O globo, n. 30977, 30/05/2018. País, p. 9

 

Fórum debate papel do judiciário na constituição

30/05/2018

 

 

Magistrados discutem impacto de decisões da Justiça na sociedade

A forma como a Constituição Federal determinou o funcionamento do Judiciário incentivou o ativismo judicial, quando as decisões da magistratura podem afetar atribuições dos demais poderes, o que tem gerado insegurança jurídica no país, na avaliação do ministro Antonio Saldanha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

— Nós estamos vivenciando o exercício do ativismo de forma descontrolada. No nosso país, mais de 17 mil juízes podem aplicar o direito ao caso concreto de acordo com seu senso pessoal de justiça. E isso está nos trazendo decisões desencontradas e afetando a segurança jurídica, que é o que causa mais preocupação — afirmou o ministro, durante o fórum “O Rio de Janeiro e os 30 anos da Constituição Federal”.

Segundo ele, no Brasil permite-se que juízes de todas as instâncias exerçam o controle das cláusulas da Carta Máxima, apesar de haver o Supremo Tribunal Federal, que seria a Corte constitucional. É um modelo semelhante ao dos Estados Unidos. Lá, porém, os magistrados têm uma forte vinculação com precedentes da Suprema Corte, o que não ocorre aqui, afirmou Saldanha. Em outros países, como a Alemanha, o controle constitucional é exercido apenas pela Suprema Corte, o que reduz o número de decisões desencontradas.

— A Constituição Federal surgiu depois de um período grande de ausência de liberdade democrática, e, depois de muito tempo de autoritarismo, ela foi concebida numa ânsia bastante acentuada de direitos e liberdades. Paralelamente a isso, a Constituição adotou cláusulas abertas, sem conteúdo objetivo limitado — detalhou.

O ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, analisou o impacto da transmissão ao vivo da mídia nos julgamentos de grande repercussão e se elas têm poder para influenciar o magistrado.

Segundo ele, esse tema passou a ser bastante debatido no mundo nos últimos anos, mas ainda há poucas conclusões. Salomão, porém, disse que não há por que deixar de transmitir os julgamentos nas supremas cortes.

— Aqui, nós não tivemos um caso específico (sobre as transmissões ao vivo) decidido em Tribunais Superiores — afirmou o ministro.

 

DECISÃO SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

O fórum, mediado pelo colunista do GLOBO Ascânio Seleme e pelo editor-executivo Diego Escosteguy, analisou como os magistrados têm decidido sobre as políticas públicas implementadas pelo Poder Executivo e até que ponto esse controle deve ser feito pelo Judiciário, sem invadir a prerrogativa de outro poder.

O ministro Benedito Gonçalves, do STJ, lembrou que a amplitude dessas decisões foi testada nos anos seguintes à promulgação da Constituição, depois que o ex-presidente Fernando Collor de Mello determinou o confisco das poupanças, e o Judiciário concedeu liminares às pessoas que dependiam dos recursos para uma cirurgia ou perderiam um financiamento imobiliário por causa da ação do governo.

— Uma reflexão que temos que fazer é que os juízes têm a obrigação de prestar jurisdição e o compromisso social dentro dos nossos limites, tanto dos controles dos atos regulados, como da legalidade — disse Gonçalves, ao argumentar a favor do poder dado pela Constituição ao Judiciário para controlar as políticas públicas.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), desembargador Milton Fernandes de Souza, analisou o funcionamento dos tribunais estaduais após os 30 anos da Constituição e disse que as regras são muito claras, mas a atual situação de crise do estado coloca novos desafios às atribuições da Justiça.

— Cada estado tem sua peculiaridade. No estado do Rio, estamos sob o regime de recuperação fiscal, e isso causa problemas que temos que resolver. Por exemplo, há ação que determina repasse 12% do orçamento para a saúde e outra ação que determina o repasse de um percentual para a educação. Está na Constituição. Mas isso, se somar tudo, é impossível, e esse é um reflexo das decisões judiciais, que têm que ser muito pensadas.

O corregedor-geral do TJ-RJ, desembargador Cláudio Mello Franco, afirmou que os magistrados brasileiros são mais produtivos comparados aos da Europa, mas ainda assim não conseguem atender o enorme volume de ações judiciais novas que chegam aos tribunais.

— Cada juiz brasileiro recebe, em média, 1.775 casos novos por ano. Sem falar dos picos de média de 2.900 processos em estados como Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em Portugal, cada juiz recebe apenas 379 casos por ano; na Itália, 667; e na Espanha, 673. Em termos numéricos, o juiz brasileiro tem o dobro da carga horária de trabalho do juiz europeu — disse o corregedor.

Mello disse que a Justiça tem, hoje, cerca de 109 milhões de processos sob análise.

— Todo conflito de interesses deságua na Justiça, como convém a uma sociedade democrática — concluiu.