O globo, n. 30963, 16/05/2018. Economia, p. 23

 

Reforma trabalhista vale para todos os contratos, diz parecer do ministério

Geralda Doca e Marcela Sorosini

16/05/2018

 

 

Para especialistas, texto não influenciará as decisões dos juízes do Trabalho

-BRASÍLIA E RIO- Na tentativa de esclarecer dúvidas sobre a abrangência da reforma trabalhista, o Ministério do Trabalho publicou ontem no Diário Oficial da União um parecer afirmando que a nova legislação vale “de forma geral, abrangente e imediata” para todos os contratos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), inclusive os assinados antes de 11 de novembro de 2017, quando as novas regras entraram em vigor. A medida foi o último recurso do governo diante da falta de clima no Congresso para aprovar propostas do Executivo. O assunto era tratado na medida provisória (MP) 808, que não foi votada e perdeu validade no fim de abril. Um dos artigos deixava expresso que a reforma se aplicava a todos os contratos vigentes.

De acordo com o parecer, elaborado pelo departamento jurídico do Ministério do Trabalho e que funciona como uma representação da AdvocaciaGeral da União (AGU), com a caducidade da MP, no fim de abril, restou uma lacuna acerca da aplicabilidade da reforma. Na conclusão, o procurador federal Ricardo Leite diz, no entanto, que a MP estabelecia de forma explícita a abrangência da reforma “apenas a título de esclarecimento”.

 

PARECER VAI NORTEAR ATUAÇÃO DE FISCAIS

No relatório, ele cita posicionamentos de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que não se pode confundir direito adquirido com expectativa de direito. Afirma ainda que os contratos de trabalho são relações de trato sucessivo, em que as obrigações se renovam periodicamente. E que, por isso, devem ser enquadrados na nova lei.

A publicação do parecer é uma forma de o governo se antecipar ao TST, que criou uma comissão específica para tratar da abrangência da reforma. Mas, como o prazo para a conclusão dos trabalhos foi adiado, tudo indica que o Tribunal não decidirá sobre o tema antes de agosto. Alguns pontos da reforma, como as custas processuais (honorários advocatícios) que devem ser arcados pelos trabalhadores e o fim do imposto sindical obrigatório também estão sendo questionados no STF.

Assinado pelo ministro do Trabalho, Helton Yomura, o parecer tem caráter vinculante no âmbito do ministério e vai nortear a atuação dos fiscais. A intenção do governo é ampliar a orientação às estatais, em um ato semelhante do Ministério do Planejamento, a ser publicado posteriormente.

Com a caducidade da MP, o governo, que antes pensou em regulamentar pontos da reforma via decreto presidencial, mudou de ideia. A orientação do Executivo é esfriar a discussão para não se indispor com a base na Câmara dos Deputados. A exceção são os trabalhadores intermitentes. Neste caso, está em discussão editar um decreto para definir como ficam as regras (inclusive previdenciárias) da categoria. O Ministério pode editar portarias para esclarecer outros pontos pendentes que caíram com a MP 808, como as atividades de gestantes.

Depois da publicação do parecer, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou nota em que afirma que o parecer “tem efeito vinculante apenas para a administração pública federal, na esfera do Poder Executivo, não influenciando em nenhum aspecto, a atuação dos juízes do Trabalho”. A associação defende que, após a MP 808 caducar, cabe aos tribunais do trabalho definir as consequências nos contratos firmados antes da nova lei.

Para Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em Direito do Trabalho e professor de pós-graduação da PUC-SP, a questão não está definida:

— A manifestação do ministério só poderia se referir aos contratos iniciados e terminados no período da nova lei. Não faz sentido usar novos parâmetros para os contratos que começaram e acabaram antes da reforma, ou mesmo os que começaram antes da reforma e terminaram com a lei em vigor.

A advogada e especialista na área trabalhista Renata Bonet avalia que a mudança não será acolhida facilmente pela Justiça:

— Há uma resistência dos juízes em aplicar a reforma, ainda mais de forma retroativa. A Justiça busca proteger o empregado. O que a gente percebe é que as novas regras só serão aplicadas em contratos daqui para frente.