O globo, n. 30973, 26/05/2018. Economia, p. 22
Estados resistem a reduzir receita com ICMS
Bárbara Nascimento e Martha Beck
26/05/2018
Rio acenou com alíquota menor, mas outros descartam. Com proposta da União, preço do litro cairia mais R$ 0,05
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, tentou ontem costurar com os estados acordo para reduzir o peso do ICMS sobre o diesel, uma das reivindicações dos caminhoneiros. Caso a proposta seja aceita, a redução sobre o preço na bomba será de R$ 0,35, somadas todas as intervenções anunciadas nos últimos dias. Guardia informou que os estados terão até terçafeira para avaliar a proposta e decidir se aceitam ou não. Para as contas da União, as benesses concedidas à categoria que provocou uma crise de desabastecimento no país podem ter um impacto de R$ 18 bilhões.
A maior parte dos estados, no entanto, não mostrou disposição em abrir mão de qualquer arrecadação adicional. Embora o Rio de Janeiro tenha acenado com uma redução na alíquota do ICMS, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Maranhão, Rondônia e o Distrito Federal descartaram, em um manifesto publicado ontem, qualquer medida para diminuir alíquotas.
O acerto proposto pela União aos estados não inclui redução de alíquota e é dividido em duas linhas: antecipar a incorporação da redução do preço anunciada pela Petrobras na base de cálculo sobre a qual incide o ICMS e alterar a periodicidade com que essa base é corrigida. Pelas regras atuais, a redução de 10% sobre o preço do óleo na refinaria, anunciada pela Petrobras, só seria incorporada à base de cálculo do ICMS em 15 dias, quando os estados calibram o imposto. O pedido é para que isso seja antecipado, permitindo queda imediata de R$ 0,05 no preço ao consumidor.
O desconto oferecido pela Petrobras geraria mais R$ 0,25 de desconto na bomba. Além disso, com a retirada da Cide sobre o diesel, o valor cai mais R$ 0,05. A segunda proposta alonga a periodicidade em que a base de cálculo do ICMS é revisada. Hoje, isso acontece quinzenalmente. O acordo sugere que ocorra a cada 30 dias.
Guardia explicou que, mesmo que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) aprove a proposta apresentada ontem, a adesão será opcional.
— O que está sendo proposto não é uma imposição, estamos dando uma alternativa para os estados que concordarem com esses dois movimentos.
CUSTO DE R$ 18 BI PARA UNIÃO
Guardia não falou em impactos para a arrecadação dos estados. Na prática, a proposta do governo apenas antecipa uma perda que os estados teriam 15 dias adiante, quando a base de cálculo do ICMS captasse a redução feita pela Petrobras.
Do lado da União, as medidas anunciadas pelo governo afetam as já baqueadas contas públicas. Além de criar um programa de subvenção para o diesel que vai obrigar a União a repassar R$ 4,9 bilhões à Petrobras este ano, a equipe econômica também se comprometeu a zerar a Cide, o Acordo.
Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia (direita), ao lado do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que sugeriu aos estados recalcular ICMS que representa uma renúncia fiscal de R$ 1 bilhão em 2018.
Para piorar, a Câmara aprovou na quarta-feira o projeto que reonera a folha de pagamento das empresas, incluindo no texto a redução a zero do PIS/Cofins sobre o diesel. Se a proposta passar pelo Senado nesse formato, o governo terá que abrir mão de uma arrecadação de R$ 12 bilhões. Ou seja, no total, o custo poderia chegar a R$ 18 bilhões.
O compromisso assumido pelo ministro da Fazenda, no início da semana, quando o movimento dos caminhoneiros ainda não havia provocado tantos transtornos foi zerar a Cide em troca da reoneração. A renúncia de R$ 1 bilhão seria compensada com a volta da tributação sobre a folha, que daria uma receita extra de até R$ 3 bilhões este ano.
MAIS CORTES NO ORÇAMENTO
A partir do momento em que a Câmara decidiu passar por cima do governo e incluir o PIS/Cofins na medida, a conta ficou desequilibrada. Os técnicos passaram a alertar para a necessidade de encontrar fonte de receitas para cobrir a conta, caso contrário, haveria desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os integrantes da área econômica apostam que o Senado deve derrubar a desoneração do PIS/Cofins aprovado pela Câmara. Assim, a maior preocupação passa a ser subvenção ao diesel. Para ressarcir a Petrobras até o fim do ano, será preciso publicar duas medidas provisórias (MP), uma com um pedido de crédito extraordinário de R$ 4,9 bilhões, e outra para criar o programa de subvenção, uma vez que isso é uma exigência da LRF.
