsinque, Trump voltou ontem a contestar o diretor de Inteligência Nacional, Dan Coates. Indagado por jornalistas, afirmou que a Rússia “não” continua a representar ameaça para os EUA. Horas mais tarde, em nova reviravolta, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, disse que o presidente havia respondido “não” a outra pergunta, e que o governo “ainda acredita que a ameaça existe”.
A nova guinada ocorreu no mesmo dia em que a russa Marina Butina, 29 anos, foi a um tribunal de Washington para uma audiência preliminar. No domingo, ela foi presa sob a acusação de agir como “agente não declarado de um governo estrangeiro” e de “conspirar para se infiltrar” em organizações americanas “para promover os interesses da Federação Russa”, conforme a denúncia apresentada pelo Departamento de Justiça. Protagonista de uma trama envolvendo sexo, armas e espionagem, Butina teve a prisão anunciada na segunda-feira, poucas horas depois do encontro entre Trump e Putin, em Helsinque. Pelas acusações, ela pode pegar uma pena de cinco anos de prisão.
Segundo as investigações, a jovem russa, que publicou nas redes sociais várias fotos com armas em punho, chegou a oferecer sexo em troca de emprego em “uma influente organização” social americana. Os agentes suspeitam que o alvo era a Associação Nacional do Rifle (NRA, em inglês), principal lobby pró-armas nos EUA, que é próxima ao Partido Republicano e apoiou Trump na eleição de 2016.
A porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, disse à imprensa, em Moscou, que a prisão de Butina teve o propósito de “minimizar o efeito positivo” da cúpula de Helsinque. “Dá a impressão de que alguém, com relógio e calculadora, calculou não apenas a data, mas também o horário para que essa história aparecesse ao máximo”, disse a funcionária. “Parece que o FBI obedece abertamente a uma ordem política”, seguiu, mencionando a polícia federal dos EUA.
Assim como ocorreu após a reunião com Putin, as palavras conflitantes de Trump foram novamente alvo de críticas até de congressistas republicanos. “Estou mesmerizado com a afirmação de que ele não acredita que os russos ainda querem interferir (nos EUA)”, disse o veterano senador Lindsey Graham. “Eu acredito que a ameaça é real. Se ele estiver errado e a comunidade de inteligência estiver certa, e se formos atacados porque não nos preparamos, será um terrível legado para ele.”
“A insistência do presidente em negar a realidade do nosso país, que está sendo atacado pela Rússia e por outras forças, levanta questões não apenas sobre a credibilidade de Trump, mas também sobre seu compromisso com a segurança nacional”, declarou o senador Mark Warner, principal representante da oposição democrata na Comissão de Inteligência.
Em meio a um turbilhão de críticas, Trump ainda mostrou fôlego para afirmar que teve “um grande encontro” com o presidente russo e que as relações com Moscou finalmente estariam melhorando, graças a seus talentos diplomáticos. “Nunca houve um presidente tão duro com a Rússia como eu”, disse a jornalistas. No Twitter, vangloriou-se dos demais encontros que teve na Europa, na semana passada, e assegurou que “muitas pessoas, nos mais altos níveis da inteligência”, teriam “adorado” o seu desempenho em Helsinque.
Congressistas democratas movimentavam-se para intimar Marina Gross, a mulher que atuou como tradutora de Trump durante a conversa reservada com Putin na capital finlandesa. Segundo eles, as notas que ela possivelmente tomou durante a reunião poderão dar informações críticas sobre o que ocorreu.
Frase
"A insistência do presidente em negar que o país está sendo atacado pela Rússia levanta questões sobre a credibilidade de Trump e seu compromisso com a segurança nacional”
Mark Warner, senador da oposição democrata
Personagem da notícia
Sexo, votos e armas
As investigações preliminares do FBI (polícia federal dos EUA) apontam que Maria Butina, 29, estava vivendo com um americano de 56 anos, a primeira pessoa do país com quem teve uma “relação pessoal”. Em fotos que postou nas redes sociais, ela é vista com Paul Erickson, ativista político conservador. Segundo os promotores, “em pelo menos uma ocasião” ela teria oferecido sexo a outro indivíduo, “em troca de uma posição em uma organização de interesse especial”. — segundo imprensa americana, um poderoso lobby pró-armas que apoiou Donald Trump na eleição presidencial de 2016.
O Departamento de Justiça alega que a russa trabalhou como agente “sob direção e controle” de um “alto funcionário” do Kremlin, cuja identidade não é mencionada nos autos. Ele teria sido seu treinador e orientador.
Trechos dos autos obtidos pela mídia sugerem uma possível conexão entre a espiã e a disputa pela Casa Branca. “Agora, tudo precisa ser quieto e cuidadoso”, afirmou Butina ao seu contato, em mensagem no Twitter, um mês antes da eleição. Na noite da votação, outra mensagem anunciava: “Vou dormir. São 3h da manhã aqui. Estou pronta para novas ordens”.
Durante a campanha eleitoral, ela e o interlocutor tentaram, sem sucesso, intermediar uma reunião entre Trump e Vladimir Putin. Em um evento de 2015, ela tinha perguntado ao então pré-candidato republicano sua opinião sobre a Rússia. Em 2016, conheceu o filho do atual presidente, Donald Trump Jr, em uma convenção da Associação Nacional do Rifle (NRA).
A imprensa dos EUA acredita que o “orientador” da agente poderia ser Alexander Torshin, vice-diretor do Banco Central da Rússia e ex-senador, ligado ao partido político de Putin. Torshin foi alvo de sanções do Departamento do Tesouro americano em abril. Nas redes sociais, Butina postou fotos ao seu lado.
Fontes citadas pela mídia americana avaliam que o fato de Torshin não ter sido acusado é sinal de que os investigadores estariam trabalhando para garantir a cooperação de Butina contra ele e, possivelmente, outros oficiais russos.