Correio braziliense, n. 20136, 09/07/2018. Política, p. 2

 

TRF-4 aborta manobra do PT para soltar Lula

Deborah Fortuna e Rodolfo Costa

09/07/2018

 

 

PODER » Partido conseguiu que desembargador de plantão concedesse habeas corpus em favor do ex-presidente, mas decisão acabou sendo revogada pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região. Novos recursos devem ser protocolados no STF

O vaivém em torno da decisão sobre a soltura do ex-presidente Lula em pleno domingo foi apenas o primeiro movimento de um plano arquitetado por advogados e petistas, segundo políticos do partido, a fim de garantir a liberdade do líder da sigla na temporada de convenções para a escolha de candidatos à Presidência nas eleições de outubro. A estratégia em torno do pedido de habeas corpus acolhido pelo desembargador de plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rogério Favreto, que já foi filiado ao PT, começou a ser planejada desde que o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffolli votou pela liberdade do ex-ministro José Dirceu e mandou deixá-lo sem tornozeleira. A informação de que o magistrado comandará a Suprema Corte por alguns dias, em julho, deu o sinal para que a estratégia fosse colocada em prática. A ideia é que, em caso de recursos, o processo chegue ao plantão do STF quando Toffoli estiver no comando.

Toffoli vai assumir a Presidência do Supremo este mês em, pelo menos, duas oportunidades: nos próximos dias 17 e 18, quando o presidente Michel Temer viajará a Cabo Verde, e de 23 a 27, uma “semana cheia”, em que Temer irá, primeiramente, ao México, para a reunião da Aliança do Pacífico e, de lá, para Johannesburgo, África do Sul, para a cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nas duas ocasiões, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, estará no comando do Poder Executivo. Ela substituirá Temer, porque os primeiros na linha de sucessão — o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Eunício Oliveira — são candidatos a outros cargos e não podem assumir. Se o fizerem, ficam inelegíveis.

O ministro Dias Toffoli está em férias na Europa e só retorna ao Brasil em 21 de julho. Ele ainda não foi informado de que assumirá o cargo interinamente. Cármen Lúcia pode acumular o comando dos dois poderes, como já fizeram Ricardo Lewandowski e Moreira Alves, que já assumiram a Presidência da República em ano eleitoral. Mas, quem acompanha a ministra considera que, com Toffoli em Brasília, ela deve deixar o comando do STF nas mãos do vice. Conforme antecipou a coluna Brasília-DF na sexta-feira, essa será a janela para Lula sair da cadeia.

Até lá, de acordo com as fontes, o partido engrossará a pressão e o discurso em torno do pedido de habeas corpus feito pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ). O HC foi concedido ontem, no meio da manhã, por Rogério Favreto. O desembargador emitiu sua decisão considerando como “fato novo” a pré-candidatura de Lula à Presidência da República este ano. Por volta das 14h, foi a vez do relator da Lava-Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, tirar o processo das mãos de Favreto e negar a liberdade a Lula. Muitos pensaram que o caso estava resolvido. Uma hora depois, saiu nova decisão de Favreto, puxando o processo para si e dando uma hora para que a Polícia Federal, em Curitiba, cumprisse a decisão de soltura. Diante do impasse, à noite, o presidente do TRF-4, Thompson Flores, intercedeu, confirmando a decisão de Gebran Neto e alertando que não era um caso para ser decidido pelo desembargador plantonista.

Lula chegou a se preparar para deixar a cadeia. Militantes do PT se concentraram em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba. Em São Bernardo do Campo, foram quase 300 pessoas reunidas na mesma rua em que Lula foi preso, em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A ordem é manter essa movimentação até que o partido consiga a liberdade de seu maior líder. Ainda que as chances de Lula ser candidato sejam remotas, porque ele está condenado em segunda instância, o partido quer reforçar o discurso de perseguição política e, segundo petistas, nada melhor do que um vaivém judicial para deixar os eleitores em dúvida.

Tempo

O PT estuda agora se vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou esperar que Toffoli assuma o comando do STF para recorrer diretamente à Suprema Corte, assim como fez ontem no TRF-4 com Favreto (leia perfil do desembargador nesta página). Toffoli será presidente do STF a partir de 12 de setembro. Ou seja, se não resolver o caso no recesso, o partido tem ainda algum tempo antes da eleição para tentar tirar Lula da cadeia.

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Judiciário bate cabeça

Plácido Fernandes Vieira

09/07/2018

 

 

O PT e a defesa de Lula agem não só para pautar, mas também para constranger o Judiciário. No STF, por exemplo, advogados do ex-presidente, quando contrariados, não hesitam em criticar abertamente ministros da Corte e os desafiar com seguidos recursos. Para quem assiste ao embate judicial, a impressão que fica é a de que integrantes do próprio Judiciário contribuem para que a ofensiva petista seja bem-sucedida. O exemplo mais recente disso é a decisão do desembargador Rogério Favreto de mandar soltar Lula. Antes dele, em 2 de maio, sem que a defesa de Dirceu pedisse, o ministro José Dias Toffoli, do STF, defendeu e conseguiu que a segunda turma do Supremo, por 3 votos a 2, libertasse o ex-ministro, que cumpria mais de 30 anos de prisão.

Há um agravante nos dois casos. No de Toffoli, por ter advogado para o PT e chegado ao STF graças a Dirceu. Quanto a Favreto, foi filiado ao PT por quase 20 anos, ocupou cargos no governo Lula e foi nomeado desembargador pela então presidente Dilma. O natural e ético seria que tanto Toffoli quanto Favreto se considerassem impedidos de se manifestar nos dois casos. Infelizmente, para o Judiciário, que tem a imagem cada vez mais enxovalhada, nenhum dos dois fez isso. E o mais grave: ambos tomaram decisões que contrariam o entendimento do Supremo de que o cumprimento da pena deve começar após a condenação em segunda instância.

Dentro do STF, aliás, há uma guerra aberta para derrubar a prisão em segunda instância. Há um grupo de ministros na Corte que quer derrubar o entendimento e instituir a impunidade: ricos e poderosos só seriam presos após esgotados todos os recursos possíveis. Ou seja: nunca. Isso porque, no Judicário brasileiro, pasmem!, a possibilidade de apelação é inifinita. Só a defesa de Lula já apresentou cerca de 80! Imaginem um bombardeio desses à Suprema Corte dos EUA ou da França? Nesses dois países, réus já começam a cumprir a pena após condenados na primeira instância. Aliás, no mundo inteiro, a regra é cadeia após a segunda instância. O Brasil foge à regra: é o paraíso dos criminosos de colarinho branco.