O globo, n. 30972, 25/05/2018. Economia, p. 21

 

Petrobras perde R$ 47 bi em um único dia

Rennan Setti, Maria Lima e Luis Lima

25/05/2018

 

 

Ações caem até 14,55%, levando valor de mercado a R$ 285 bi. Estatal volta a ser ultrapassada pela Ambev

- RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO- Se o governo quiser alterar a política de preços da Petrobras terá de mudar a diretoria da empresa, afirmou ontem o presidente da estatal, Pedro Parente. Ele ressaltou, porém, que o governo assegurou não ter essa intenção e que, portanto, não há razão para deixar o cargo. Parente falou com analistas de bancos em teleconferência à tarde, enquanto as ações da Petrobras despencavam na B3 (antiga Bovespa). Mas seu discurso não conseguiu mudar a percepção dos investidores: o papel ordinário (ON, com direito a voto) da Petrobras desabou 14,55%, levando a uma perda de R$ 47,2 bilhões em valor de mercado à empresa. A ação preferencial (PN, sem voto) da estatal caiu 13,71%.

— O governo teria que colocar um novo management para alinhar uma mudança na política de preços (da Petrobras). Mas não vejo o governo fazendo isso. O anúncio (sobre o diesel) foi uma iniciativa tomada pela diretoria pensando no melhor interesse da companhia — afirmou Parente na teleconferência, feita em inglês.

O executivo disse que ele e sua equipe deixariam a Petrobras se fossem obrigados a fazer algo “em que não acreditamos”:

— Mas, repito, o governo não acha que a Petrobras deva ser usada de uma maneira social. Não é o caso. E, portanto, não tem qualquer discussão sobre isso agora (sua saída).

A perda de valor de mercado ontem da Petrobras, de R$ 47,26 bilhões, equivale a mais que uma Cielo. Foi a maior perda já registrada pela estatal em apenas um pregão em sua história. Assim, a Petrobras terminou valendo R$ 285,1 bilhões, perdendo o posto de companhia mais valiosa da América Latina, que havia recuperado no último dia 10 após seis anos. A Ambev reassumiu o posto, com capitalização de R$ 319,6 bilhões.

 

ANALISTA: ‘VOLTA AO PASSADO’

Parente disse ainda ter participado de uma reunião ontem com o governo federal. Na ocasião, explicou, o governo assegurou que não planeja fazer qualquer alteração na política de preços da estatal.

— Foi assegurado à companhia que, de nenhuma maneira, o governo apoiaria qualquer iniciativa que reduzisse nossa liberdade. E que, se o governo decidir proporcionar qualquer forma de subsídio de preços, isso teria de ser feito de acordo com a lei. Segundo a legislação do petróleo, somos livres para determinar nosso preço. Segundo a Lei das Estatais, se o governo decidir praticar subsídios, teríamos de ter uma autorização legal e um contrato, enquanto o custo teria de ser transparente e compensado previamente pelo governo — explicou o presidente da Petrobras.

Ele reforçou que a decisão sobre o diesel foi tomada de “maneira consciente”, para tirar a Petrobras de uma posição defensiva em relação à sociedade. Parente afirmou que a estatal não planeja, em qualquer hipótese, tomar medida semelhante no futuro ou alterar sua política de preços.

— Foi uma iniciativa excepcional, que não vai se repetir. Foi uma situação excepcional, que exigia uma medida excepcional — disse Parente, acrescentando que agora a Petrobras “não está mais sob fogo”. — Vamos continuar com a política de preços que estabelecemos para a empresa. Se o governo quiser ter subsídios, terá de prever compensações em contrato para a companhia.

Segundo o presidente da Petrobras, a medida, que terá um custo estimado de R$ 350 milhões para a estatal, levou em consideração a gravidade da situação e a velocidade com que a crise atingiu o país. Outro aspecto foi o dano à reputação da empresa, disse.

— A Petrobras começou a ser apontada como a única responsável pela situação. Vimos que começou a entrar em discussão a liberdade da Petrobras para praticar seus preços. Estávamos, então, em uma posição defensiva. Por isso, a diretoria decidiu fazer um movimento, que deveria ser ousado e temporário, e não criar nenhuma situação que poderia mudar nossa política de preços — afirmou. — A Petrobras não poderá mais ser culpabilizada. Oferecemos nossa parte para solucionar o problema. Poderíamos sofrer perdas maiores do que teremos com a medida nesses 15 dias.

Parente esquivou-se de falar sobre o que o governo poderia fazer para encerrar a greve.

Após a teleconferência, Daniel Cobucci, analista do Banco do Brasil, afirmou, em relatório, que a Petrobras realmente poderia sofrer uma perda maior se não congelasse o preço do diesel. Mas ponderou que os investidores estão olhando para o futuro da política de preços da estatal. Segundo Cobucci, “a mudança, embora temporária, estabelece um precedente para uma volta ao passado.”

 

PAPÉIS DA BRF SALTAM 6,40%

Pela manhã, o primeiro vicepresidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), havia feito pesadas críticas à atuação do presidente Michel Temer na crise provocada pela greve dos caminhoneiros, que estão mirando a política de reajustes dos combustíveis da Petrobras:

— O governo está derretendo, e vivemos uma crise sem precedentes. Ou o senhor Pedro Parente aceita rever a política de reajustes dos combustíveis, ou pede demissão, ou é demitido. E isso tem que ser para ontem. A Petrobras não é maior que o Brasil.

O senador ainda classificou de insustentável a política de fazer reajustes diários:

— Não há como ter previsibilidade, sobretudo em um país continental como o Brasil.

A queda das ações da Petrobras pressionou o Ibovespa, principal índice do mercado local, que perdeu 0,92%, aos 80.122 pontos. O dólar comercial teve alta de 0,63%, a R$ 3,649.

Já a BRF subiu 6,40%, a maior alta da Bolsa. Segundo analistas, os investidores especulam que Parente poderia deixar a Petrobras e assumir o comando da BRF. Ele foi nomeado presidente do Conselho de Administração da processadora em abril.