O globo, n. 30977, 30/05/2018. Economia, p. 26

 

Intervenção é ‘do século passado’, diz general

Manoel Ventura, Karla Gamba e Geralda Doca

30/05/2018

 

 

Ministro do Gabinete de Segurança Institucional afirma que ninguém nas Forças Armadas pensa em golpe

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, considerou ontem que intervenção militar é “um assunto do século passado”, e que nenhum militar das Forças Armadas está “pensando nisso”. Etchegoyen é general da reserva e um dos principais auxiliares do presidente Michel Temer. Cartazes e faixas pedindo intervenção militar para derrubar o governo foram vistos com alguns grevistas no movimento dos caminhoneiros.

— Vivo no século XXI e o século XXI está divertidíssimo. Meu farol é muito mais potente que o retrovisor. Não vejo nenhum militar, Forças Armadas pensando nisso (intervenção militar), não conheço, absolutamente — disse o ministro, quando perguntado sobre o que pensa de faixas e cartazes pedindo a “intervenção militar” na paralisação dos caminhoneiros.

Etchegoyen faz parte do gabinete de crise montado pelo governo para acompanhar o movimento dos caminhoneiros e participou da entrevista sobre a paralisação, no Palácio do Planalto.

— Absolutamente, é um assunto do século passado, uma pergunta em que não vejo mais nenhum sentido — disse o ministro.

Para ele, é preciso saber por que algumas pessoas pedem a volta de governos militares.

— O que eu sugiro é saber por que chegamos a isso. Quando nós estudamos álgebra, íamos atrás do X e do Y. Tem uma incógnita nessa questão que é: por que chegamos a isso? Por que chegamos a uma situação em que parte da sociedade acha que isso é uma solução razoável, sobre a mesa? (...) Não busquem encontrar problema onde ele está eliminado.

 

ALERTA PARA INFORMAÇÃO FALSA

Já o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Nivaldo Rossato, assinou um comunicado para alertar a todos os integrantes da Força, militares e civis, sobre o crescimento de notícias “falsas e tendenciosas” que estão sendo divulgadas nas mídias sociais, durante a crise de desabastecimento pela qual passa o país por causa da greve dos caminhoneiros. No texto, Rossato aconselha seus subordinados a serem críticos antes de aceitar qualquer informação como verdadeira. Ele também aconselha a tropa a procurar os canais oficiais de comunicação.

“Há muita informação falsa ou tendenciosa sendo divulgada, e devemos ser críticos antes de aceitá-las como verdadeiras. Devemos nos manter atentos e atualizados, e para isso reforço que deem prioridade aos nossos canais institucionais de informação, pois será por meio deles que divulgaremos qualquer orientação complementar”, afirma Rossato no comunicado.

No texto, o comandante destaca o compromisso das Forças Armadas “em servir ao país e ao povo brasileiro”. Segundo relatos de pessoas ligadas à Força, o comandante tem feito reunião com oficiais para alertar sobre o discurso de grupos radicais que pregam uma intervenção militar para debelar a crise. O movimento dos caminhoneiros foi engrossado por manifestantes que defendem diversas bandeiras. A ordem do comandante é para que seus militares fiquem longe disso. “Uma intervenção não interessa à Força”, disse um interlocutor.

 

TEMER DIZ NÃO VER RISCO

Já o presidente Michel Temer, em entrevista à imprensa estrangeira durante um fórum de investimentos em São Paulo, afirmou que “não há risco” de “intervenção militar” em decorrência da paralisação de caminhoneiros, que chegou ao nono dia. Após sua participação na abertura do Fórum de Investimentos Brasil de 2018, Temer disse que a redução do preço do óleo diesel, anunciada pelo governo como parte das medidas para tentar acabar com a greve, não irá reverter as reformas realizadas pela Petrobras para garantir a independência da estatal. Durante sua palestra no evento, organizado pelo governo federal e pelo Banco Interamericano de Investimento, Temer chegou a afirmar que age com “autoridade” para preservar a ordem:

— Àqueles que rejeitam o diálogo e tentam parar o Brasil, nós exercemos autoridade para preservar a ordem e os direitos da população. Mas, antes disso, o diálogo é fundamental para o exercício do que a Constituição determina: ou seja, a democracia plena no nosso país.

