Correio braziliense, n. 20142, 15/07/2018. Política, p. 3

 

À margem dos acordos

Alessandra Azevedo e Gabriela Vinhal

15/07/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Apesar de não entrar nas principais negociações de alianças e palanques regionais, a presidenciável Marina Silva mantém o fôlego. Memória do eleitor e sentimento de mudança explicam a performance

No mar de nomes cotados para a corrida eleitoral deste ano, a pré-candidata à Presidência da República Marina Silva (Rede) se coloca como uma opção de centro, afastada da polarização que causa boa parte dos problemas políticos que o país enfrenta. Longe de escândalos de corrupção, com discursos diplomáticos e um eleitorado fiel, Marina segue como a terceira mais votada nas pesquisas, atrás apenas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PSL). Na última pesquisa Ibope, divulgada no fim de junho, ela tinha 13% das intenções de voto no cenário sem Lula, perdendo apenas para Bolsonaro (17%). Por outro lado, o partido pequeno e a dificuldade em formar alianças podem ameaçar a campanha da pré-candidata quando o jogo começar oficialmente.

A resiliência de Marina Silva é analisada por especialistas como um emaranhado de atitudes que a mantém como forte candidata. Por ser a terceira candidatura dela ao Planalto e ter avançado nas últimas eleições, a ex-ministra conseguiu a exposição para se tornar conhecida e fidelizou eleitores. Ela conta, segundo o gerente de análise da consultoria Prospectiva Thiago Vidal, com “um recall muito grande”. Além do bônus da memória do eleitor, muitos analistas consideram que a campanha tem apelo forte, pois se baseia em uma nova proposta política que foge dos partidos maiores, como PSDB, PT e MDB. Outro fator que pesa favoravelmente é o fato de ela nunca ter se envolvido em casos polêmicos da política.

O cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Sérgio Praça aponta coincidências entre os três pré-candidatos que seguem à frente nas pesquisas de intenção de voto — Ciro Gomes (PDT), Bolsonaro e Marina. Todos utilizam o discurso de não formarem alianças com os antigos caciques, já velhos conhecidos da população, ou que tenham conquistado os holofotes por denúncias de corrupção. “Normalmente, ser de uma legenda pequena atrapalharia a caminhada, mas, nesse caso, ajuda. Inclusive, porque não há nenhum escândalo envolvendo a Rede”, avalia Praça.

A peregrinação solitária, entretanto, pode afastar Marina da Presidência. Embora ela mantenha negociações com partidos como PPS, PHS, PROS, os obstáculos para formar aliança e a dificuldade da pré-candidata em negociar podem fazer com que ela não conquiste mais tempo de televisão. “Para ela, o tempo de tevê é mais importante que a internet, porque precisa conquistar as pessoas que ainda não se decidiram ou votarão nulo”, esclareceu Praça.

Se for sozinha, Marina terá direito a apenas 46 segundos nas telinhas por dia, nove segundos a cada bloco de 12 minutos, e sem garantia de participação em debates. Outra desvantagem de Marina será quanto aos recursos escassos do fundo eleitoral, na comparação com outros candidatos. Enquanto a Rede conta com R$ 10,6 milhões do fundo eleitoral, partidos maiores têm até sete vezes mais dinheiro para destinar aos candidatos à Presidência. O PSDB, por exemplo, anunciou que gastará R$ 70 milhões do fundo com a campanha de Alckmin, o teto permitido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

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Candidata e Rede: propostas divergem

15/07/2018

 

 

Há cerca de um mês, integrantes do autointitulado “polo democrático e reformista”, representantes do chamado “centrão” preocupados com a pouca expressividade dos seus expoentes na corrida presidencial, fizeram um apelo público para que personagens como Marina Silva (Rede) e o tucano Geraldo Alckmin se unissem. Ela entraria como vice ou até cabeça de chapa, defendiam alguns deles. O grupo que tem buscado atrair Marina aponta como prioridades uma “postura firme” na segurança pública, “tolerância zero” com o crime organizado e desburocratização de licenciamento ambiental.

A agenda difere muito das pautas defendidas pelos parlamentares que a representam no Congresso Nacional. A Rede Sustentabilidade, partido fundado por Marina, é conhecido pela atuação que bate de frente com o centrão e com a direita: criticou severamente a condução de reformas macroeconômicas; protocolou pedidos de impeachment do presidente Michel Temer; e votou contra a reforma trabalhista, a emenda do teto dos gastos e a Lei da Terceirização. Em todas essas votações, o partido de Marina garantiu 100% de rejeição aos temas, percentual mais expressivo que o do PDT e igual ao dos partidos dos presidenciáveis Guilherme Boulos (PSol) e Manuela D’Ávila (PCdoB), os mais à esquerda no espectro político.

A Rede também protagonizou discursos homéricos contra a reforma da Previdência quando o projeto estava na Câmara, atuação bastante descolada do que defende a equipe econômica que coordena a campanha de Marina — que, nas palavras do analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), é “liberal até a medula”.

Segundo Queiroz, em um governo Marina Silva, o que se espera é que o projeto econômico seja mais aberto ao mercado e com razoável espaço para privatizações, longe do que defendem os atuais parlamentares da Rede. “Se for eleita, o mais provável é que ela se alinhe mais à direita que à esquerda”, acredita o especialista. As evidentes diferenças entre Marina candidata e a atuação da Rede no Congresso são sintoma de uma candidatura que “traz esperança, mas ainda não traz confiança”, diz Queiroz. (AA)