Correio braziliense, n. 20134, 07/07/2018. Política, p. 2

 

Atuação política em favor do próprio negócio

Renato Souza e Murilo Fagundes

07/07/2018

 

 

Um dos alvos da operação Registro Espúrio-que estourou esquema no Ministério do Trabalho-, o deputado NeLson MarquezeLLi atuou na relatoria de projeto que beneficia empresa da qual é sócio. Ação é condenada pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara

Acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de envolvimento em um esquema de fraudes na emissão de registros sindicais no Ministério do Trabalho, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) coleciona polêmicas. Ele figura como um dos sócios da empresa Brapira Comércio de Bebidas, que presta serviço de transporte de cargas e tem cerca de 120 caminhões. Ao mesmo tempo, o parlamentar atuou como relator, até o mês passado, de um projeto de lei que regulamenta o transporte rodoviário de cargas em todo o território nacional e beneficia empresas do setor.

De acordo com dados da prestação de contas das eleições de 2014, levantados pelo Correio por meio dos registros do Tribunal Superior Eleitoral, Marquezelli recebeu R$ 1,08 milhão em doações de campanha da própria empresa. O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara proíbe que deputados façam a relatoria de projetos de “interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”. Além da Brapira, o parlamentar também recebeu aporte financeiro eleitoral de uma associação que representa donos de empresas de transporte.

O próprio Marquezelli, como pessoa física, injetou R$ 900 mil na própria campanha. Não é de hoje que o parlamentar faz lobby em detrimento das corporações que atuam no serviço de transportes de cargas. Em abril de 2014, reportagem do Correio flagrou um grupo de 30 pessoas recebendo notas de R$ 20 e R$ 50 para ocupar as galerias da Câmara em defesa de projeto de ampliação da jornada de caminhoneiros. A distribuição de dinheiro foi registrada em vídeos e fotos.

A entrega do dinheiro começou na chapelaria do Congresso e, de acordo com a reportagem da época, ocorreu até no gabinete do deputado, no Anexo IV da Câmara. O “PL 4860/2016”, do qual Marquezelli foi relator durante vários meses, previa normas para regulação do transporte rodoviário de cargas em território nacional. Uma das medidas seria a obrigatoriedade do poder público construir locais de parada e descanso de prestadores de serviços para empresas de transporte de cargas e condutores autônomos de caminhões, em caso da falta de interesse no serviço por parte de empresas privadas.

O PL tramitou até o dia 20 de junho deste ano, quando foi considerado prejudicado por conta da aprovação no plenário da casa de mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O professor Samuel Santos, especialista em direito penal, eleitoral e previdenciário — falando de forma genérica —, destaca que parlamentares não podem atuar em projetos legislativos que possam ter algum tipo de benefício. Caso isso ocorra, a lei aprovada por conta do projeto pode ser alvo de ações na Justiça. “O parlamentar deve basear sua atividade no princípio da moralidade. Atitudes de deputados em relatar projeto que pode beneficiar a empresa viola o código de ética e a impessoalidade no processo legislativo. Caso vire lei, as regras podem ser questionadas por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF).”

Procurada pela reportagem, a assessoria do deputado não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição. A empresa Brapira Comércio de Bebidas não retornou as ligações.

Suspeito

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o deputado Nelson Maquezelli é suspeito de envolvimento no esquema de concessões irregulares de registros sindicais pela Secretaria de Relações do Trabalho. O gabinete dele foi alvo de buscas pela Polícia Federal e, por determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), o parlamentar está impedido de frequentar e manter contatos com servidores do Ministério do Trabalho e demais investigados.

O assessor dele, Jonas Antunes Lima, também é investigado. As equipes policiais encontraram R$ 95 mil em espécie no apartamento dele, e outros R$ 5 mil no gabinete do deputado. O parlamentar disse que apoia a operação e negou estar envolvido em atos ilícitos. “Vamos esperar a investigação. A gente sabe perfeitamente que esse é um trabalho que deve ser feito e esclarecido para a população. Nada a temer”, afirmou.

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Prisão sem prazo

07/07/2018

 

 

O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, converteu a prisão temporária de Daurio Speranzini Júnior, CEO da GE, em preventiva. A decisão foi publicada ontem. A prisão preventiva é a sanção máxima que um suspeito de crime pode ter antes do julgamento e não tem prazo para acabar.

Bretas justificou a decisão destacando que o Ministério Público Federal (MPF) encontrou na residência de Daurio um dossiê, datado de 20 de junho de 2018, contra um denunciante. A testemunha foi fundamental para o MPF nas investigações da operação Ressonância, sobre fraude nas licitações da área da saúde celebradas pelo estado do Rio e pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).

A testemunha relatou que a Philips, onde Daurio era CEO na época dos fatos, teria vendido equipamentos nesse esquema. Outra testemunha declarou que a empresa seria integrante do denominado “clube do pregão internacional” em contratos com a Saúde do Rio. “Segundo os documentos obtidos na residência de Daurio, na efetivação da medida de busca e apreensão, a participação, em tese, do investigado na organização criminosa parece contemporânea aos fatos.”Bretas também afirma que a testemunha alvo do dossiê encontrado na casa de Daurio levou ao conhecimento as negociações irregulares que vinham ocorrendo no âmbito dos procedimentos licitatórios do Into. “Nota-se, pois, que há fortes indícios de que Daurio participa ativamente da organização criminosa, consoante as declarações dos colaboradores e dos novos elementos probatórios” escreveu Bretas, na decisão.

No dia da operação, a GE respondeu que “as alegações são referentes ao período em que o executivo atuou na liderança de outra empresa”. “A GE ressalta que não é alvo das investigações. A empresa acredita que os fatos serão esclarecidos pela Justiça e está à disposição para colaborar com as autoridades.”

“Cooperação”

Já a Philips, disse que estava cooperando com as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos quanto às alegações apresentadas, “que datam de muitos anos atrás”. “Os atuais líderes executivos da Philips não são parte da ação da Polícia Federal; um colaborador da equipe de vendas da Philips foi conduzido para prestar esclarecimentos. A política da Philips é realizar negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis. Quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa.”