O Estado de São Paulo, 45523. , 07/06/2018. Economia, p. B4

‘Interferência’ vira foco de tensão na Petrobrás

Fernanda Nunes

Denise Luna

Mônica Scaramuzzo

 

 

A decisão do governo de tirar da Petrobrás e jogar para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a missão de definir o prazo de reajuste dos preços dos combustíveis levou um clima de preocupação ao conselho de administração da Petrobrás, que se reúne hoje. Alguns membros já não acreditam mais na capacidade da petroleira de se blindar contra novas intervenções em sua política de preços.

Segundo um dos conselheiros, que falou sob a condição de anonimato, a circunstância da saída do presidente da estatal, Pedro Parente, começa a ficar mais clara, uma vez que o conselho não foi consultado e a demissão foi comunicada diretamente ao presidente da República.

A estratégia do governo de mexer nos prazos dos reajustes foi anunciada quatro dias após a saída de Parente. A Petrobrás não participou da decisão, que teve como mentor o ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, e o diretor-geral da ANP, Décio Oddone. Com a medida, o governo teve como pano de fundo o objetivo de tirar do Planalto as cobranças sobre a política de preços e levar a questão para um órgão técnico.

Passado o anúncio, a preocupação agora é convencer os investidores e o setor de petróleo de que não houve intervenção na estatal e que faz parte das atribuições da ANP regular o mercado. “Havia um vácuo nesse processo e não podíamos nos omitir. O Brasil ficou refém dos reajustes diários, misturou a política de preços do governo com a da Petrobrás”, disse Oddone ao Estadão/Broadcast. Ele admitiu, porém, que o “ideal seria o mercado não ter nenhuma regra”.

Ontem, a diretoria da ANP passou o dia reunida com representantes do setor. No encontro, porém, pouco foi dito sobre o que trará a nova regulamentação, já que nem mesmo o governo tem uma proposta clara para apresentar. A regra será construída coletivamente e só deve ser divulgada no fim de julho.

Nesta primeira reunião, o debate foi concentrado na gasolina, porque o governo entende que o problema do diesel já foi resolvido com a subvenção de R$ 0,46 no litro. O tema será tratado em audiência pública, aberta entre 11 de junho a 2 de julho, quando a agência reguladora ouvirá as propostas de todos os agentes públicos, inclusive da Petrobrás. A nova regra deve passar a valer entre o fim de julho e o início de agosto.

Foco. Enquanto aguarda o posicionamento do governo sobre a política de reajuste dos preços nas refinarias, a diretoria da Petrobrás repete publicamente o ‘mantra’ de que o importante é ter a liberdade para repassar aos seus clientes as oscilações externas da cotação do petróleo e as variações cambiais.

O novo presidente da estatal, Ivan Monteiro, distribuiu ontem uma carta aos funcionários, sua primeira comunicação no cargo. No texto, pediu aos empregados que não percam o foco na recuperação e que mantenham visão de longo prazo, “neste momento de intenso escrutínio” na empresa. A mensagem foi de continuidade do trabalho do antecessor Pedro Parente. Mas, o executivo se mostrou ciente da responsabilidade da estatal em contribuir com uma solução para a crise atual.

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‘Reajustes periódicos podem ser uma boa solução’

Maurício Tolmasquim

 

 

O que o sr. achou de a ANP liderar o processo de mudança na política de preços dos combustíveis?

O governo tinha alternativas. Uma era debater o assunto no conselho de administração da Petrobrás, como acionista controlador; outra era discutir a nível ministerial; e outra era atribuir à agência reguladora esse papel. Qualquer uma dessas soluções tem prós e contras, mas com isso ele afastou o custo político da decisão. O melhor seria que fosse no nível do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) ou do MME (Ministério de Minas e Energia), mas foi uma solução boa dentro do possível.

A proximidade das eleições pode ter influenciado a decisão?

A eleição aumenta esse problema. Mas o fato de o governo ter uma popularidade muito baixa pode sim ter levado a isso, mas foi a solução possível. 

Como, na sua avaliação, deveriam ser esses ajustes?

A política de ajustes diários se mostrou muito problemática, levou a uma situação insustentável, no limite da convulsão social. A variação diária cria imprevisibilidade e isso é péssimo para os agentes econômicos que dependem do insumo (combustíveis). A alternativa seria criar um colchão para reduzir a volatilidade, como era a Cide, mas hoje não dá para fazer, ou um fundo, como alguns países fazem, mas quando o petróleo está alto não vale a pena. Acho que os reajustes periódicos podem ser uma boa solução, que minimiza essa variabilidade.

Para a Petrobrás, prazos longos não seriam negativos?

Por um período muito grande tem ônus para a Petrobrás, porque, como as importações aumentaram, os importadores podem ganhar mercado. Tem de achar o meio termo. Tem de ser no mínimo mensal e, no máximo, trimestral. Mas o principal é ter claro o critério do ajuste, que ajuda na previsibilidade. Pode se fazer a projeção da média do derivado internacional e do dólar para adoção no mês seguinte. 

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‘Vivemos numa sociedade em que os preços são livres’

John Forman

 

 

Qual sua opinião sobre a regulamentação que a ANP formulará para controlar os prazos de reajuste dos combustíveis? 

Essa não é uma função da ANP. É do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O problema básico é que os caminhoneiros queriam baixar o preço do diesel, porque os fretes não pagavam suas despesas. Nos últimos anos, o governo financiou em condições favoráveis a compra de caminhões e houve um crescimento enorme do número de caminhoneiros independentes. A economia entrou em recessão e a quantidade de carga diminuiu. São assuntos econômicos. Quem trata disso é o Cade. Reduzindo o preço dos combustíveis, daqui a dois meses, a situação permanecerá a mesma, porque o problema é estrutural.

Mas o preço do diesel mexe em praticamente toda atividade econômica. Não é um problema apenas dos caminhoneiros... 

O Brasil depende quase que 100% do transporte rodoviário movido a diesel. Se o frete fica mais barato, aparece na conta do consumidor. Por isso, tem de ser tratado como um problema econômico e não regulatório.

Por que o governo optou, então, por uma solução regulatória?

O governo recebeu a demanda de baixar o preço do diesel e só olhou isso. Esse problema já vem de algum tempo, desde o governo da Dilma Rousseff. Tudo ia bem, até que o petróleo subiu e o real desvalorizou rápido. E os caminhoneiros falaram: assim não dá, porque não conseguiam se planejar. Com o congelamento do preço pelo Parente, a reação foi que se a Petrobrás pode congelar o preço, pode aumentar o prazo de reajuste também. Aí você vê o tamanho da confusão. Vivemos numa sociedade em que os preços (dos combustíveis) são livres. Então, os reajustes devem ser tão livres quanto.

Quem será afetado pela nova regulamentação da ANP?

Estamos falando exclusivamente da Petrobrás, que até julho do ano passado usava a política de reajuste mensal e não reclamava. A ANP vai fazer o quê? Os agentes vão entrar numa discussão acessória, que não é a principal. A agência foi criada como agente regulador da indústria do petróleo, como prevê a Lei do Petróleo (9.478/97), que diz que ela deve remeter ao Cade sempre que houver um problema econômico envolvendo os agentes da indústria do petróleo. Transporte não é indústria do petróleo.