O globo, n. 30976, 29/05/2018. País, p. 8

 

MPF denuncia dois agentes da ditadura por assassinatos em SP

29/05/2018

 

 

Segundo procurador, documento da CIA prova crimes contra a humanidade

O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu ontem denúncia contra dois ex-agentes que atuaram na repressão durante a ditadura militar. Eles são acusados pela morte e ocultação dos cadáveres de dois militantes de organizações de esquerda em maio de 1970. O então tenente-coronel Maurício Lopes Lima e o suboficial Carlos Setembrino da Silveira são acusados da execução sumária de Alceri Maria Gomes da Silva, membro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), e Antônio dos Três Reis de Oliveira, integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN).

O procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia, alega que não cabe prescrição no caso, de 48 anos atrás, pois as execuções foram cometidas em um contexto de ataque generalizado do Estado brasileiro contra a população civil e, por isso, são consideradas crimes contra a humanidade. Ele cita que o sistema semiclandestino de repressão da época é comprovado por diversos testemunhos e papéis, entre eles um relatório de abril de 1974, assinado pelo então diretor da CIA William Colby e descoberto pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas Matias Spektor há cerca de 20 dias.

Dirigido à Secretaria de Estado dos Estados Unidos, o documento descreve uma reunião na qual o presidente Ernesto Geisel autorizava que o Serviço Nacional de Informações (SNI) prosseguisse com as mortes de militantes políticos, desde que o Palácio do Planalto fosse consultado antes.

“Portanto, as execuções não eram atos isolados, mas sim uma verdadeira política de Estado, chancelada pela Presidência, que não apenas estava ciente, mas a coordenava e, a partir de 1974, passava a exigir autorização prévia”, escreveu o procurador da República.

De acordo com a denúncia, Alceri e Antônio foram executados na casa em que viviam no bairro do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. Os agentes da repressão teriam chegado até o local com base em informações passadas por outro militante que também morava no local e havia sido capturado e torturado horas antes.

Segundo o procurador Mendonça, as vítimas estavam escondidas em um alçapão e foram obrigadas a deixar o abrigo depois que um dos militares atirou uma granada lá dentro. A perícia mostrou que ambos foram executados com tiros de metralhadora. Antônio morreu na hora, com disparos na cabeça. Já Alceri, atingido nas costas, morreu antes de chegar ao hospital.

Os corpos de Alceri e Antônio jamais foram encontrados. “As vítimas foram enterradas como indigentes, com o intuito de não serem localizados os seus corpos”, destaca a denúncia.

Um dos denunciados, Maurício Lopes Lima, é acusado pela ex-presidente Dilma Rousseff e por dezenas de presos políticos de torturas e abusos durante o regime militar. Em entrevista ao GLOBO em 2012, ele negou ter torturado presos políticos. Segundo a denúncia, ele chefiava a equipe de buscas do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) em São Paulo. Já Carlos Setembrino da Silveira também atuava nos interrogatórios.