O globo, n. 30972, 25/05/2018. País, p. 6

 

Marcela Temer começa a ser afastada do Criança Feliz

Renata Mariz

25/05/2018

 

 

Sem aumentar popularidade do presidente, presença da primeira-dama não consta mais da estratégia do programa

No início de 2017, os marqueteiros do governo tinham um plano ambicioso para alavancar a popularidade do presidente Michel Temer, à época na casa dos 13%: escalar a primeira-dama Marcela Temer para uma série de atos relacionados ao programa Criança Feliz, do Ministério do Desenvolvimento Social, e criar uma agenda positiva a Temer. Mais de um ano após o planejado, O GLOBO ouviu de fontes diretas do governo que a imagem de Marcela deverá, discretamente, deixar de ser associada ao Criança Feliz, do qual é embaixadora.

Uma nova estratégia de divulgação do programa, única marca própria que a gestão Temer poderá deixar na área social, vem sendo planejada para os últimos sete meses de governo. Agendas com autoridades, além de mecanismos de comunicação para tornar o Criança Feliz mais conhecido pela população, serão formuladas sem considerar o envolvimento de Marcela. Uma análise inicial aponta que, ao contrário do imaginado, a figura da primeira-dama não foi capaz de provocar uma mobilização nacional em torno do programa, que viabiliza a realização de visitas domiciliares a grávidas e crianças carentes.

Sem conseguir resgatar a popularidade de Temer, desde o ano passado no centro de investigações do Supremo Tribunal Federal — que avançam inclusive sobre os bens da família —, Marcela deve continuar participando de pequenas agendas arranjadas pelo Planalto, como visitas de turmas escolares ao Palácio da Alvorada e chás com autoridades em Brasília. Nada impede que a primeiradama fale sobre o Criança Feliz nos convescotes oficiais. Mas o grande giro nacional pelos estados, imaginado pelos técnicos do governo para promover a primeira infância, não deve sair do papel.

Havia planos de que Marcela visitasse experiências importantes — como o Família que Acolhe, da prefeitura de Boa Vista, e o Mãe Coruja Pernambucana, do governo do estado — e promovesse eventos de capacitação do programa ligado à primeira infância. Ela chegou a se reunir com especialistas mundiais no assunto, como a chinesa Mary Young e a psicóloga americana Jane Lucas, para ser a garota-propaganda do Criança Feliz. Com um caderno em punho, fazia anotações durante as reuniões em que buscava se informar. Ouvia mais do que falava, segundo participantes dos encontros.

Logo após o lançamento do programa, Marcela esteve na Rede Sarah conhecendo protocolos de tratamento a crianças com microcefalia por conta do vírus zika. Participou de abertura de evento para gestores do Criança Feliz com o então ministro Osmar Terra. E chegou a fazer um encontro com primeiras-damas dos estados e representantes de organizações da sociedade civil no Alvorada para divulgar a iniciativa do governo. Falou também do Criança Feliz em evento com a rainha Silvia, da Suécia.

Com o tempo, porém, Marcela passou a ter sua circulação ainda mais restrita a Brasília. Agendas específicas sobre o Criança Feliz praticamente sumiram. A exceção foi no aniversário de um ano do programa, em outubro passado, quando ela visitou duas famílias atendidas em Águas Lindas, cidade de Goiás perto de Brasília. Em março deste ano, ela participou da abertura de seminário internacional sobre primeira infância ao lado do presidente Michel Temer.

A assessoria de Marcela informou, em nota, que a “agenda em torno do programa foi intensificada na fase de implantação e de adesão dos municípios, tendo em vista a necessidade de divulgar e tornar conhecida essa política pública”. Segundo o comunicado, “a primeira-dama permanecerá apoiando as ações do Criança Feliz, porque acredita que esta é uma política pública capaz de gerar benefícios não só para as crianças e famílias atendidas, mas para toda a sociedade brasileira”. Quanto à nova estratégia de divulgação do programa dissociada de sua imagem, a primeiradama não comenta, ressaltando que o Ministério do Desenvolvimento Social é o gestor da política.

Ter Marcela associada ao Criança Feliz era visto como uma garantia de recursos em tempos de ajuste fiscal. De fato, o orçamento do programa subiu de R$ 328,9 milhões para R$ 534,7 milhões entre 2017 e 2018. No entanto, a efetiva aplicação do dinheiro segue ritmo lento. De janeiro a abril deste ano, apenas 9,6% do total previsto foi executado.