Embora pedidos de crédito extraordinário não estejam submetidos ao teto de gastos, o governo poderá ter de fazer um corte em outra rubrica para cobrir a conta. Além do teto, o governo tem meta de resultado primário para cumprir (hoje um déficit de R$ 159 bilhões). Assim, para ficar dentro da meta, o governo terá que ajustar o Orçamento já apertado por despesas obrigatórias para poder subsidiar o benefício aos caminhoneiros. Segundo técnicos, existe hoje uma folga de R$ 5,726 bilhões no Orçamento em relação à meta do ano. Assim, uma possibilidade seria “queimar” essa reserva para passar dinheiro à estatal. Se isso não for suficiente, contudo, outros cortes terão que ser feitos.
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Para analistas, subsídio ao diesel agrava déficit e envia sinal ambíguo
Rennan Setti
26/05/2018
Medida para segurar preço reflete governo no ‘corner’, diz economista
A solução encontrada pelo governo para reduzir a periodicidade dos reajustes nos preços do diesel pode agravar os déficits nas contas públicas do país, dizem analistas. O governo fechou um acordo com organizações de caminhoneiros para garantir que o preço do diesel só seja reajustado a cada 30 dias. A União vai compensar a Petrobras por eventuais perdas no valor de venda do combustível, usando recursos do Orçamento, ou seja, dinheiro do contribuinte. Para a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman e ex-secretária de Fazenda de Goiás, pior do que o impacto fiscal de curto prazo é a sinalização que foi dada pelo governo. O pacote, segundo ela, tornou ambíguo o discurso oficial.
— Embora não tenhamos margem para absorver o impacto fiscal, e por isso eu imagino que a equipe econômica trabalhe para ver como compensá-lo, o que é mais relevante é a trajetória. Precisamos justamente resolver problemas e desfuncionalidades que foram criadas no passado e que, no caso particular dos combustíveis e da Petrobras, vinham em uma trajetória de correção. Agora sinalizamos de uma forma ambígua o que o país de fato quer como política pública. Às vezes, essas ações setoriais não consideram a dimensão do todo. Essas, em particular, afetam todas as áreas e níveis da federação em um país que está vivendo uma crise fiscal inédita — afirmou Ana Carla, após participar do seminário “O Brasil que o próximo presidente encontrará”, organizado pela Oliver Wyman e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
— Como vamos lidar com as restrições que virão, já sabemos, lá na frente, tanto no teto (de gastos, que limita o crescimento da despesa pública à inflação do ano anterior) como na regra de ouro (o governo não pode se endividar para cobrir gastos correntes, só investimento)? Como vamos comunicar a sociedade dos custos que terão que ser pagos?
Segundo a economista, ao atender aos interesses de um setor específico, o governo deixou em aberto a discussão sobre o interesse público.
— O que vai dominar? O interesse público ou o interesse privado, específico, setorial? Essa é a discussão que precisamos fazer. Quem será beneficiado por essa política pública e por essas isenções e quem é que vai pagar essa conta?
Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, deve crescer a dependência do Executivo de medidas aprovadas pelo Congresso para fechar as contas públicas.
— O próximo presidente vai estar absolutamente dependente do Congresso, precisando negociar o tempo todo créditos extras. O Congresso vai exigir contrapartidas. Por outro lado, para não perder credibilidade, terá de passar reformas que vão além da reforma da Previdência, que não oferece ganho de curto prazo suficiente para dar conta do problema. O próximo presidente já entra frágil. Ele terá que vir com uma agenda econômica muito sólida, não vai ter lua de mel.
Zeina também pondera que o custo fiscal no acordo era inevitável, já que o governo foi colocado no corner pelo grevistas.
— O movimento foi forte, aparentemente não só dos autônomos, mas com participação das empresas. Havia um risco grande de abastecimento. Então, nessas condições, o governo não tem como simplesmente dizer que não cede a chantagem, que vai manter o que tem que fazer e que a Petrobras tem autonomia e é soberana. Você chega a uma situação em que o governo fica sem opções. Alguém ia ter que ceder nessa história. O governo ficou em corner. O impacto fiscal existe, mas não sabemos muito bem, porque, por um lado, aumenta os dividendos recebidos pela União da Petrobras por causa do alta no preço dos combustíveis. Esse impacto fiscal é ruim para o país, mas seria inevitável — afirmou.
Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados, alerta que esse custo fiscal ocorre em um cenário de contas públicas já bastante deterioradas.
— Este ano, o teto de gastos não representa um problema, mas como temos déficits fiscais elevados e dificuldade de cumprir as metas. O governo mencionou que tentará achar uma receita alternativa, mas não sabemos ainda qual será.