O globo, n. 30976, 29/05/2018. País, p. 3

 

Em três estados, fazendeiros e associações deram suporte a grevistas

29/05/2018

 

 

Pré-candidatos condenam variação diária dos combustíveis praticada pela Petrobras

No oitavo dia da greve dos caminhoneiros, polarizada entre críticos e apoiadores, pelo menos um consenso surgiu entre os pré-candidatos à Presidência: postulantes dos mais diversos perfis ideológicos defendem que os preços praticados pela Petrobras nos combustíveis deixem de flutuar diariamente, como acontece hoje. A tarifa do diesel foi reduzida em R$ 0,46 por 60 dias, em uma tentativa do governo de atender às reivindicações e encerrar as manifestações. Depois deste prazo, o preço será revisado mensalmente, mas não houve mudança na política em vigor para a gasolina e o etanol.

O GLOBO enviou ontem as mesmas perguntas sobre o movimento grevista e a formulação do preço dos combustíveis para os nove principais précandidatos. Com pequenas diferenças de método na forma de aplicação, a alteração na política de preços foi defendida por nomes alinhados à esquerda, como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e a exdeputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB), e à direita, casos do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). Os ex-ministros Henrique Meirelles (PMDB) e Marina Silva (Rede), o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos (PSOL), e o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) também se posicionaram contra as mudanças diárias no valor dos combustíveis. O précandidato Jair Bolsonaro (PSL) foi o único a não responder aos questionamentos da reportagem, mas já se posicionou sobre a greve e as tarifas implementadas pela Petrobras em outros momentos.

A solução proposta por Alckmin, Meirelles e Manuela para evitar a volatilidade nos preços é semelhante: a criação de uma espécie de “poupança” que permita à Petrobras não repassar para o consumidor final toda elevação excessiva no preço do barril do petróleo, como acontece atualmente em função da queda na produção da Venezuela e nas tensões envolvendo o Irã. Alckmin apelidou o mecanismo de “colchão tributário” — Manuela chamou de “Fundo de Compensação”, enquanto Meirelles citou o “Fundo de Estabilização”. Já Ciro, que chamou a atual formulação de preços de “perversa”, foi mais genérico na solução e defendeu “uma política que fortaleça a Petrobras”. Álvaro Dias e Rodrigo Maia defenderam a queda nos preços pela via da redução de impostos.

 

BOLSONARO: PROJETO PARA PUNIR BLOQUEIO

Já Bolsonaro, outro que já criticou a política de preços, tem oscilado entre a defesa dos caminhoneiros e a crítica aos bloqueios nas estradas. Em 2016, o presidenciável apresentou um projeto de lei que criminaliza, com penas de 1 a 3 anos de prisão, a interdição de vias por manifestantes. O texto tipifica como crime a obstrução de via pública, definida como “impedir ou dificultar o trânsito de veículos e pedestres, sem autorização prévia da autoridade competente”. A proposta do deputado foi noticiada ontem pelo jornal “Folha de S. Paulo”.

Segundo cientistas políticos, a crise provocada pela greve dos caminhoneiros é desafiadora para os candidatos, que podem ser acusados de omissos caso não se manifestem. Ou desagradar uma parcela da sociedade a depender da opinião divulgada.

— Acredito que a população tende a ficar cansada do candidato que fala, mas não diz nada. Talvez, numa situação crítica como essa, seja melhor falar a verdade e ter um posicionamento contundente sobre o que pretende fazer para evitar que uma situação dessa volte a acontecer — analisa o cientista político Carlos Mello, do Insper. (Eduardo Bresciani, Igor Mello, Jussara Soares, Marco Grillo e Tiago Dantas)

 

Marina Silva (Rede)

  1. A greve dos caminhoneiros é mais uma demonstração da insatisfação generalizada de milhões de brasileiros contra os serviços públicos precários.
  2. Precisamos debater a infraestrutura logística, como a diversificação da matriz energética, o suporte adequado ao transporte rodoviário e modais alternativos.
  3. A Petrobras definiu uma política de preços fora da realidade. Não é possível esse repasse automático ao trabalhador. O câmbio responde a conjunturas de curtíssimo prazo, e o preço dos combustíveis não pode seguir essa lógica. Há margem para absorver variações momentâneas do dólar, pois apenas uma parte do petróleo consumido no país é importada.

 

Geraldo Alckmin (PSDB)

  1. Todos os trabalhadores têm direito de manifestação, mas o direito de um termina onde começa o direito do outro. Nenhuma pauta, por mais justa que seja, pode parar o Brasil.
  2. O primeiro caminho é sempre o diálogo. É preciso esgotar o diálogo até o último momento. E, no caso de intransigência, a aplicação da lei.
  3. O ideal teria sido negociar com a Petrobras reajustes mensais, para garantir alguma previsibilidade aos consumidores de diesel. Além disso, em vez de zerar a alíquota do PIS-Cofins por 60 dias, que é uma solução provisória, teria sido melhor criar um colchão tributário, com alíquotas máxima e mínima que seriam adotadas em momentos de choque de preço.

