O globo, n. 30963, 16/05/2018. Economia, p. 21
Movimento global
Ana Paula Ribeiro e Gabriel Martins
16/05/2018
Alta do dólar pressiona moedas de países emergentes. No ano, real tem 3º pior resultado
-SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA- A economia americana aquecida é uma notícia ruim para os países emergentes neste momento. Os sinais cada vez mais concretos de que os Estados Unidos vão crescer mais do que o esperado têm feito o dólar se fortalecer em escala global, e as moedas das economias emergentes são as que mais sofrem. No ano, o peso argentino amarga a maior queda, seguido pela lira turca, o real e o rublo. No mercado de câmbio brasileiro, o dólar comercial subiu ontem 0,93%, a R$ 3,662, a maior cotação desde abril de 2016. A proximidade das eleições presidenciais deve agravar essa situação. O governo busca tranquilizar os investidores. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, ressaltou que a alta do dólar é um movimento global, que atinge especialmente os países emergentes. Segundo ele, com a situação das contas externas favorável, a melhor resposta a ser dada nesse cenário é o governo continuar trabalhando no processo de consolidação fiscal.
— O que o Brasil precisa fazer para poder atravessar qualquer momento de maior dificuldade no futuro é avançar na consolidação fiscal. Esse é o desafio do país — afirmou Guardia.
Para Maurício Molan, economista-chefe do Santander, o atual patamar do dólar, que ontem encostou nos R$ 3,70 — a máxima do dia foi R$ 3,693 —, reflete um certo pânico dos agentes do mercado:
— A moeda brasileira está mudando de patamar, mas, nesse processo, há um overshooting. Ou seja, antes de se estabilizar perto de R$ 3,50, ela vai passear em um patamar mais alto, porque reflete o nervosismo do mercado e um componente de pânico.
DÓLAR TURISMO PASSA DE R$ 4
Nas casas de câmbio, o dólar turismo superou os R$ 4, no caso do cartão pré-pago, já com o Imposto sobre Operações Financeiras, ficando em torno de R$ 4,04. Em espécie, variou entre R$ 3,80 e R$ 3,89.
Mais uma vez, as inquietações vieram dos Estados Unidos: logo pela manhã, dados sobre o desempenho melhor do que o esperado do varejo americano reforçaram os sinais de aquecimento da economia. Como isso pressiona a inflação, aumentaram as apostas de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) eleve sua taxa básica de juros mais do que o previsto anteriormente — o que fez o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro americano atingirem 3,09%, o maior patamar desde julho de 2011. Na esteira desse movimento, o Dollar Index, da Bloomberg, que mede a divisa frente a uma cesta de dez moedas, subiu 0,68%.
Os juros maiores nos EUA tendem a atrair mais investidores, que retirariam recursos de mercados emergentes, de rendimento maior, mas de risco mais elevado. Além disso, no Brasil a taxa básica vem caindo: hoje, o Banco Central anuncia sua decisão sobre a Selic. Analistas projetam corte de 0,25 ponto, para 6,25%, que deve ser o último do ano.
Para Molan, o BC entende que não há fundamentos para o real estar se depreciando tanto e, por isso, tem atuado de forma mais moderada, com a rolagem de contratos de swap cambial (que equivalem a uma venda no mercado futuro) que vão vencer à emissão líquida de, no máximo, US$ 3 bilhões neste mês. Nos cálculos do Santander, apenas em três ocasiões, em termos reais, o dólar ficou acima de R$ 3,70: na maxidesvalorização de 1999; na primeira eleição de Lula, em 2002; e durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
— Eram momentos em que os fundamentos eram piores. Estávamos em momento de crise. Não é o que temos hoje — disse Molan.
Além da pressão sobre a moeda, há uma forte volatilidade. Após encostar nos R$ 3,70, o dólar recuou, sinal de que os exportadores aproveitaram a cotação elevada para vender moeda. Segundo Carlos Soares, analista da corretora Magliano, teria havido uma correção técnica.
Argentina e Turquia têm sofrido oscilações mais fortes. Ambos os países têm forte dependência de financiamento externo. A Argentina teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto na Turquia declarações do presidente Recep Tayyip Erdogan levaram o dólar a um patamar recorde frente à lira turca: 4,4475. Erdogan disse que, se reeleito no mês que vem, terá uma atuação mais forte sobre a política econômica. Analistas temem ingerência sobre juros e câmbio.
Colaborou Madson Gama, estagiário, sob a supervisão de Luciana Rodrigues