Correio braziliense, n. 20144, 17/07/2018. Política, p. 2

 

O dono da bola

Gabriela Vinhal

17/07/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Valdemar Costa Neto, comandante do PR, é atualmente o político mais cortejado pelos candidatos. Preso no escândalo do mensalão, o cacique tem poder de decisão sobre tempo de TV, fundo partidário, bancada, além de experiência no jogo

A peregrinação pelo apoio do ex-deputado do PR Valdemar Costa Neto aumentou na semana que antecede o início das convenções partidárias. Envolvido em escândalos no passado, Costa Neto é visto como um líder entre os colegas políticos. Informalmente, exerce o comando da legenda. Nestas eleições, presidenciáveis tentam uma possível aliança com o partido, que viria atrelada a mais um minuto e meio de tempo de televisão, reforço político e econômico nos estados e apoio nas bancadas do Congresso.

Pré-candidato ao Planalto, Jair Bolsonaro (PSL) tem mantido negociações com Valdemar, mas membros do PR estão divididos — alguns querem esperar por uma decisão do PT, enquanto outros preferem ir junto aos colegas de centro. Recentemente, o diálogo foi travado por um impasse nas coligações estaduais. Para fechar acordo, o partido do ex-deputado pediu, como condição, apoio nas eleições do Rio de Janeiro e de São Paulo. No entanto, o deputado Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que concorrerá este ano ao Senado, recuou e travou as negociações para o pai.

A fim de tentar definir o futuro da legenda ainda nesta semana, Costa Neto se reunirá hoje com o candidato a governador do Distrito Federal Jofran Frejat (PR) — leia mais na página 17 — e com lideranças do centrão durante o recesso parlamentar. Com uma bancada de peso no Nordeste, principalmente na Bahia e no Ceará, o partido chama a atenção entre os postulantes à Presidência, que terão palanques prontos durante o período eleitoral.

Para o cientista político Thiago Vidal, contudo, a decisão final pode causar um desconforto dentro da legenda, que é dividida entre parlamentares mais de esquerda, de direita e, sobretudo, os evangélicos, que têm peso para mobilizar nanicos a seguirem na mesma direção. “É o caso do PRB, que não deve optar pelo mesmo caminho do PR, porque não gostaria de dividir o espaço político. São de vertentes diferentes e isso travaria um embate. Mesmo não havendo um alinhamento do partido, devem manter harmonia”, analisa.

Atualmente, Costa Neto é apenas um funcionário do PR. Neste momento, segundo a assessoria do partido, sequer é filiado à legenda. Em dezembro de 2013, foi condenado a sete anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão. Depois de quase um ano em reclusão, passou a cumprir prisão domiciliar. No entanto, em maio de 2016 foi solto depois do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, conceder perdão da pena e determinou a expedição de alvará de soltura.

Embora não seja candidato nesta disputa eleitoral, Costa Neto ainda é cortejado por conhecer as estruturas do poder. Segundo o analista político Creomar de Souza, o ex-deputado sabe como a máquina funciona, característica atrativa em um ano decisivo. “Por isso fazem fila para dialogar com ele e entender o rumo que a política está tomando. Tentam antecipar esse movimento e garantir a sobrevivência”, pontua.

Souza afirma ainda que esse é um fenômeno característico da democracia, em que as legendas têm “donos” que não necessariamente possuem mandatos. Souza explica que, assim como José Dirceu se tornou uma figura importante no PT, Costa Neto é dos partidos de centro, sobretudo do PR. “Desde a Lava-Jato, o panorama da classe política mudou. Esse processo fez com que todas as decisões tomadas nos últimos anos focassem nas prerrogativas e privilégios de um mandato. E isso não mudou.”

Segundo o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, Costa Neto exerce tanta liderança e domínio sobre a bancada que nenhum parlamentar toma uma decisão sem antes consultá-lo. “Ele cumpre esse papel desde a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva a presidente, quando negociou apoio integral do partido ao PT”, acrescentou.

