O globo, n. 30963, 16/05/2018. País, p. 4

 

Petrobras quer R$ 34 milhões de Meurer

André de Souza e Carolina Brígido

16/05/2018

 

 

No julgamento da primeira ação penal da Lava-Jato no Supremo, estatal pede devolução de valores desviados

-BRASÍLIA- Três anos depois de receber as primeiras investigações da Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar ontem a primeira ação penal sobre o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. O julgamento deve ser concluído na próxima semana, quando a Segunda Turma, formada por cinco ministros, decidirá se condena ou absolve o deputado Nelson Meurer (PP-PR) e seus dois filhos, acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No primeiro dia de julgamento, fizeram sustentação oral advogados e a Procuradoria-Geral da República (PGR). O advogado da Petrobras, André Tostes, pediu que os três réus sejam condenados a pagar pelo menos R$ 34,2 milhões à estatal. Esse foi o valor supostamente desviado da empresa que foi para os bolsos do parlamentar e sua família.

— A fixação do montante mínimo, de R$ 34,2 milhões em favor expresso e exclusivo à Petrobras, é medida consectária da sua personificação jurídica que indica claramente que o prejuízo suportado pelos desfalques foi exclusivamente dela. Os recursos da Petrobras foram a fonte do dinheiro que proporcionou aos réus uma verdadeira fortuna — disse Tostes.

A subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio defendeu a condenação dos réus:

— O acusado e vários outros denunciados receberam propina em troca da atividade parlamentar. Houve o ato de mercanciar a própria atividade parlamentar, de negociar sua própria função. O acusado recebeu dinheiro para indicar Paulo Roberto Costa para o cargo de diretor de Petrobras e recebeu dinheiro durante anos consecutivos para mantê-lo no cargo.

 

DEFESA DESQUALIFICA O RÉU

O advogado de Meurer, Alexandre Jobim, disse que faltavam provas para justificar uma condenação ao seu cliente.

— O fato de participar do grupo político do PP não é suficiente para afirmar que ele desviou R$ 357,9 milhões. A Petrobras tem razão em pedir ressarcimento, porque ela foi lesada, mas não foi lesada por Nelson Meurer — declarou, completando: — Nelson Meurer não era da cúpula em 2004. Ele era amigo de José Janene. Ele está sendo condenado pela amizade de um falecido.

Para defender o deputado, o advogado Michel Saliba lançou mão de um argumento inusitado. Alegou que seu cliente era rude, de “educação difícil” e que sorri pouco. Como líder do PP, ele nem marcava audiência nos ministérios para os deputados da bancada, disse o defensor. Ainda segundo Saliba, Meurer nunca foi presidente de uma comissão importante ou relator de algum projeto relevante em 24 anos de mandato. De acordo com o raciocínio do advogado, Meurer não tinha influência suficiente para auxiliar no desvio de tanto dinheiro da Petrobras:

— Nelson Meurer não tinha e até hoje não tem o estofo para figurar dentre os líderes do PP. Nelson Meurer é um deputado municipalista que se elege através de emendas. Ele permaneceu por apenas seis meses na liderança do partido. Em 24 anos, seis mandatos, presidiu uma única comissão parlamentar, a de Agricultura, durante um ano. Foi relator de algum projeto importante na Câmara? Não. Foi membro de alguma comissão importante da Câmara? Não.

Ontem, o relator do processo, ministro Edson Fachin, e o revisor, Celso de Mello, votaram apenas em questões preliminares — argumentos técnicos da defesa para tentar arquivar o processo antes mesmo do julgamento. Os advogados alegaram que tiveram a defesa cerceada pela concessão de prazo menor do que o devido e também pela negativa do relator na realização de perícias. Os ministros rejeitaram os pedidos.

Na próxima terça-feira, os outros três integrantes da Segunda Turma vão votar nas questões preliminares. Se elas forem negadas, o que deve acontecer, o colegiado começará a analisar as provas para julgar os réus.

Na discussão, os ministros devem abordar pontos chaves da Lava-Jato. Como se doações eleitorais podem ser consideradas sempre lícitas ou se podem ser uma forma de escamotear o recebimento de propina. Também será definido o peso das delações premiadas entre as provas de um processo.