Temer esteve acompanhado no evento de seis ministros, entre eles Aloysio Nunes, das Relações Exteriores. Na entrada do auditório do evento, os participantes foram proibidos de entrar com tampas de garrafas d’água e de suco que eram distribuídas no local. Seguranças alegavam que poderiam ser atiradas no presidente.

Mesmo com o anúncio de um acordo feito pelo governo no último domingo, pelo menos 17 estados e o Distrito Federal mantinham manifestações no nono dia de paralisação dos caminhoneiros contra o preço do combustível. A Associação Brasileira de Comércio Exterior estimou que, como resultado da paralisação, deixou de exportar US$ 1 bilhão em produtos.

Na segunda-feira à tarde, Temer chegou a afirmar que tinha “absoluta certeza” de que em um ou dois dias a greve cessaria. O presidente se comprometeu a baratear o diesel em R$ 0,46 por 60 dias, mas motoristas ainda mantêm protestos em vias do país. A polícia e as Forças Armadas escoltam veículos com alimentos e insumos, que já começam a chegar em maior quantidade aos centros de distribuição e centros comerciais.

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Em três estados, fazendeiros e associações deram suporte a grevistas

Patrick Camporez

30/05/2018

 

 

Produtores admitiram que forneceram tratores para bloqueios

-BRASÍLIA- Fazendeiros e associações rurais de pelos menos três estados do país colocaram seus funcionários para “trabalhar e servir” à greve dos caminhoneiros. O GLOBO conversou, sob a condição de manter o anonimato, com produtores e lideranças dissidentes da Confederação da Agricultura e Pecuária que têm atuado no apoio à greve nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Todos admitem que fazendeiros desses três estados “liberaram” os funcionários para servir churrasco e levar comida para os caminhoneiros, além de terem retirado os trabalhadores do campo e os colocado para conduzir tratores e maquinários em direção a pontos de bloqueio de rodovias, com o objetivo de engrossar o tamanho dos engarrafamentos e fortalecer o “movimento”.

Um fazendeiro e representante de uma associação ruralista do interior de Goiás afirma que, se não fosse o apoio do setor, a greve já teria terminado. O fato é que, segundo ele, os fazendeiros, neste nono dia de greve, estão divididos “ao meio” quanto à continuidade do apoio à paralisação.

— Sinceramente, acho que os produtores estão perdendo a oportunidade de aproveitar a paralisação para colocar algumas de suas pautas. Mas a verdade é que a gente não tem uma federação forte, e o pessoal não reconhece a CNA como sua representante. Então, a maioria dos produtores apoia a greve porque quer intervenção militar.

 

MOVIMENTO DIVIDIDO

No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros também estão divididos quanto ao apoio para continuidade da greve. A paralisação também tem gerado prejuízo ao meio rural.

— Quem mexe com coisas muito perecíveis, e até quem mexe com grãos, também está tomando prejuízo. Os insumos não chegam. Então, metade dos produtores já parou de dar comida e churrasco para alimentar os caminhoneiros. Também pararam de colocar trator nas rodovias, porque acreditam que os caminhoneiros já conseguiram suas reivindicações. Quem permanece apoiando é quem quer a intervenção (militar) — afirma o representante de uma associação de fazendeiros de Rondonópolis, no Mato Grosso.

“Satisfeito” com o resultado da greve, ele completa:

— Existe um movimento de fazendeiros para manter e outro para terminar com a greve. O que quer manter faz isso pelo ponto de vista ideológico, pedindo intervenção militar. Produtores foram para as rodovias, levaram seus funcionários para protestar junto com os caminhoneiros. Mas, agora, parte quer o retorno dos caminhoneiros, estão preocupados com a produção.