Correio braziliense, n. 20141, 14/07/2018. Política, p. 3

 

Eleição embala pautas-bomba

Alessandra Azevedo

14/07/2018

 

 

No Congresso, mesmo partidos aliados do presidente Michel Temer contrariam orientação do Planalto e votam a favor de medidas que aumentam gastos públicos, sem Levar em conta impacto das decisões no Orçamento

Neste ano, a preocupação dos parlamentares cujos mandatos acabam em dezembro é uma só: reeleição. Para conquistar o objetivo, eles estão dispostos a aprovar matérias que agradam parte do eleitorado, mas colocam as contas públicas ainda mais no vermelho. As chamadas “pautas-bomba”, que incluem isenções a diversos setores da economia e garantias de reajustes acima do que os cofres públicos conseguem suportar, custarão até R$ 100 bilhões nos próximos anos.

O consultor político e professor da Universidade Católica de Brasília Creomar Souza afirma que os parlamentares não se importam com o aumento de gastos públicos por que não têm nada a perder. De acordo com Souza, eles não pensam duas vezes antes de firmar “relações de promiscuidade com setores de empresários e servidores, que resultarão em uma conta impagável”. Na terça-feira, por exemplo, para agradar as indústrias de refrigerante da Zona Franca de Manaus, o Senado revogou um decreto presidencial que aumentava a arrecadação do setor. A medida custará R$ 1,78 bilhão por ano, caso passe também pela Câmara dos Deputados.

A menos de três meses do primeiro turno das eleições, nem os aliados do presidente Michel Temer no Congresso demonstram constrangimento ao aprovar matérias que contrariam a orientação do Palácio do Planalto — e que, comprovadamente, terão altos impactos fiscais e orçamentários. “A lógica do parlamentar é que, aprovando mais gastos e isenções, ele ganha eleitor e não perde nada, porque não é ele que paga a conta. Se o governo não cumprir meta fiscal ou regra de ouro, o problema não é dele”, explicou o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Bancadas infiéis

Outro sinal claro de pouca preocupação com o gasto público foi dado durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019, na última quarta-feira, em sessão do Congresso.

Em alguns casos, 15 minutos de pressão no plenário foram suficientes para que bancadas aliadas do governo desistissem de apoiar a proibição de reajustes salariais aos servidores públicos no ano que vem, que constava da proposta do Executivo.

Esse foi o tempo que o DEM, por exemplo, levou para mudar a orientação aos deputados. O PR liberou a bancada para votar como quisesse 20 minutos após ter orientado contra o destaque que liberaria o aumento de gastos. O PP e o MDB, do presidente Michel Temer, sugeriram inicialmente o voto a favor da proibição do aumento dos salários, mas voltaram atrás. “Os deputados estão pedindo. E a liderança refaz o que a bancada quer: muda a orientação”, justificou o deputado Arthur Lira (PP-AL), líder da bancada. Segundo ele, foi uma forma de “ajudar no quórum” para “se livrar logo dessa votação”. Até o PSDB, que sempre defendeu o ajuste fiscal, liberou os parlamentares da legenda.

Outras pautas-bomba foram aprovadas facilmente nas últimas semanas, inclusive, pelas duas Casas, como o perdão de dívidas tributárias de produtores rurais, que custará R$ 13 bilhões ainda em 2018. A situação pode piorar caso outros benefícios fiscais sejam levados adiante em agosto, após o recesso, como a proposta de compensar os estados pela desoneração das exportações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), medida que tem o potencial de retirar R$ 39 bilhões por ano dos cofres públicos.

Por não ter efeitos positivos comprovados, esse tipo de política é considerada eleitoreira por especialistas, além de desrespeitar recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), que têm constantemente alertado para o prejuízo da renúncia de receitas. Isenções e desonerações impediram o governo de arrecadar R$ 354,7 bilhões em 2017, segundo a Corte. Os pré-candidatos à Presidência da República, que deveriam se preocupar com os próximos orçamentos, não se manifestam, mesmo sabendo que, com a faixa presidencial, um deles assumirá a responsabilidade de colocar a casa em ordem. Para os presidenciáveis, a lógica é diferente da dos parlamentares: opor-se às pautas é uma atitude impopular, mas apoiá-las significaria colocar a corda no próprio pescoço. “Na dúvida, se mantêm em silêncio”, explicou Praça.

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Campo minado à frente

Rosana Hessel

14/07/2018

 

 

O próximo presidente da República vai ter que usar o capital político logo no início de mandato para barrar ou amenizar os impactos fiscais das pautas-bomba em discussão no Congresso Nacional, de acordo com especialistas. A situação atual das contas públicas já é ruim, pois o governo federal deverá registrar rombo fiscal de R$ 159 bilhões neste ano e de R$ 139 bilhões no ano que vem, quando o risco de descumprimento da regra de ouro e da regra do teto —, ambas previstas na Constituição, buscando trazer certo equilíbrio nas contas públicas —, é elevadíssimo.

“A sustentabilidade do teto de gastos não está garantida em 2019 e essa pauta-bomba vai estourar, não há dúvida. Para evitar isso e conseguir governar, o próximo presidente precisará apresentar uma proposta de reforma da Previdência logo no primeiro dia de mandato, em 2 de janeiro”, avaliou o economista-chefe da Corretora Spinelli, André Perfeito. “Ela precisará ser bem ampla, para todos: servidores, militares e trabalhadores do setor privado. Sem isso, o problema vai ser bem sério.”

Ao encaminhar a reforma previdenciária, na avaliação de Perfeito, o próximo governo conseguirá “comprar tempo” para a trajetória da dívida pública, que é crescente, e, assim, evitar que o quadro piore ainda mais para os próximos governantes. “A curto prazo, as contas não fecham”, resumiu. A dívida pública bruta já está em 77% do Produto Interno Bruto (PIB), pelas contas do governo, patamar bastante acima da média de 48% do PIB dos países emergentes.

Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, lembrou que uma avalanche de aumento de gastos, que contaminou o Orçamento da União, também ocorreu em 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff estava perto de sofrer processo de impeachment.

“As pautas-bomba costumam acontecer quando o Poder Executivo está muito enfraquecido. Mas o próximo presidente, no primeiro ano de mandato, não terá o questionamento da legitimidade, e, portanto, terá força para encaminhar ao Congresso a agenda de reformas para conseguir barrar essas iniciativas. Terá capital político para isso”, explicou Borges. “Mas ele não poderá perder tempo. Precisará fazer as articulações logo após o resultado das urnas, durante o período de transição de governo”, aconselhou.

A série de projetos que já foram aprovados ou que estão sendo apreciados pelos parlamentares podem gerar despesas de R$ 60 bilhões a R$ 100 bilhões, sem contrapartida de receita. É o caso da criação de mais 300 municípios e da compensação dos governos estaduais pela isenção de ICMS nas exportações. Só a compensação pode custar à União até R$ 39 bilhões, pelas contas de especialistas.

Outra proposta polêmica prevê a prorrogação dos subsídios concedidos para os estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, que vencem neste ano e geram uma despesa anual superior a R$ 9 bilhões. Se forem renovados pelo mesmo prazo da Zona Franca de Manaus, recentemente prorrogado, poderá valer até 2037. Mas, a partir do próximo ano, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso na última quarta-feira, o prazo para novos subsídios será mais limitado, de até cinco anos, melhorando a previsibilidade de gastos.