Outra questão a ser debatida é o crime de lavagem de dinheiro. Alguns ministros, como Gilmar Mendes, defendem que, em alguns casos, a lavagem não pode ser considerada um crime autônomo, e sim a parte final do ato de receber propina.

Segundo as investigações, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e a cúpula do PP receberam, entre 2006 e 2014, R$ 357,9 milhões em recursos desviados de contratos de empreiteiras com a estatal. Desse total, R$ 62,1 milhões eram guardados em um “caixa de propinas” administrado pelo doleiro Alberto Youssef. Um dos maiores beneficiados com o esquema de desvios teria sido Meurer. No período, ele recebeu R$ 29,7 milhões. A quantia teria sido dividida em 99 repasses de R$ 300 mil mensais.

Segundo a denúncia, Meurer também obteve, em 2010, “repasses extraordinários” para financiar sua campanha à reeleição na Câmara. Por meio de Youssef, teriam sido entregues R$ 4 milhões em espécie ao deputado. Além disso, a construtora Queiroz Galvão transferiu R$ 500 mil a Meurer em dois repasses, a título de doação para a campanha. Para a PGR, tratava-se de “propina disfarçada de doação eleitoral oficial”.

A PGR pediu que os três devolvessem aos cofres públicos os R$ 357,9 milhões desviados. Ela também quer que o grupo pague danos morais à União no mesmo valor, no mínimo. As cifras seriam acrescidas de juros e correção monetária.

Em troca da propina, Meurer e a cúpula do PP teriam apoiado a nomeação de Costa para a diretoria da Petrobras e garantido sua permanência.

 

OUTROS PARLAMENTARES RÉUS DA LAVA-JATO NO STF

AÉCIO NEVES PSDB-MG

Embora o STF não reconheça o processo do senador como da Lava-Jato, a origem da denúncia é um desdobramento da operação: tornou-se réu por corrupção passiva e obstrução de Justiça depois de ter sido acusado pela PGR de receber R$ 2 milhões de Joesley Batista, da JBS.

FERNANDO COLLOR PTC-AL

O senador e ex-presidente da República é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa. Ele teria recebido mais de R$ 30 milhões em propina por negócios da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.

GLEISI HOFFMANN PT-PR

A senadora tornou-se ré por corrupção e lavagem de dinheiro por recursos desviados da Petrobras. Segundo o MPF, Gleisi teria recebido R$ 1 milhão em propina para sua campanha de 2010 em operação intermediada por seu marido, Paulo Bernardo.

ROMERO JUCÁ PMDB-RR

O senador foi o primeiro político denunciado em decorrência da delação da Odebrecht. Ele é acusado de receber propina de R$ 150 mil como doação eleitoral para favorecer a empreiteira em duas MPs que estavam no Congresso em 2014.

VALDIR RAUPP PMDB-RO

O senador é acusado de obter vantagens indevidas por meio de doação oficial ao diretório do PMDB de Rondônia. Ele teria acordos com o então presidente da Transpetro em 2008, Sérgio Machado. Raupp é investigado pelo recebimento de R$ 500 mil desviados da Petrobras.

LUIZ FERNANDO FARIA PP-MG

O deputado é acusado junto a outros políticos do PP — José Otávio Germano (RS), João Pizzolatti (SC) e Mario Negromonte (BA) — de receber propina de contratos entre empreiteiras e a diretoria de Abastecimento da Petrobras entre 2006 e 2014.

JOSÉ OTAVIO GERMANO PP-RS

Réu no mesmo processo de Faria. De acordo com a PGR, os negócios do grupo do PP eram fechados em valores superfaturados e pagos pelas empresas aos políticos para manter o esquema na Petrobras, com aval do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, indicado pelo PP.

ANÍBAL GOMES PMDB-CE

O deputado é réu por corrupção nas modalidades ativa e passiva e também por lavagem de dinheiro. Foi acusado de receber R$ 3 milhões como contrapartida por interferências em um contrato da Petrobras. A denúncia foi aceita por unanimidade no Supremo.

VANDER LOUBET PT-MS

A PGR afirma que o deputado recebeu pelo menos R$ 1 milhão em repasses operados por Pedro Paulo Bergamaschi de Ramos, por meio de empresas do doleiro Alberto Youssef, entre 2012 e 2014. É acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.