O globo, 30974 , 27/05/2018. País, p. 4

 

Fator antissistema

Igor Mello

Tiago Dantas

 

 

Bolsonaro encarna anseios dos jovens por rebeldia, dizem especialistas

Propostas simples, discurso distante dos marqueteiros e o modelo de político antissistema são alguns dos fatores que ajudam a explicar por que tantos jovens manifestam apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSLRJ), segundo avaliações de especialistas feitas a pedido do GLOBO. Na última pesquisa Datafolha, divulgada em abril, o capitão da reserva do Exército marcou 23% entre os jovens, bem acima dos 17% que tem no quadro geral.

Autora da pesquisa “Crise da Democracia e extremismos de direita”, que será lançada nos próximos dias, Esther Solando, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que o pré-candidato do PSL encarna os anseios dos jovens por rebeldia na política. Para isso, usa linguagem inspirada na cultura da internet, como memes.

— Precisamos lembrar que esses jovens tiveram sua formação política durante os governos do PT. Então, para eles, o voto antissistema e antiestablishment vem da direita, que está personificada no Bolsonaro. No mundo todo, há um fenômeno da “direita pop”, e o Brasil não foge à regra. Se era cool ser de esquerda nos anos 1970, hoje é ser de direita — afirma a pesquisadora.

Como parte de sua pesquisa, Esther acompanhou dinâmicas de grupo com estudantes de ensino médio de escolas públicas. Notou que, para jovens, Bolsonaro usa linguagem fácil de entender, com frases curtas e propostas rasas que agradam ao senso comum, como armar a população ou expurgar políticos corruptos:

— Ele ganha pelo emocional. Bolsonaro vende a imagem de não ser ligado à política tradicional. Muita gente fala que é um voto de desabafo, uma reação ao sistema que eles consideram uma porcaria. Esses jovens não se sentem parte da política.

Na mesma linha, Camila Rocha, doutoranda em Ciência Política na USP e estudiosa da ascensão da nova direita na internet, cita a comunicação digital como o trunfo de Bolsonaro para conquistar uma “militância orgânica” nas redes sociais:

— Os jovens veem Bolsonaro como uma espécie de ícone pop. Oscilam entre levá-lo a sério ou rir de sua forma de se expressar. Isso passa uma ideia mais genuína, que soa a esse público como linguagem que não é fabricada por marqueteiros.

Camila destaca ainda a importância para esse grupo a imagem de honestidade construída em torno do político, a quem chamam frequentemente de “mito” — um termo típico da cultura dos memes.

— O fato de não ter nenhum escândalo cativa os jovens, quase como se ele fosse um super-herói — avalia.

Colabora para essa imagem, segundo Esther Solano, também o fato de Bolsonaro ser oriundo das Forças Armadas. Esses jovens não têm memória sobre a repressão dos anos de ditadura militar no país.

— Há uma procura por respostas para a corrupção, e não se apresenta um discurso que possa resolver isso. Há uma visão de que não há lei e ordem. E que um militar pode resolver.

Camila Rocha destaca ainda o intercâmbio entre movimentos diversos de direita, como universitários liberais e neoconservadores. Segundo ela, isso ajudaria a explicar o discurso hoje defendido por Bolsonaro, que une uma defesa de um estado mínimo e o armamento para a população civil. Em ambos os casos, avalia, as ideias têm relação com movimentos similares fundados nos Estados Unidos.

— Nos anos 2000 surgiu uma direita ultraliberal, que não existia no Brasil. Vários integrantes se tornaram conservadores com o tempo, outros mantiveram diálogo com essa direita que já existia — explica.

NO MOMENTO CERTO

Em sua pesquisa, Camila mapeou momentos marcantes da ascensão desses grupos, como o Movimento Brasil Livre (MBL). Segundo ela, dois momentos são marcantes para que esses movimentos ganhassem influência política:

— Junho de 2013 foi um marco porque ensinou a eles que a direita também podia ir para a rua. Mas a reeleição de Dilma Rousseff (PT) foi um divisor de águas. Houve comoção geral entre esses grupos, que tinham convicção na vitória de Aécio Neves (PSDB). A primeira manifestação na Paulista só reuniu 2 mil pessoas, mas já contou com a presença de Eduardo Bolsonaro. Eles souberam ler o momento político.