 

Jair Bolsonaro (PSL)

  1. Bolsonaro não respondeu às perguntas do GLOBO. Na sexta-feira, em vídeo publicado nas redes sociais, ele parabenizou os caminhoneiros, mas pediu para não bloquearem estradas, tática adotada pelo movimento grevista.Em outro momento, ele disse que fechar rodovias era “extrapolar” e tornava a situação inegociável. Depois, amenizou o tom e defendeu a revogação de multas impostas a caminhoneiros.
  2. Na semana passada, ele disse que “quem tem que dar solução é o governo”.
  3. Em vídeo, ele afirmou que “acompanhar o preço internacional com minoria entrando (através de importações) aqui é mau-caratismo, no mínimo”.

 

Ciro Gomes (PDT)

  1. Tenho alertado sobre a política de preços da Petrobras desde 2016. Era uma crise anunciada e a justa manifestação dos caminhoneiros é um reflexo dela. Lamento apenas que o custo esteja sendo pago pela população brasileira, que não tem culpa.
  2. Se eu fosse o presidente, não teria deixado as coisas chegarem a tal ponto. Primeiro, porque não adotaria esta política de preços. Segundo, porque manteria diálogo permanente com a sociedade, na qual estão os caminhoneiros.
  3. Uma política que fortaleça a Petrobras e que reverta em benefícios para a população. Jamais espetar nas costas dos caminhoneiros e do povo o desejo de lucro dos poucos acionistas minoritários.

 

Álvaro Dias (Podemos)

  1. Fui favorável à greve dos caminhoneiros por entender que chegaram ao limite. O governo não teve a capacidade de se antecipar aos fatos e acabou obrigando os caminhoneiros à paralisação.
  2. Se fosse eu o presidente não chegaríamos a esse impasse, porque nos anteciparíamos aos fatos e evitaríamos a crise.
  3. Primeiramente revogaria o decreto do presidente Temer que autoriza a Petrobras a promover reajustes quase que diários em razão da flutuação do preço do petróleo internacionalmente. Países produtores praticam preços locais em defesa de sua população. A reforma tributária seria o mecanismo mais adequado para a redução de preços.

 

Manuela D’Avila (PCdoB)

  1. Nossa posição histórica sempre foi defesa das manifestações dos trabalhadores. A pauta dos caminhoneiros autônomos é justa.
  2. Não deixaríamos que a situação atingisse o ponto que atingiu porque haveria negociação prévia e mediação permanente.
  3. A estratégia é reativar o Plano de Investimentos da Petrobras para aumentar a produção e nos deixar menos dependentes da volatilidade do mercado externo. Minha proposta é aumentar os investimentos públicos em refinarias. No período de transição até o aumento do número de refinarias, nossa proposta é criar um Fundo de Compensação para dar sustentação em caso de volatilidade do preço do barril do petróleo.

 

Rodrigo Maia (DEM)

  1. A greve dos caminhoneiros é legítima, mas neste momento passou de todos os limites toleráveis: deixou de ser um movimento de reivindicação, legítimo no mundo das relações de trabalho, e se converteu num grande problema para todo o país. É inegável que houve uma escalada no preço dos combustíveis, isso impactou o diesel e se espalhou pela cadeia do sistema rodoviário de carga.
  2. Maior previsibilidade nos preços do combustível e zerar Cide e Pis/Cofins do diesel.
  3. Deveria existir um prazo de reajuste de 60 dias, no qual seria apurado o saldo e o ajuste se faria com a redução do PIS/Cofins. O melhor caminho é usar os impostos regulatórios.

 

Guilherme Boulos (PSOL)

  1. A greve é um instrumento legítimo dos trabalhadores. É preciso separar o joio do trigo: de um lado, o legítimo protesto de caminhoneiros; de outro, donos de transportadoras barganhando isenções fiscais e oportunistas de extrema direita defendendo uma intervenção militar.
  2. Não permitiria que a Petrobras praticasse essa política de desmonte que só atende aos interesses dos acionistas.
  3. Empresa pública tem responsabilidade social. Se a Petrobras operasse com a capacidade total de refino e deixasse de exportar petróleo e importar derivados, a crise teria sido evitada, porque o preço não teria ficado refém das variações do dólar.

 

Henrique Meirelles (MDB)

  1. É inaceitável que, além dos problemas graves e reais dos preços do petróleo e derivados, haja um componente político-ideológico e empresarial nessa aliança de entidades politicamente engajadas com empresas transportadoras.
  2. Já foram tomadas medidas que enfrentam os problemas levantados pelos grevistas e, portanto, isso deve ser seguido pela aplicação da lei e da ordem.
  3. Para trazer equilíbrio e reduzir a volatilidade do preço, é necessário criar espaço para um fundo de estabilização que absorva eventuais oscilações das cotações internacionais. Este fundo não deve ser deficitário. Ele pode ser capitalizado sempre que houver queda dos preços do petróleo.