Correio braziliense, n. 20136, 09/07/2018. Opinião, p. 9

 

Voto facultativo: mais um passo rumo à democracia plena

Expedito Veloso

09/07/2018

 

 

As raízes da obrigatoriedade do voto, no Brasil, são muito antigas. Desde quando, nos tempos coloniais, o voto era um direito restrito aos chamados “homens bons”, categoria muito exclusiva de indivíduos agrupados em famílias ilustres, detentoras de propriedades e de renda, lá já estava o caráter da obrigatoriedade. A incorporação das mulheres ao universo de eleitores, pelo Código Eleitoral Provisório de Getúlio Vargas em 1932, foi uma notável conquista na luta pela ampliação dos direitos civis. Contudo, uma conquista maculada pelo rigor da obrigatoriedade de exercício.

A Constituição de 1988, a tão celebrada Constituição cidadã, inovou com o voto facultativo apenas para os analfabetos, os indivíduos com idade entre 16 e 18 anos e os maiores de 70 anos. Para a grande massa de eleitores, ainda o critério da obrigatoriedade. Nos dias atuais, quando a organização eleitoral é reconhecida mundialmente pela modernidade, segurança e eficiência da urna eletrônica, a obrigatoriedade do voto é uma deficiência, uma anomalia democrática, permanentemente a tolher as possibilidades do exercício da cidadania em plenitude.

Fica patente, em um brevíssimo olhar histórico, que as instituições políticas nacionais sempre temeram, e continuam a temer, o caráter de liberalidade aplicado ao voto. A possibilidade do não-voto, decorrência previsível do voto amplamente facultativo, parece ser vista como uma ameaça ao “encabrestamento” dos cidadãos, assim condicionados ao exercício de um ato mecânico, vinculado e inescapável, muito mais instrumento de controle social e demográfico do que oportunidade de vocalização dos anseios dos cidadãos.

Dessa forma, lamentavelmente o Brasil transformou um direito em obrigação. E enfileira-se, assim, entre uma minoria de países marcados por tal anacronismo, pois o voto só é obrigatório em 10% das nações, entre elas a maioria na América Latina. O voto facultativo é adotado em praticamente 100% dos países com tradição democrática. No Brasil os cidadãos estão amadurecidos para o autônomo protagonismo eleitoral, e conscientemente repudiam o abuso estatal que lhes tutela e limita o pleno exercício de vontade do voto. Assim, conforme pesquisa realizada em junho de 2015, 66% dos eleitores reprovavam que o voto seja obrigatório.

A obrigatoriedade do voto, confrontada com uma realidade em que o patrimonialismo é o que move a maioria dos candidatos, apenas aprofunda a apatia e o desinteresse dos eleitores, tornando-se um fator de  restrição ao comparecimento nas urnas. E ainda, aprofundando o distanciamento entre os cidadãos e os rumos que são dados ao país, tanto nas políticas essencialmente administrativas ou legislativas quanto na qualidade intrínseca ao exercício do mandato eleitoral eletivo. Razão por que em torno de 30% dos eleitores saem de casa no dia da eleição sem saber em quem votar para deputado, e muitas vezes coletam números de candidatos nas proximidades das urnas sem nenhum critério. A escolha torna-se, assim, absolutamente aleatória. Dos 71% dos eleitores que compareceram às urnas em 2014, em torno de 21% compareceram apenas por estarem sujeitos à obrigação da legislação eleitoral. Isso distorce o resultado do pleito e só serve ao teatro do dia das eleições. Por outro lado, o percentual de eleitores conscientes e motivados aprimora a verdade eleitoral que surge das urnas.

O voto facultativo melhora a qualidade do pleito. Na medida em que até mesmo o não voto passa, de certa forma, a ter caráter propositivo, o voto facultativo amplia o diálogo entre eleitor e candidato pois este tem que convencer aquele a ir votar, já que sobre o eleitor não mais recai o peso da obrigatoriedade, reforçando a autonomia da vontade e a democracia, e privilegia os setores organizados da sociedade.É uma necessidade, urgente, fazer com que as instituições eleitorais ofereçam um amplo diálogo com a população e recoloquem na pauta do Congresso Nacional uma Emenda Constitucional que estabeleça, o voto facultativo no Brasil.

EXPEDITO VELOSO

Economista, professor e ativista ambiental e sociocutural