Correio braziliense, n. 20137, 10/07/2018. Opinião, p. 11
A transformação digital nos serviços públicos
Marcelo Cruz
10/07/2018
Todos os dias vemos anúncios e notícias nos jornais, revistas e na internet sobre as mudanças na sociedade decorrentes do uso da tecnologia. Ficamos cada vez mais impressionados com as possibilidades de seu uso no cotidiano, desde pedir comida até uma condução. No Brasil, também percebemos os impactos dessas mudanças em áreas mais burocráticas, como é o caso do governo em todas as suas esferas, porém ainda de maneira tímida.
A demora nas mudança e na implementação de novas possibilidades traz em seu bojo uma burocratização excessiva no que se refere à disponibilização de informações e à prestação dos serviços públicos, levando o país a um compasso mais lento no caminho da modernização e das inovações necessárias para o crescimento econômico e social. Desde 2016, o Decreto nº 8.638, que institui a política de governança digital, impôs aos agentes públicos federais a implementação de projetos e processos eletrônicos no viés da desburocratização, transparência, eficiência e eficácia das ações públicas. Digitalizar atividades e serviços governamentais, entretanto, exige enxergar tecnologias de mobilidade com outros olhos.
Então, como as referidas tecnologias de mobilidade poderiam ser utilizadas para potencializar os serviços governamentais? Será que os governos estão atentos a essa necessidade? De que forma os dispositivos móveis vêm sendo utilizados? Atualmente, 97% dos domicílios brasileiros com internet (dado de 2017) realizam seus acessos prioritariamente via smartphones e há mais de 220 milhões de telefones ativos, segundo a Fundação Getulio Vargas. Portanto, não é mais possível pensar em entregar serviços sem considerar dispositivos móveis. É fácil afirmar, portanto, que se trata de uma tecnologia realmente universal, já que os números e estatísticas apontam para um novo paradigma, isto é, a era da informação por meio de dispositivos do tipo smartphones, tablets, relógios, tevês e sensores inteligentes. Como pensar, então, em entregar serviços digitais relevantes sem aplicar eficazmente essa tecnologia?
Diversos órgãos de governo estão usando aplicativos e serviços compatíveis com tecnologias móveis. Recentemente, a Agência Nacional de Águas lançou o app Atlas, Água e Esgoto que permite que todo cidadão consulte a situação do abastecimento de água e do esgotamento sanitário em sua cidade, de maneira fácil e rápida, obtendo informações sobre o sistema produtivo de água, o manancial de abastecimento, a quantidade de esgotos coletados e tratados em cada município brasileiro. O aplicativo informa ainda o valor a ser investido localmente para sanar ese gigante problema no nosso país, que que remove apenas 39% da carga orgânica produzida das mais de 9 mil toneladas de esgotos gerados diariamenteSabemos que informação é poder e facilita o acesso que permite à população cobrar das autoridades a entrega de melhores serviços em todos os setores. Ainda na área ambiental, a Área de Preservação Permanente (APP) do Parque do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, é a primeira do Brasil a utilizar conceitos de realidade aumentada, que permite uma experiência de visitação virtual com fotos em 360 graus dos principais atrativos, com auxílio para deficientes visuais, que contam com a visitação guiada por meio de beacons, uma tecnologia com a qual, ao passar por um atrativo, o smartphone mostra informações diretamente na tela. Outra iniciativa é o aplicativo desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente para o exitoso Programa Água Doce, responsável por levar água potável a centena de milhares de brasileiros que vivem no semiárido do país.Aplicativos, como o do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ou o Sistema de Seleção Unificada (SISU), ou os que permitem declarar o imposto de renda na palma da mão, ou até mesmo o novo documento nacional de identificação (DNI) são apenas alguns exemplos exitosos. Como visto, é possível aliar desburocratização e tecnologias digitais para que dispositivos móveis permitam acesso cada vez mais amplo e pulverizado e favoreçam à democratização aos serviços dos governos. Devemos enxergar as tecnologias como potencializadoras das nossas capacidades como indivíduos, governo e sociedade em geral. As vantagens da utilização desses recursos estão sendo vistas como aliadas na revolução pós-digital, que promete mudar radicalmente o Brasil e o mundo. Estejamos preparados e atentos para o grande futuro que nos espera.
» MARCELO CRUZ
Economista, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e diretor da Agência Nacional de Águas (ANA)