O especialista afirma que o PR vai levantar todos os cenários possíveis antes para ter a certeza de que está apoiando uma candidatura vitoriosa. “Se tiverem indicações de que Bolsonaro não ganhará a eleição, migrarão para o candidato que será mais interessante. O partido tem elasticidade, mas tem mais facilidade em seguir com o PT, porque já fez uma aliança que foi boa para o partido”, conclui.

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Quando o sol nasce quadrado

Luiz Carlos Azedo

17/07/2018

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou ontem 100 dias numa cela improvisada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, mantém sua candidatura a presidente da República, apesar de considerado inelegível. A Lei da Ficha Limpa proíbe condenados em segunda instância de concorrerem às eleições. Com essa estratégia, porém, o nome do petista permanece nas pesquisas de intenção de voto e na mídia.

Os advogados de Lula fazem uma guerrilha no Judiciário para tentar livrar o ex-presidente da cadeia. O lance mais audacioso de Lula para manter seu protagonismo foi o pedido de habeas corpus feito por deputados petistas e aceito pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista no Tribunal Regional Federal da Região (TRF-4), que tentou soltá-lo, mas foi impedido por determinação do presidente da Corte, desembargador Thompson Flores. Os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, no qual o petista foi condenado, são o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso no TRF-4. A decisão de Favreto foi considerada “teratológica” pela presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz.

O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice. É um lance ousado, porque afronta ainda mais o Judiciário, mas que leva em conta o rito do processo eleitoral. Nesse caso, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad seria indicado como vice, para vincular seu nome à Lula e substituí-lo como candidato no caso de impugnação do registro da candidatura. Lula tem a seu favor o fato de liderar as pesquisas de opinião, apesar da alta taxa de rejeição. Com isso, reforça o discurso de que está sendo vítima de uma perseguição para impedir no tapetão a sua volta ao poder.

Apesar de condenado por crime comum (receber vantagens indevidas durante o exercício do cargo), Lula se considera um prisioneiro político e organiza uma campanha internacional de solidariedade. O Brasil vive em regime de ampla liberdade, tem um governo constituído legalmente (Michel Temer era vice eleito de Dilma Rousseff) e um calendário eleitoral “imexível”. Como a narrativa do “golpe”, a versão “Lula, preso político” também é falsa.

Hoje, devido às viagens de Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, a ministra Cármen Lúcia assumirá a Presidência da República pela terceira vez. Temer participará de uma cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Cabo Verde e deve retornar ao Brasil amanhã. O ministro decano, Celso de Mello, assumirá a Corte. Ainda não será dessa vez que o vice-presidente do STF, Dias Toffoli, que está no exterior, assumirá a comando do Supremo. Há muita expectativa de que soltará Lula na primeira oportunidade de uma decisão monocrática. Como se sabe, Toffoli concedeu de ofício o habeas corpus que livrou da prisão o ex-ministro José Dirceu.

Enquanto o sol nasce quadrado para Lula, o horizonte político continua encoberto pelo nevoeiro de uma disputa eleitoral que se avizinha. As incertezas começam a repercutir no ambiente econômico, que ainda sente os efeitos da greve dos caminhoneiros e precifica a irresponsabilidade fiscal do Congresso, bem como a falta de popularidade do governo. Após a Copa do Mundo, as articulações para formação das coligações eleitorais foram intensificadas e o PT opera para manter sob sua influência os velhos aliados, mas não há garantia de que os votos de Lula serão transferidos para Haddad.

Saúde

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, suspendeu as novas regras dos planos de saúde, que poderiam levar o consumidor a pagar até 40% do valor de consultas e exames, na forma de coparticipação. O reajuste é considerado “abusivo” em relação à média atual de 30% cobrada pelos planos de saúde. A ministra acolheu pedido de liminar da OAB contra a Agência Nacional de Saúde (ANS). “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados”, escreveu na decisão.

Para Cármen Lúcia, a “tutela do direito fundamental à saúde do cidadão é urgente”, assim como “a segurança e a previsão dos usuários de planos de saúde”. Segundo a ministra, como o direito à saúde está previsto em lei, alterações em sua prestação devem ser objeto de ampla discussão na sociedade. Da forma como foi aprovada, a resolução poderia trazer instabilidade jurídica e incrmento na judicialização no setor.